Opinião

Este Verão marca um aniversário importante, mas muitas vezes negligenciado, na história da Faixa de Gaza. Há trinta anos, em Junho de 1989, Israel impôs pela primeira vez um sistema de cartão magnético para restringir a saída de residentes palestinos. A quem tivesse sido negado um cartão seria impedida a saída.

Embora o bloqueio de Israel a Gaza seja frequentemente visto como uma resposta à ascensão do Hamas ao poder em 2006-2007, o isolamento do enclave remonta a três décadas atrás e, para muitos analistas, essa perspectiva histórica é essencial para entender os desenvolvimentos actuais.

«Eu acho que é extremamente importante olhar para o contexto mais amplo para entender o que está a acontecer hoje em Gaza», disse Tania Hary, directora executiva da ONG israelita de direitos humanos Gisha, à Al Jazeera.

«A maioria das pessoas acredita erroneamente que o que está a acontecer é o resultado de o Hamas estar no poder e que, conquanto a crise humanitária seja um efeito colateral “infeliz”...

Pierre Vidal-Naquet usou esta expressão contra os falsários e negacionistas que negavam ou minimizavam a escala e a premeditação do extermínio perpetrado pelos nazis contra os judeus, os ciganos, os comunistas, os homossexuais…

Eu utilizo-a contra aqueles que se apropriaram da história, da memória e das identidades judaicas para construir, em nome dos judeus, um Estado de apartheid que lembra em muitos planos, segundo o historiador Zeev Sternhell, a Alemanha da década de 1930.

Israel, uma sociedade à deriva.

O resultado das eleições israelitas de 2019 apresenta uma fotografia mais do que inquietante desta sociedade. Cem deputados eleitos (em 120) são abertamente favoráveis ao apartheid. A «Lei sobre Israel Estado-Nação do Povo Judaico» é alvo de um amplo consenso. Ela lembra em muitos aspectos o arsenal jurídico que o apartheid sul-africano tinha fabricado. Declarações que normalmente deveriam levar os seus autores a tribunal servem de argumento eleitoral.

Citemos algumas: Lieberman [1] pr...

Artigo publicado no Público em 10 de Maio de 2019

O primeiro-ministro Netanyahu diz que “Israel é o Estado-nação dos judeus — e apenas deles”. E a lei diz que a estrela de David é um “símbolo nacional”. Por isso é natural que os cartoons políticos os usem.

Há dias, Esther Mucznik, estudiosa de temas judaicos, perguntou: “Num cartoon de crítica política com a caricatura de Theresa May, Emmanuel Macron ou Marcelo Rebelo de Sousa, seriam utilizados os símbolos cristãos?”

Provavelmente não. Quando os cartoonistas vestem May de bandeira britânica — que é quase sempre —, na prática põem-na a carregar três cruzes cristãs (de São Jorge, Santo André e São Patrício, padroeiros do Reino Unido), mas não é por isso que pensamos em Jesus Cristo.

Vemos May com um avental-Union Jack, uma touca-Union Jack, um pin-Union Jack, um cobertor-Union Jack e não pensamos na simbologia cristã, embora ela lá esteja, como não pensamos em sexo quando a vemos na cama com Jeremy Corbyn, ou na morte quando tem a cabeça na...

Artigo publicado em Counterpunch em 5 de Março de 2019

Quando ouvi a primeira notícia, presumi que fosse um ataque aéreo israelita contra Gaza. Ou contra a Síria. Ataques aéreos a um «campo terrorista» foram as primeiras palavras. Foi destruído um «centro de comando e controle», foram mortos muitos «terroristas». Os militares estavam a retaliar por um «ataque terrorista» contra as suas tropas, disseram-nos.

Foi eliminada uma base «jihadista» islâmica. Então ouvi o nome Balakot e percebi que não era nem em Gaza, nem na Síria – nem mesmo no Líbano - mas no Paquistão. Coisa estranha, essa. Como poderia alguém misturar Israel e a Índia?

Bem, não deixemos a ideia esfumar-se. Quatro mil quilómetros separam o Ministério da Defesa israelita em Telavive do Ministério da Defesa indiano em Nova Deli, mas há uma razão pela qual os despachos actuais das agências parecem tão semelhantes.

Há meses que Israel tem vindo a alinhar assiduamente com o governo nacionalista do BJP [Bharatiya Janata Party...

Artigo publicado no Haaretz em 22 de Abril de 2019

Fatma Sleiman, uma professora da aldeia de Tuqu, no Sul da Cisjordânia, morreu na quinta-feira num acidente de viação. Testemunhas disseram que um camião israelita bateu no seu carro. Isto não foi noticiado em Israel e certamente nunca será investigado como um abalroamento suspeito. Mesmo a cobertura dos meios de comunicação palestinos foi fraca, e apenas no Facebook e sites de notícias locais se encontrou relatos dos acontecimentos que se seguiram à sua morte. Mais adiante voltarei a falar disto.

Ouvir as notícias palestinas todas as manhãs é uma tortura. Em primeiro lugar, o conteúdo esvazia a bolha ilusória da normalidade, o desejo de um pouco de silêncio, de esquecer que cada bolha está cercada por cercas de arame farpado. Esquecer os numerosos acampamentos do exército, as barragens de estrada em que os soldados te apontam directamente as suas armas, os colonatos prósperos, os postos avançados hostis e as estradas de várias vias que...

