Opinião

Os governos chilenos, tanto de direita como de esquerda, não renunciaram à herança militar e judicial da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Israel contribui para a sua luta contra as populações mapuche indígenas, proporcionando-lhes armas e treino. A criminalização pelo Chile da resistência mapuche pode ser comparada à repressão por Israel da resistência palestina.

Em todo o país, o Chile uniu-se nas manifestações contra o presidente de direita Sebastian Piñera e o seu compromisso com o programa neoliberal introduzido pelo falecido ditador Augusto Pinochet. Os manifestantes pediram a sua demissão e exigiram que seja elaborada uma nova constituição para substituir a herança da ditadura.

O estado de emergência e o recolher obrigatório impostos por Piñera em todo o Chile suscitaram comparações com a época da ditadura no Chile, visto que os militares se lançaram numa escalada de violência contra a população civil, em que se incluem assassínios, espancamentos e tortura sexual. Esta...

O dia 9 de Novembro marca trinta anos desde a queda do Muro de Berlim e da proclamação da superioridade do Ocidente e do seu modelo de mercado livre, com o qual iam cair todos os muros. Três décadas depois, foram construídos mais de 70 muros em todo o mundo. Visto do ponto de vista da Campanha Palestina contra o Muro, parece que o mundo está a atravessar um processo de «israelização».

De facto, até 2002, quando Israel começou a construir o seu muro do apartheid na Cisjordânia ocupada, os muros eram um tabu político. Até o muro que encarcera toda a população palestina de Gaza desde 1995 foi mantido em silêncio. A indignação que provocou a construção por Israel de um muro de oito metros de altura na Cisjordânia foi enorme a princípio, em parte porque, ao contrário da maioria dos outros muros, este é construído em território ocupado. Mas, apesar de o Tribunal Internacional de Justiça em 2004 ter declarado ilegal este muro, bem como qualquer apoio internacional ao mesmo, a decisão...

Desde o início da década passada, equipas do Ministério da Defesa [de Israel] têm vasculhado arquivos locais e removido documentos históricos para ocultar provas da Nakba. Há quatro anos, a historiadora Tamar Novick ficou chocada com um documento que encontrou na pasta de Yosef Waschitz, do Departamento Árabe do Partido Mapam, de esquerda, no arquivo Yad Yaari, em Givat Haviva. Este documento, que parecia descrever eventos ocorridos durante a guerra de 1948, começa assim: «Safsaf [antiga aldeia palestiniana perto de Safed] — 52 homens foram apanhados, amarrados uns aos outros, um buraco foi cavado e foram baleados. 10 estavam ainda a contorcer-se. As mulheres vieram, implorando por misericórdia. Foram encontrados corpos de 6 homens idosos. Havia 61 corpos. 3 casos de violação, um deles a leste de Safed de uma menina de 14 anos. 4 homens foram baleados e mortos. A um deles foram-lhe cortados os dedos com uma faca para tirar o anel.» O autor continua a descrever mais massacres, assaltos...

Este Verão marca um aniversário importante, mas muitas vezes negligenciado, na história da Faixa de Gaza. Há trinta anos, em Junho de 1989, Israel impôs pela primeira vez um sistema de cartão magnético para restringir a saída de residentes palestinos. A quem tivesse sido negado um cartão seria impedida a saída.

Embora o bloqueio de Israel a Gaza seja frequentemente visto como uma resposta à ascensão do Hamas ao poder em 2006-2007, o isolamento do enclave remonta a três décadas atrás e, para muitos analistas, essa perspectiva histórica é essencial para entender os desenvolvimentos actuais.

«Eu acho que é extremamente importante olhar para o contexto mais amplo para entender o que está a acontecer hoje em Gaza», disse Tania Hary, directora executiva da ONG israelita de direitos humanos Gisha, à Al Jazeera.

«A maioria das pessoas acredita erroneamente que o que está a acontecer é o resultado de o Hamas estar no poder e que, conquanto a crise humanitária seja um efeito colateral “infeliz”...

Pierre Vidal-Naquet usou esta expressão contra os falsários e negacionistas que negavam ou minimizavam a escala e a premeditação do extermínio perpetrado pelos nazis contra os judeus, os ciganos, os comunistas, os homossexuais…

Eu utilizo-a contra aqueles que se apropriaram da história, da memória e das identidades judaicas para construir, em nome dos judeus, um Estado de apartheid que lembra em muitos planos, segundo o historiador Zeev Sternhell, a Alemanha da década de 1930.

Israel, uma sociedade à deriva.

O resultado das eleições israelitas de 2019 apresenta uma fotografia mais do que inquietante desta sociedade. Cem deputados eleitos (em 120) são abertamente favoráveis ao apartheid. A «Lei sobre Israel Estado-Nação do Povo Judaico» é alvo de um amplo consenso. Ela lembra em muitos aspectos o arsenal jurídico que o apartheid sul-africano tinha fabricado. Declarações que normalmente deveriam levar os seus autores a tribunal servem de argumento eleitoral.

Citemos algumas: Lieberman [1] pr...

