Flotilha Sumud navega para romper o bloqueio a Gaza
Na segunda-feira, 1 de Setembro, partiu de Barcelona o primeiro grupo de cerca de 20 embarcações que integra a Global Sumud Flotilla cujo destino final é Gaza, onde vai levar ajuda humanitária e um testemunho de solidariedade internacional.
Depois de uma escala técnica em Menorca, o grupo está agora em rota para Tunes onde se vai juntar com o grupo de embarcações organizado pela Maghreb Sumud Flotilla. Outras embarcações se juntarão no Mediterrâneo, esperando-se reunir cerca de 50 embarcações com activistas de mais de 40 países. A expectativa é chegar a Gaza dentro de cerca de uma semana.
A bordo da flotilha seguem políticos, activistas, artistas, figuras públicas e uma variedade de profissionais. Também há portugueses a bordo, idos de Portugal ou de outros países. De Portugal, embarcaram em Barcelona a deputada Mariana Mortágua, o activista Miguel Duarte e a actriz Sofia Aparício.parecer
A protecção de civis
A Global Sumud Flotilla é integrada por civis desarmados que estão empenhados numa missão de ajuda humanitária à população de Gaza. O seu destino é a Faixa de Gaza que Israel ocupa ilegalmente, o que não lhe confere o direito de restringir o acesso à orla costeira do território e de bloquear o embarque e desembarque de pessoas e bens.
Os Estados têm a obrigação, imposta pelo direito internacional humanitário, de proteger os seus cidadãos civis e existe uma clara ameaça à segurança dos participantes na flotilha que o ministro da Segurança de Israel, Ben Gvir, não se coíbe de publicitar.
Não se pode ignorar a forma como Israel tem lidado com anteriores iniciativas para levar ajuda a Gaza por via marítima: assalto às embarcações em águas internacionais, detenção ilegal de tripulantes e passageiros e confisco das embarcações, quando não recorre ao assassinato, como no caso do Mavi Marmara, ao ataque com drones em águas internacionais ou à sabotagem em portos estrangeiros.
Nenhum governo, conhecendo estes factos, pode dar-se por satisfeito por se limitar a garantir apoio consular aos seus nacionais. Exige-se uma tomada de posição firme de que não serão tolerados actos de pirataria contra cidadãos portugueses em águas internacionais ou águas territoriais palestinas.
Francesca Albanese, a relatora especial da ONU para os territórios palestinos ocupados, não tem dúvida de que a missão da flotilha «cumpre integralmente o direito internacional», e esclarece: «Qualquer tentativa de interceptar e impedir a frota de chegar a Gaza pode constituir uma agressão e uma violação dos direitos da tripulação ao abrigo do direito marítimo internacional».
Gaza bloqueada
A Faixa de Gaza é um território palestino de 365 km2, com 2,3 milhões de habitantes, dois terços dos quais refugiados da limpeza étnica de 1948 associada à criação do Estado de Israel. Gaza está sujeita desde 2007 a um bloqueio por terra, mar e ar, por parte de Israel e do Egipto, que se vem agravando de ano para ano e é descrito pela ONU como «a negação de direitos humanos básicos em contravenção com o direito internacional». O bloqueio restringe severamente importações e exportações, assim como o movimento de pessoas tanto no interior da Faixa de Gaza como para fora do território, o acesso a terras agrícolas e o acesso ao mar para a pesca.
Desde Outubro de 2023, Israel intensificou o bloqueio, restringindo o acesso a alimentos, combustível e suprimentos médicos, agravando a crise humanitária como parte de um plano calculado para provocar a destruição física dos palestinos em Gaza.
A Faixa de Gaza é alvo permanente de ataques das forças de ocupação israelitas. Alguns destacaram-se pela sua especial violência: operação «Chumbo Fundido» (2008-2009), operação «Pilar da Defesa» (2012), operação «Margem Protectora» (2014), operação «Guardiã dos Muros» (2021). Todavia, a agressão iniciada em Outubro de 2023, classificada como genocídio pela generalidade das organizações de direitos humanos, ultrapassa tudo em número de vítimas e em destruições materiais.
