«Jeremy Corbyn, os palestinos e o anti-semitismo», por Alain Gresh
Artigo publicado em Orient XXI em 16 de Agosto de 2018
Desde há meses que Jeremy Corbyn é alvo de uma campanha orquestrada pelo lobby pró-israelita no Reino Unido, com o apoio da ala direita do seu próprio partido (Partido Trabalhista) e do Partido Conservador. É regularmente acusado de anti-semitismo. Aquele que assim é visado é um dos dirigentes políticos europeus que denunciou constante e persistentemente, apesar de todas as chantagens, a ocupação israelita, os assassínios em Gaza, a política do governo de Benjamin Netanyahu.
O último episódio destas polémicas data de há alguns dias e é relatado, em termos mais do que discutíveis, pelo diário Le Monde:
«Benjamin Netanyahu interveio, na segunda-feira, 13 de Agosto, na controvérsia sobre o anti-semitismo que dilacera o Partido Trabalhista britânico. No Twitter, o primeiro-ministro israelita pediu uma “condenação inequívoca” de Jeremy Corbyn, o líder do Labour. Este é acusado de em 2014 ter deposto uma coroa de flores no túmulo dos membros do Setembro Negro, o grupo terrorista palestino que levou a cabo a tomada de reféns de atletas e treinadores israelitas nos Jogos Olímpicos de Munique em 1972, que terminou com a morte de onze deles. […]
«O Daily Mail publicou no sábado uma foto de Corbyn em 2014 segurando uma coroa de flores durante uma cerimónia em Tunes. Então um simples deputado, ele estava ali para uma conferência dedicada à Palestina, organizada pelo presidente tunisino. No final, foram depostas duas coroas em sepulturas palestinas.
«A primeira comemorava a lembrança de 47 palestinos mortos num ataque aéreo israelita contra uma base da Organização de Libertação da Palestina (OLP) em 1985. Corbyn afirma que é isso que mostra a foto do Daily Mail. A segunda foi deposta nas sepulturas de Salah Khalaf, o fundador do Setembro Negro, de Fakhri al-Omari, seu braço direito, e de Hayel Abdel-Hamid, o chefe da segurança da OLP. Foram os três assassinados vinte anos após o atentado de Munique pela Mossad, os serviços secretos israelitas. É nesta cerimónia que Corbyn diz ter simplesmente estado “presente”.»
Notemos em primeiro lugar que a intervenção de Netanyahu confirma as ingerências permanentes de Israel nos assuntos internos de outros Estados. Um documentário explosivo da Al Jazeera sobre o lobby pró-israelita no Reino Unido revelou as intervenções de Israel nos assuntos internos deste país e as suas tentativas de derrubar um ministro considerado pró-palestino, o que resultou em desculpas públicas do embaixador israelita em Londres e no apressado regresso a Tel Aviv de um diplomata de alto nível. Notemos também que, para Netanyahu, o anti-semitismo é de geometria variável, como prova a sua camaradagem com alguns dirigentes de extrema-direita na Europa de Leste ou o seu silêncio sobre o anti-semitismo que grassa entre alguns apoiantes de Donald Trump.
Setembro Negro e Abu Iyad
Mas voltemos a esta última controvérsia. O jornalista do Le Monde obviamente ignora aquilo de que fala. E não se dá ao trabalho de procurar. O raid de 1985 não visava «uma base» da OLP (termo que dá a entender que o objectivo era militar), mas sim a sede da direcção da OLP, refugiada em Tunes desde 1982, e tinha por objectivo assassinar Yasser Arafat. O raid, decidido pelo primeiro-ministro de então, Shimon Peres, matou 50 palestinos e 18 tunisinos, numa operação que não se pode qualificar senão como «terrorismo de Estado».
Quanto ao facto de Corbyn ter deposto «uma coroa de flores no túmulo dos membros do Setembro Negro», a afirmação é mais do que redutora. Visivelmente, o autor nunca ouviu falar de Salah Khalaf, dito Abu Iyad, sobre cuja sepultura estariam a ser depostas flores. Poderia ter dado uma vista de olhos ao livro de um dos seus ilustres antecessores no Le Monde, Éric Rouleau, Palestinien sans Patrie [Palestino sem Pátria] (Fayolle, 1978). Teria ficado a saber que Abu Iyad, um dos fundadores da Fatah com Yasser Arafat, era um dos principais dirigentes desta organização; que ele, como o resto da direcção, renunciou às «operações externas» após a guerra de Outubro de 1973, comprometeu a sua organização no caminho da busca de uma solução política e aceitou a ideia de um mini-Estado palestino na Cisjordânia e em Gaza, tendo Jerusalém como capital. Era também o contacto de muitos serviços secretos ocidentais, que ajudava a combater certos grupos, como o do renegado palestino Abu Nidal. Era considerado, até ao seu assassínio em Tunes em 1991 (pelo grupo dissidente de Abu Nidal, não pelos israelitas), como o número 2 da OLP .
Qual foi o seu papel no Setembro Negro? Interrogado por Éric Rouleau, o responsável dos serviços especiais palestinos «nega energicamente ter sido o dirigente desta organização», cujo dirigente teria sido Youssef El-Najjar, assassinado pelos israelitas em Beirute em Abril de 1973. No entanto, não a condena, e explica as condições do seu nascimento, após o esmagamento da resistência palestina na Jordânia em 1970-1971, acontecimentos conhecidos sob o nome de «Setembro Negro».
«Se a única solução é a violência …»
Ameaçada na sua própria existência, submetida a uma severa repressão e a uma ocupação brutal, nomeadamente em Gaza, a resistência palestina vai lançar-se em operações espectaculares na cena internacional que, pensa ela, vão permitir à Palestina não desaparecer da paisagem política. O ataque contra os Jogos Olímpicos de Munique de 1972 inscreve-se nesse quadro, e Abu Iyad recorda que ela tinha por objectivo uma troca de prisioneiros e que o governo israelita tudo fez para fazer fracassar as negociações.
Pode-se, é claro, condenar esse tipo de acções contra civis. Mas é preciso lembrar, por um lado, que a maior parte das organizações de luta armada recorreram a elas ao longo da história, da Frente de Libertação Nacional (FLN) argelina aos grupos sionistas nos anos 1940 (Yitzhak Shamir, que viria a ser primeiro-ministro, era considerado um terrorista pelas autoridades britânicas). Por outro lado, não podemos condenar este tipo de acções se não condenarmos também as acções de opressão e de ocupação que as geram. Como recordou Nelson Mandela durante a sua viagem aos territórios palestinos em 1999: «Devemos escolher a paz em vez do confronto, excepto nos casos em que não podemos obter nada, em que não podemos continuar, em que não podemos avançar. Se a única alternativa é a violência, então utilizaremos a violência.» De resto, ele tinha proclamado: «É sempre o opressor, não o oprimido, quem define a forma da luta.»
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Quinta, 30 Agosto, 2018 - 11:03