MPPM alerta que Portugal não pode ser envolvido no fornecimento de material militar a Israel

O MPPM considera que a persistência da limpeza étnica que Israel tem em curso contra a população palestina de Gaza e da Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, só é possível devido ao ininterrupto apoio, nomeadamente militar, dos Estados seus cúmplices e à complacência da generalidade dos Estados e instituições mundiais e, por isso, exige que o governo e as instituições portuguesas, no respeito pelo direito internacional, não contribuam para viabilizar esse apoio.

O fundamento legal

No seu Parecer Consultivo de 19 de Julho de 2024, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) deliberou: «É de opinião que todos os Estados têm a obrigação de não reconhecer como legal a situação resultante da presença ilegal do Estado de Israel no Território Palestino Ocupado e de não prestar ajuda ou assistência para manter a situação criada pela presença contínua do Estado de Israel no Território Palestino Ocupado».

Reunida em Sessão Especial em 13 de Setembro de 2024 para apreciar o Parecer Consultivo do TIJ, a Assembleia Geral da ONU aprovou, com esmagadora maioria de votos a favor – entre os quais o de Portugal –, uma Resolução que adopta na íntegra o referido documento, reclamando a retirada de Israel do Território Palestino Ocupado (TPO) no prazo de doze meses.

A Resolução determina, nomeadamente: «Os Estado são incitados a tomar medidas para pôr termo à importação de quaisquer produtos originários dos colonatos israelitas, bem como ao fornecimento ou transferência de armas, munições e equipamento conexo para Israel, a potência ocupante, em todos os casos em que existam motivos razoáveis para suspeitar que possam ser utilizados no Território Palestino Ocupado.»

O MPPM teve acesso a um parecer jurídico que justifica que, sendo impossível distinguir que relações contribuem ou não para reforçar a presença ilegal de Israel no TPO, da aplicação da resolução da ONU decorre a obrigação de um embargo abrangente às relações com Israel. 

No que se refere à questão da ajuda e assistência militar em particular, diz o parecer jurídico que, dada a forma como a presença de Israel no TPO está inextricavelmente ligada ao funcionamento do sistema militar em geral, não pode haver qualquer ajuda ou assistência às forças armadas de Israel. Além disso, a proibição tem de abranger toda a ajuda aos militares israelitas, e não apenas a relacionada com armas que podem ser e estão a ser utilizadas para perpetrar violações do direito humanitário internacional.

A posição da Maersk

Perante evidências de que a Maersk estaria profundamente envolvida no transporte de material militar para Israel, diversas organizações de direitos humanos, entre as quais o MPPM, exortaram os accionistas da Maersk a usarem o seu voto na Assembleia Geral de 18 de Março para garantir que a empresa demonstrasse que cumpre os seus compromissos para com os direitos humanos e os princípios do direito e normas internacionais. Não foi surpresa a moção do grupo de accionistas ter sido derrotada.

A campanha Mask Off Maersk, conduzida pelo Palestinian Youth Movement, tem publicado relatórios denunciando o profundo compromisso da Maersk com a economia colonial e militar de Israel. Um relatório sobre actividade militar revela que, entre Setembro de 2023 e Setembro de 2024, a A.P. Moller Maersk enviou milhares de toneladas de produtos militares dos Estados Unidos para os militares israelitas, em mais de 2000 remessas, que incluíam cascos, motores ou peças especializadas para veículos blindados e veículos tácticos, bem como peças para aeronaves e sistemas de projécteis. Algumas destas cadeias de abastecimento militares que a Maersk tem apoiado com a sua infraestrutura de transporte e logística incluem: veículos blindados de transporte de pessoal Namer (APC-MT883); veículos tácticos ligeiros conjuntos Oshkosh (JLTVs); família Oshkosh de veículos tácticos médios (FMTVs), camiões tácticos pesados de mobilidade alargada Oshkosh (HEMTTs); veículos ligeiros de ataque avançados (ALSV) Flyer-72, motores ou conjuntos de potência para veículos blindados de transporte de pessoal; corpos de projéctil, provavelmente para projécteis de artilharia; anéis de culatra, possivelmente para sistemas de artilharia de grande calibre ou canhões de tanques; placas de aço blindadas, provavelmente para veículos militares ou veículos de transporte de pessoal.

A operação F-35 em curso

A campanha Mask Off Maersk desvendou uma operação em curso para o transporte, entre 8 e 30 de Abril, de equipamentos ou peças do avião F-35 da base da United States Air Force (USAF), em Fort Worth, Texas, operada pela Lockheed Martin – principal contratante do consórcio internacional que produz os jactos F-35 – para a base da Força Aérea Israelita em Nevatim – especializada na produção, manutenção e reparação da cadeia de abastecimento dos F-35 israelitas.