Há um genocídio em curso
Entre Outubro de 2023 e Agosto de 2025, foram mortos 62.192 e feridos 157.114 palestinos em Gaza. Há 1,9 milhões de deslocados (cerca de 90% da população do território). 90% das casas e 88% das escolas foram destruídas ou danificadas.
Gaza atingiu a Fase 5 (Catástrofe/Fome) da Classificação Integrada da Segurança Alimentar (IPC) segundo revela um estudo agora divulgado. Mais de meio milhão de pessoas em Gaza estão confinadas numa situação de fome, marcada por inanição generalizada, miséria e mortes evitáveis. Até o final de Setembro, mais de 640.000 pessoas enfrentarão níveis catastróficos de insegurança alimentar — classificados como Fase 5 do IPC — em toda a Faixa de Gaza.
Para isto contribui o bloqueio à entrada de ajuda humanitária e a destruição do tecido económico de Gaza: 72 % da frota pesqueira, 83% das culturas, 88% dos equipamentos comerciais e industriais e 70% de todas as infra-estruturas foram destruídos ou danificados.
Gaza precisa desesperadamente de ajuda humanitária, mas também precisa que a guerra termine e que sejam criadas condições para a sua reconstrução e para que o povo palestino possa ser senhor do seu destino. E isto passa por terminar a cumplicidade dos Estados com o governo de Israel.
Anteriores Flotilhas para Gaza
Desde o início do bloqueio a Gaza houve pelo menos 40 tentativas de o furar por via marítima. Destas, apenas seis tiveram sucesso. Entre Agosto e Dezembro de 2018, as embarcações Liberty, Free Gaza e Dignity (por quatro vezes), do Free Gaza Movement (FGM), conseguiram aportar a Gaza. Mas outras duas tentativas foram rechaçadas por Israel: o Dignity, em Dezembro de 2018, e o Spirit of Humanity, no mês seguinte, ambos do FGM, foram obrigados a retirar para o Líbano e para Chipre, respectivamente.
Nas iniciativas seguintes, Israel passou a assaltar as embarcações em águas internacionais, levá-las para portos israelitas e prender os seus tripulantes e passageiros: Tali, do Líbano, em Fevereiro, e Sprit of Humanity, do FGM, em Julho de 2009, e, em Maio de 2010, sete embarcações da Gaza Freedom Flotilla: Mavi Marmara, Sfendoni, Challenger 1, Rachel Corrie, Gazze, Eleftheri Mesogeios e Defne Y. O assalto ao Mavi Marmara causou 10 mortes entre tripulantes e passageiros.
Em Junho de 2011 foi organizada a Freedom Flotilla III. Sete embarcações (Audacity of Hope, Louise Michel, Gernika, Tahrir, Juliano, Eleftheri Mesogeios e Stefano Chiarini) foram bloqueadas nos portos da Grécia por comandos gregos agindo a pedido de Israel. Uma oitava embarcação, a Saoirse, foi sabotada na Turquia. Uma nona embarcação, Dignité al Karama, conseguiu sair para o mar em Julho, mas também foi assaltada por Israel. A mesma sorte tiveram Tahrir e Saoirse que integraram a campanha Freedom Waves em Novembro de 2011.
Em Outubro de 2012, o navio sueco Estelle foi também assaltado por Israel.
Em Junho de 2015 foi formada a Freedom Flotilla III. O Marianne av Göteborg, que tinha estado em Lisboa, foi assaltado por Israel. As três outras embarcações, Rachel, Vittorio e Juliano II, foram forçadas a regressar à Grécia.
Em Setembro de 2016, o Zaytouna Oliva, o Women’s Boat for Gaza, inteiramente tripulado por mulheres, foi também assaltado pelas forças armadas israelitas. Como em todos os outros assaltos, que ocorreram em águas internacionais, a embarcação foi levada para um porto israelita e tripulantes e passageiras feitas prisioneiras.
