O massacre de Khan Younis e os “danos colaterais” da Inteligência Artificial

No ataque aéreo israelita ao campo de refugiados de Mawasi, no distrito de Khan Younis, na Faixa de Gaza, no passado sábado, 13 de Julho, foram mortas pelo menos 90 pessoas e 300 ficaram feridas. O campo de al-Mawasi era uma "zona segura" designada por Israel.

Segundo o governo israelita, o ataque tinha por objectivo atingir o comandante militar do Hamas, Mohammed Deif. Nesse contexto, a extensão do massacre está dentro do número de 100 “vítimas colaterais” considerado aceitável por Israel nos ataques a quem pensa ser dirigente de topo do Hamas ou da Jihad Islâmica Palestina. E é notório que Israel nada faz para reduzir o risco de fazer vítimas civis, se é que isso não faz mesmo parte da sua campanha de terror.

O programa “Alfazema”

Uma investigação jornalística de dois órgãos de informação israelitas, o 975+ e o Local Call, revelou que Israel utiliza um algoritmo baseado em Inteligência Artificial (IA) denominado Lavender (Alfazema) para seleccionar os alvos dos seus bombardeamentos.

Programas baseados em IA para seleccionar alvos militares parecem ser de uso generalizado nas forças armadas mas o que torna o Lavender numa terrível arma de destruição maciça são as opções que Israel assumiu.

O programa selecciona os alvos – supostos operacionais do Hamas e da Jihad Islâmica Palestina – com base num conjunto de parâmetros definidos e gradua a sua importância dentro da hierarquia. É suposto haver sempre uma verificação humana dos dados do programa, mas Israel negligencia esta rede de segurança. Assim, nas primeiras semanas após 7 de Outubro de 2023, o Lavender identificou 37.000 palestinos como alvos potenciais e no período até 24 de Novembro assassinou mais de 15.000 pessoas em Gaza. Considerando que mais de metade das vítimas são mulheres e crianças, é questionável o acerto da escolha.

Outro dos factores que diferencia o uso do Lavender é a opção pelo local do ataque. Outros sistemas são exclusivamente usados contra alvos em edifícios militares, mas Israel privilegia atacar os alvos nas suas casas de família e à noite, quando é mais certo que o alvo lá está, mas também quando o potencial número de vítimas “colaterais”, entre familiares e vizinhos, é mais elevado.

Escondendo-se na frieza das estatísticas, Israel considera aceitável o número de 100 vítimas “colaterais” quando o alvo é suposto ser uma patente elevada do Hamas ou da Jihad Islâmica. Num ataque dirigido contra um comandante do Hamas, em 17 de Outubro, o número de vítimas elevou-se a 300.

Uma vez identificado o alvo e havendo a indicação de que ele está na sua casa de família, com a ajuda de outro programa – Where is daddy? (Onde está o papá?) –, é decidido o ataque. Este devia ser sempre precedido de uma validação humana mas com o elevado número de potenciais alvos gerados pelo sistema e o tempo máximo de decisão fixado em poucos segundos esta validação é virtualmente impossível pelo que os assassinatos acabam por ser determinados exclusivamente pelo algoritmo.

Outro contributo para a letalidade do uso do Lavender é a opção por bombas não dirigidas – bombas “burras” – em vez de bombas de precisão “inteligentes”. Ao serem usadas contra edifícios de apartamentos, o número de vítimas “colaterais” é muito mais elevado.

Equipamento militar “testado no terreno”

Israel tem uma posição destacada no mercado internacional de armamento e dá a garantia aos seus compradores de que o equipamento foi “testado no terreno”, ou seja, contra os palestinos.

Israel vende tanques, aviões de combate, drones e mísseis, mas também sistemas sofisticados como o Pegasus, o software de espionagem desenvolvido pelo NSO Group que permite ao utilizador aceder ao telemóvel da vítima.

Israel considera-se um líder em ciber-segurança e, desde há alguns anos, especializou-se também em ferramentas apoiadas em IA que podem ter uma utilização militar, como o programa de reconhecimento facial Blue Wolf.

A experiência israelita em ciber-segurança chegou a Portugal à NOVA School of Business and Economics que, numa parceria com a empresa israelita CyberGym e a portuguesa INCM – Imprensa Nacional Casa da Moeda, instalou no seu campus de Carcavelos o CyberPod INCM definido como «uma arena de formação cibernética, especialmente preparada para formações em ciber-segurança, que permite criar uma experiência de formação imersiva enquanto reforça o processo de aprendizagem cibernética dos participantes». O fundador e director executivo da CyberGym é Ofir Hason, antigo chefe de segurança cibernética do Shin Bet, o serviço de informação de Israel. Outros fundadores da empresa são oriundos de serviços de informação e militares de Israel.

ONU alerta: cooperação militar com Israel é cumplicidade nos crimes cometidos por Israel

Em Abril passado o MPPM revelou que a Marinha Portuguesa estava a testar o veículo submarino não tripulado BlueWhale desenvolvido conjuntamente pela ELTA Systems, uma subsidiária da Israel Aerospace Industries (IAI), e pela Atlas Elektronik, uma subsidiária da empresa alemã Thyssenkrupp Marine Systems. Ambas as empresas estão envolvidas no fornecimento de equipamentos utilizados na agressão a Gaza. Em resposta a uma pergunta de 17 de Maio do grupo parlamentar do PCP sobre se confirmava esta informação, o ministério da Defesa Nacional disse, em 14 de Junho: «A Marinha encontra-se a desenvolver projectos no âmbito da Capacidade de Vigilância com Meios Não Tripulados Sub-Superfície, mas, nesta fase, ainda não estão seleccionados quaisquer sistemas.»

Em 5 de Abril passado, uma resolução do Conselho dos Direitos Humanos da ONU (CDHNU) determina um embargo de armas a Israel apelando a todos os Estados para «cessarem a venda, a transferência e o desvio de armas, munições e outro equipamento militar para Israel».

Numa declaração emitida em 20 de Junho, os peritos das Nações Unidas divulgaram uma lista dos fabricantes de armas e das instituições financeiras cúmplices do genocídio de Israel em Gaza e advertiram os Estados e as empresas para que ponham imediatamente termo a todo o envolvimento directo e indirecto nas transferências de armas para Israel sob pena de correrem o risco de ser cúmplices de graves violações dos direitos humanos internacionais e do direito humanitário internacional.

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