Artigo publicado na revista África 21 em Março de 2019

Quando a Arábia Saudita declarou guerra ao Qatar, em 2017, ninguém, e muito menos os dirigentes de Doha, acreditou nas razões invocadas por Riade para impor um bloqueio total – terrestre, marítimo e aéreo – ao pequeno emirado, também membro fundador do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) , parceiro e cúmplice da política externa dos sauditas em quase todos os domínios, da economia à propagação da doutrina wahabita, até 2011.

Foram as revoltas árabes que colocaram Doha e Riade em campos opostos. Doha colocou a sua influência mediática (Al Jazeera) ao serviço da propaganda dos Irmãos Muçulmanos, que emergiam como a força política vencedora das primeiras eleições livres na Tunísia e no Egipto, que a Arábia Saudita considerava como a maior ameaça à sua própria estabilidade. Era a esta aliança que se referiam os autores do ultimato quando acusavam o Qatar de apoiar o «terrorismo» e não ao apoio (dado por sauditas e qataris) aos...

Artigo publicado na revista África 21 em Março de 2019

Como Barack Obama no início do seu primeiro mandato, Donald Trump quer manter a supremacia dos Estados Unidos no Médio Oriente e impedir a Rússia e a China de atrair o (mal) chamado «mundo árabe» para a sua órbita. Os meios e as tácticas mudaram, mas as dificuldades continuam e os fracassos acumulam-se.

Reunidos em Riade, em Dezembro, os representantes dos seis países do Conselho de Cooperação do Golfo (Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Koweit, Omã e Qatar) aprovaram a constituição da Aliança Estratégica para a Estabilização do Médio Oriente (MESA em inglês), mais conhecida como «OTAN árabe», e o seu arranque formal em 2019, por ocasião de uma nova cimeira entre Donald Trump e os líderes árabes.

Desde então, o chefe da diplomacia americana, Mike Pompeo, dá voltas pelas capitais árabes para convencer os seus interlocutores a «ultrapassarem as velhas rivalidades» e coordenarem as suas forças para combater o...

Artigo publicado no jornal israelita Haaretz em 2 de Setembro de 2018 Agora já está à vista de todos: a América declarou guerra aos palestinos. Com o seu genro Jared Kushner, um especialista em organizações humanitárias e refugiados palestinos, o grande valentão Donald Trump decidiu acabar com a ajuda à agência da ONU que ajuda os refugiados palestinos. A explicação oficial: o modelo de negócio e as práticas fiscais da UNRWA [United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees in the Near East] fizeram dela uma «operação irremediavelmente defeituosa».Trump e o seu genro, os guardiões do selo do bom governo, acharam que a agência não é administrada correctamente. A contribuição anual dos EUA de 360 milhões de dólares vai acabar. Mesmo em Israel, que se alegra com cada uma das calamidades palestinas e tem a certeza de que tudo é um jogo de soma zero, as acha-se que o maior amigo de todos os tempos do Estado foi um pouco exagerado.A nova América trata pequenas ofensas e grandes...

No 15.º aniversário do falecimento de Edward Said, o MPPM divulga este artigo, publicado logo após a assinatura dos Acordos de Oslo em 1993, em que o grande intelectual palestino faz uma análise muito crítica daqueles acordos. Agora que parte da euforia já se foi, é possível reexaminar o acordo entre Israel e a OLP com o bom senso exigido. O que emerge de tal escrutínio é um acordo que é mais defeituoso e, para a maioria do povo palestino, mais desfavoravelmente desequilibrado do que muitos inicialmente supunham. As vulgaridades, dignas de uma exibição de moda, da cerimónia na Casa Branca, o espectáculo degradante de Yasser Arafat agradecendo a todos pela suspensão da maioria dos direitos do seu povo e a solenidade tola do desempenho de Bill Clinton, como um imperador romano do século XX pastoreando dois reis vassalos pelos rituais de reconciliação e obediência: tudo isso apenas temporariamente oculta as proporções verdadeiramente assombrosas da capitulação palestina.Então, primeiro...

Artigo publicado em Orient XXI em 16 de Agosto de 2018
Desde há meses que Jeremy Corbyn é alvo de uma campanha orquestrada pelo lobby pró-israelita no Reino Unido, com o apoio da ala direita do seu próprio partido (Partido Trabalhista) e do Partido Conservador. É regularmente acusado de anti-semitismo. Aquele que assim é visado é um dos dirigentes políticos europeus que denunciou constante e persistentemente, apesar de todas as chantagens, a ocupação israelita, os assassínios em Gaza, a política do governo de Benjamin Netanyahu.
O último episódio destas polémicas data de há alguns dias e é relatado, em termos mais do que discutíveis, pelo diário Le Monde:
«Benjamin Netanyahu interveio, na segunda-feira, 13 de Agosto, na controvérsia sobre o anti-semitismo que dilacera o Partido Trabalhista britânico. No Twitter, o primeiro-ministro israelita pediu uma “condenação inequívoca” de Jeremy Corbyn, o líder do Labour. Este é acusado de em 2014 ter deposto uma coroa de flores no túmulo dos...