Estes fornecimentos fazem parte da complexa cadeia global de abastecimento do F-35, não sendo necessariamente de uso militar directo. Mas as instalações da Israel Aerospace Industries (IAI) e da Lockheed Martin em Israel produzem asas e outras peças-chave dos jactos F-35, que são depois exportados por via marítima para a Lockheed Martin no Texas.

Segundo a campanha Mask off Maersk, a Maersk terá confirmado publicamente o seu papel na cadeia de abastecimento do F-35 e que o Maersk Detroit e o Nexoe Maersk transportariam “contentores com peças do F-35”.

A operação em curso envolve dois navios: o Maersk Detroit, que assegura o transporte transatlântico, saiu de Nova Iorque a 13 de Abril e tem chegada prevista a Tânger em 21 de Abril; e o Nexoe Maersk, que é um navio feeder a circular no Mediterrâneo, partiu de Valência em 17 de Abril, com passagem por Casablanca, e chegada prevista a Tânger em 22 de Abril, para receber o carregamento do Maersk Detroit e partir rumo a Mersin (Turquia), com destino final em Haifa, a 30 de Abril.

É muito provável que o envio de equipamento ou peças através da frota da Maersk contribua para a cadeia de abastecimento de aviões-caças que têm sido utilizados para atingir o povo palestino em Gaza. Mas, como referido no parecer jurídico citado, toda a colaboração com as forças militares israelitas é sancionável.

Portugal e o boicote militar

A operação de transporte de material militar acima denunciada não envolve, à partida, navios ou portos portugueses. Mas o historial da relação das autoridades portuguesas com o cumprimento do direito internacional, no que respeita ao Estado de Israel, justifica um estado de alerta para prevenir ocorrências futuras.

Está ainda bem presente o episódio do navio Kathrin, que transportava material militar para Israel sob pavilhão português, e a forma como o governo foi eludindo todas as evidências até ser o próprio armador a pedir a retirada do pavilhão.

Por isto, tendo em consideração:

- O parecer consultivo do TPI de 19 de Julho de 2024 que exige que os Estados se abstenham de actividades que favoreçam economicamente a presença ilegal de Israel na Palestina ocupada;

- A resolução – aprovada por Portugal – na Sessão Especial da Assembleia Geral da ONU de 13 de Setembro de 2024 que determina que os Estados ponham termo ao fornecimento ou transferência de material militar para Israel;

- As exigências de uma política portuguesa de relações internacionais respeitadora do direito internacional e consentânea com a Constituição da República Portuguesa:

- O sentimento de justiça dos portugueses, horrorizados perante o genocídio que Israel leva a cabo contra o povo palestino;

o MPPM:

- Manifesta a sua solidariedade com os activistas, trabalhadores, organizações e movimentos que em outros países têm lutado contra a cumplicidade ou complacência dos seus governos no fornecimento de ajuda militar a Israel;

- Exige que o governo português e as entidades públicas portuguesas, no respeito pelo direito internacional, não viabilizem e ponham termo a qualquer utilização de portos e aeroportos, bem como navios ou aviões com registo português, para a importação, exportação, transbordo ou simples trânsito de equipamento militar de ou para Israel.

18 de Abril de 2025

A Direcção Nacional do MPPM

MPPM warns that Portugal cannot be involved in the supply of military material to Israel

The MPPM considers that the persistence of Israel's ongoing ethnic cleansing of the Palestinian population of Gaza and the West Bank, including East Jerusalem, is only possible due to the uninterrupted support, particularly military, of its accomplice states and the complacency of most world states and institutions, and therefore demands that the Portuguese government and institutions, in compliance with international law, do not contribute to enabling this support.

The legal basis

In its Advisory Opinion of 19 July 2024, the International Court of Justice (ICJ) ruled: “It is of the opinion that all States are under an obligation not to recognise as lawful the situation resulting from the illegal presence of the State of Israel in the Occupied Palestinian Territory and not to provide aid or assistance to maintain the situation created by the continued presence of the State of Israel in the Occupied Palestinian Territory.”

Meeting in a Special Session on 13 September 2024 to consider the ICJ's Advisory Opinion, the UN General Assembly passed, with an overwhelming majority of votes in favour - including that of Portugal - a Resolution adopting the document in its entirety, calling for Israel's withdrawal from the Occupied Palestinian Territory (OPT) within twelve months.

The Resolution reads: “States are urged to take measures to stop the import of any products originating in Israeli settlements, as well as the supply or transfer of arms, ammunition and related equipment to Israel, the occupying power, in all cases where there are reasonable grounds to suspect that they may be used in the Occupied Palestinian Territory.”

The MPPM has had access to a legal opinion which justifies that, since it is impossible to distinguish which relations do or do not contribute to strengthening Israel's illegal presence in the OPT, the application of the UN resolution implies the obligation of a comprehensive embargo on relations with Israel. 