Entre Maio e Agosto de 2018 foi a campanha Just Future for Palestine que tentou romper o cerco, mas ambas as embarcações, Al Awda e Freedom, foram assaltadas por Israel. Ambas as embarcações foram recebidas em Cascais entre 19 e 22 de Junho
A Freedom Flotilla Coalition (FFC) lançou a campanha For the Children of Gaza com o navio Handala que, em 2023 fez um roteiro de sensibilização pelo Norte da Europa, e em 2024, navegou da Escandinávia ao Mediterrâneo, com uma estadia em Lisboa entre 3 e 7 de Julho.
Em 2025 a FFC fez sair três embarcações: em Maio, o Conscience foi atacado e danificado por drones no Mediterrâneo, ao largo de Malta; o Madleen, em Junho, e o Handala, em Julho, aproximaram-se de Gaza mas foram assaltados pelas tropas israelitas.
A Global Sumud Flotilla
A Global Sumud Flotilla (GSF) é a maior missão marítima civil organizada para quebrar o cerco ilegal de Israel a Gaza. Coordenada por organizadores de base, marinheiros, médicos, artistas e activistas solidários de mais de 40 países, a frota é uma missão humanitária não violenta em resposta ao genocídio e cerco contínuos contra o povo palestino.
A frota reúne participantes e organizadores do Global Movement to Gaza (GMG, anterior Global March to Gaza), da Maghreb Sumud Flotilla (MSF, anterior Sumud Convoy), do Sumud Nusantara e da Freedom Flotilla Coalition (FFC), que dão continuidade a décadas de resistência palestina e de solidariedade internacional para mudar a narrativa global e confrontar a cumplicidade internacional para pôr termo ao bloqueio a Gaza e ao genocídio.
A Comissão Organizadora
A Comissão Organizadora da Global Sumud Flotilla é composta por Greta Thunberg (Suécia), activista sueca pela justiça climática que iniciou o movimento global Fridays for Future aos 15 anos; Kleoniki Alexopoulou (GMG, Grécia), historiadora económica e social especializada no Sul Global; Yasemin Acar (FFC, Turquia-Alemanha), activista pelos direitos humanos, com foco na justiça social, nos direitos dos refugiados e no combate ao racismo antimuçulmano; Thiago Ávila (FFC, Brasil), comunicador e socio-ambientalista, foi um dos coordenadores a bordo da missão Madleen; Melanie Schweizer (GMG, Alemanha), é cientista política, advogada e ex-funcionária pública; Karen Moynihan (GMG, Irlanda), tem trabalhado em funções remuneradas e voluntárias com foco na justiça social e na solidariedade; Maria Elena Delia (GMG e FFC, Itália), é física e tem contribuído para projectos focados no desenvolvimento da terra e na protecção infantil; Saif Abukeshek (GMG, Palestina e Espanha), é um activista palestino radicado em Barcelona que organiza a solidariedade palestina em toda a Europa há mais de 20 anos; Muhammad Nadir Al-Nuri (Cinta Gaza Malaysia), é um líder humanitário malaio fundador da CGM que apoia o desenvolvimento sustentável e a defesa da Palestina; Marouan Ben Guettaia (Jil Tarjih Leadership Academy, Argélia), é um activista político, formador de liderança juvenil e consultor parlamentar; Wael Nawar (Sumud Convoy, Tunísia), é um activista político de esquerda que foi secretário-geral da União Geral dos Estudantes Tunisinos; Hayfa Mansouri (Coordenação da Acção Conjunta pela Palestina, Tunísia), é uma activista da sociedade civil e investigadora social com formação académica multidisciplinar em engenharia, filosofia e sociologia; Torkia Chaibi (Milhões de Mulheres Rurais e os Sem-Terra, Tunísia), é líder do movimento pelos direitos humanos e dos camponeses.
Foto: Global Sumud Flotilla em Barcelona, 31 Agosto 2025 (Esra Hacioğlu – Anadolu Agency)