Artigo publicado no Público em 10 de Maio de 2019

O primeiro-ministro Netanyahu diz que “Israel é o Estado-nação dos judeus — e apenas deles”. E a lei diz que a estrela de David é um “símbolo nacional”. Por isso é natural que os cartoons políticos os usem.

Há dias, Esther Mucznik, estudiosa de temas judaicos, perguntou: “Num cartoon de crítica política com a caricatura de Theresa May, Emmanuel Macron ou Marcelo Rebelo de Sousa, seriam utilizados os símbolos cristãos?”

Provavelmente não. Quando os cartoonistas vestem May de bandeira britânica — que é quase sempre —, na prática põem-na a carregar três cruzes cristãs (de São Jorge, Santo André e São Patrício, padroeiros do Reino Unido), mas não é por isso que pensamos em Jesus Cristo.

Vemos May com um avental-Union Jack, uma touca-Union Jack, um pin-Union Jack, um cobertor-Union Jack e não pensamos na simbologia cristã, embora ela lá esteja, como não pensamos em sexo quando a vemos na cama com Jeremy Corbyn, ou na morte quando tem a cabeça na...

Artigo publicado em Counterpunch em 5 de Março de 2019

Quando ouvi a primeira notícia, presumi que fosse um ataque aéreo israelita contra Gaza. Ou contra a Síria. Ataques aéreos a um «campo terrorista» foram as primeiras palavras. Foi destruído um «centro de comando e controle», foram mortos muitos «terroristas». Os militares estavam a retaliar por um «ataque terrorista» contra as suas tropas, disseram-nos.

Foi eliminada uma base «jihadista» islâmica. Então ouvi o nome Balakot e percebi que não era nem em Gaza, nem na Síria – nem mesmo no Líbano - mas no Paquistão. Coisa estranha, essa. Como poderia alguém misturar Israel e a Índia?

Bem, não deixemos a ideia esfumar-se. Quatro mil quilómetros separam o Ministério da Defesa israelita em Telavive do Ministério da Defesa indiano em Nova Deli, mas há uma razão pela qual os despachos actuais das agências parecem tão semelhantes.

Há meses que Israel tem vindo a alinhar assiduamente com o governo nacionalista do BJP [Bharatiya Janata Party...

Artigo publicado no Haaretz em 22 de Abril de 2019

Fatma Sleiman, uma professora da aldeia de Tuqu, no Sul da Cisjordânia, morreu na quinta-feira num acidente de viação. Testemunhas disseram que um camião israelita bateu no seu carro. Isto não foi noticiado em Israel e certamente nunca será investigado como um abalroamento suspeito. Mesmo a cobertura dos meios de comunicação palestinos foi fraca, e apenas no Facebook e sites de notícias locais se encontrou relatos dos acontecimentos que se seguiram à sua morte. Mais adiante voltarei a falar disto.

Ouvir as notícias palestinas todas as manhãs é uma tortura. Em primeiro lugar, o conteúdo esvazia a bolha ilusória da normalidade, o desejo de um pouco de silêncio, de esquecer que cada bolha está cercada por cercas de arame farpado. Esquecer os numerosos acampamentos do exército, as barragens de estrada em que os soldados te apontam directamente as suas armas, os colonatos prósperos, os postos avançados hostis e as estradas de várias vias que...

Artigo publicado na revista África 21 em Março de 2019

Quando a Arábia Saudita declarou guerra ao Qatar, em 2017, ninguém, e muito menos os dirigentes de Doha, acreditou nas razões invocadas por Riade para impor um bloqueio total – terrestre, marítimo e aéreo – ao pequeno emirado, também membro fundador do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) , parceiro e cúmplice da política externa dos sauditas em quase todos os domínios, da economia à propagação da doutrina wahabita, até 2011.

Foram as revoltas árabes que colocaram Doha e Riade em campos opostos. Doha colocou a sua influência mediática (Al Jazeera) ao serviço da propaganda dos Irmãos Muçulmanos, que emergiam como a força política vencedora das primeiras eleições livres na Tunísia e no Egipto, que a Arábia Saudita considerava como a maior ameaça à sua própria estabilidade. Era a esta aliança que se referiam os autores do ultimato quando acusavam o Qatar de apoiar o «terrorismo» e não ao apoio (dado por sauditas e qataris) aos...

Artigo publicado na revista África 21 em Março de 2019

Como Barack Obama no início do seu primeiro mandato, Donald Trump quer manter a supremacia dos Estados Unidos no Médio Oriente e impedir a Rússia e a China de atrair o (mal) chamado «mundo árabe» para a sua órbita. Os meios e as tácticas mudaram, mas as dificuldades continuam e os fracassos acumulam-se.

Reunidos em Riade, em Dezembro, os representantes dos seis países do Conselho de Cooperação do Golfo (Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Koweit, Omã e Qatar) aprovaram a constituição da Aliança Estratégica para a Estabilização do Médio Oriente (MESA em inglês), mais conhecida como «OTAN árabe», e o seu arranque formal em 2019, por ocasião de uma nova cimeira entre Donald Trump e os líderes árabes.

Desde então, o chefe da diplomacia americana, Mike Pompeo, dá voltas pelas capitais árabes para convencer os seus interlocutores a «ultrapassarem as velhas rivalidades» e coordenarem as suas forças para combater o...