On the question of military aid and assistance in particular, the legal opinion says that, given the way in which Israel's presence in the OPT is inextricably linked to the functioning of the military system in general, there can be no aid or assistance to Israel's armed forces. Furthermore, the ban must cover all aid to the Israeli military, not just that related to weapons that can be and are being used to perpetrate violations of international humanitarian law.

Maersk's position

Faced with evidence that Maersk was deeply involved in transporting military material to Israel, several human rights organisations, including MPPM, urged Maersk shareholders to use their vote at the General Assembly on 18 March to ensure that the company demonstrated that it complies with its commitments to human rights and the principles of international law and standards. It was no surprise that the shareholder group's motion was defeated.

The Mask Off Maersk campaign, led by the Palestinian Youth Movement, has published reports denouncing Maersk's deep commitment to Israel's colonial and military economy. A report on military activity reveals that between September 2023 and September 2024, A.P. Moller Maersk sent millions of pounds (lb) of military products from the United States to the Israeli military, in more than 2,000 shipments, which included hulls, engines or specialised parts for armoured vehicles and tactical vehicles, as well as parts for aircraft and projectile systems. Some of these military supply chains that Maersk has supported with its transport and logistics infrastructure include: • Namer Armored Personnel Carriers (APC-MT883) • Oshkosh Joint Light Tactical Vehicles (JLTVs) • Oshkosh Family of Medium Tactical Vehicles (FMTVs) • Oshkosh Heavy Expanded Mobility Tactical Trucks (HEMTTs) • Flyer-72 Advanced Light Strike Vehicles (ALSVs) • Engines or power packs for armored personnel carriers • Projectile bodies, likely for artillery shells • Breech rings, possibly for large-caliber artillery systems or tank guns • Armored steel plates, likely for military vehicles or personnel carriers.

The ongoing F-35 operation

The Mask Off Maersk campaign has uncovered an ongoing operation to transport, between 8 and 30 April, equipment or parts for the F-35 aircraft from the United States Air Force (USAF) base in Fort Worth, Texas, operated by Lockheed Martin - the main contractor for the international consortium that produces the F-35 jets - to the Israeli Air Force base in Nevatim - which specialises in the production, maintenance and repair of the Israeli F-35 supply chain.

These supplies are part of the complex global supply chain for the F-35, and are not necessarily for direct military use. But the Israel Aerospace Industries (IAI) and Lockheed Martin facilities in Israel produce wings and other key parts for the F-35 jets, which are then exported by sea to Lockheed Martin in Texas.

According to the Mask off Maersk campaign, Maersk has publicly confirmed its role in the F-35 supply chain and that the Maersk Detroit and Nexoe Maersk would transport ‘containers with F-35 parts’.

The current operation involves two ships: the Maersk Detroit, which is carrying out the transatlantic transport, left New York on 13 April and is scheduled to arrive in Tangier on 21 April; and the Nexoe Maersk, which is a feeder ship operating in the Mediterranean, left Valencia on 17 April, passing through Casablanca, and is scheduled to arrive in Tangier on 22 April, to receive the shipment from the Maersk Detroit and set sail for Mersin (Turkey), with its final destination in Haifa on 30 April.

It is very likely that the shipment of equipment or parts via the Maersk fleet contributes to the supply chain of fighter planes that have been used to target the Palestinian people in Gaza. But, as stated in the legal opinion cited above, any collaboration with the Israeli military is sanctionable.

Portugal and the military boycott

The military transport operation denounced above does not involve Portuguese ships or ports. However, the history of the Portuguese authorities' relationship with the State of Israel in terms of compliance with international law justifies a state of alert to prevent future occurrences.

The episode of the ship Kathrin, which was transporting military material to Israel under the Portuguese flag, and the way in which the government evaded all the evidence until the shipowner himself asked for the flag to be withdrawn, is still very much in mind.

So, taking into consideration:

- The ICC's advisory opinion of 19 July 2024 requiring states to refrain from activities that economically favour Israel's illegal presence in occupied Palestine;

- The resolution - approved by Portugal - at the Special Session of the UN General Assembly on 13 September 2024, which demands that states stop supplying or transferring military material to Israel;

- The imperative of a Portuguese international relations policy that respects international law and is in line with the Constitution of the Portuguese Republic:

- The Portuguese sense of justice, horrified at the genocide that Israel is carrying out against the Palestinian people;

MPPM:

- Expresses its solidarity with the activists, workers, organisations and movements that in other countries have been fighting against the complicity or complacency of their governments in providing military aid to Israel;

- Demands that the Portuguese government and Portuguese public bodies, while respecting international law, do not enable and stop any use of ports and airports, as well as Portuguese-registered ships or aeroplanes, for the import, export, transhipment or simple transit of military equipment to or from Israel.

18 April 2025

The National Directorate of MPPM