Dia Internacional de Solidariedade com o Povo da Palestina 2010

O Embaixador Mufeed Shami, Carlos Almeida e Adel Sidarus foram os oradores de uma sessão, presidida por Júlio de Magalhães, realizada na Casa do Alentejo, em Lisboa, em que se evocou a luta e sofrimento do povo palestino e se acentuou a necessidade premente de uma intensificação da solidariedade internacional para com este povo mártir.

Carlos Almeida fez notar que a resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas 32/40, de 2 de Dezembro de 1977, que estabelece a observância do Dia Internacional de Solidariedade com o Povo da Palestina, já afirmava, na sua primeira parte, que "uma paz duradoura no Médio Oriente era indissociável do estabelecimento de uma solução justa para a questão palestina, e que esta só podia alcançar-se na base da realização dos direitos inalienáveis do povo palestino, desde logo o direito à independência e à soberania nacional, assim como o direito ao regresso dos refugiados".

Evocou, de seguida, a Conferência Mundial de Solidariedade com a Nação Árabe e a sua Causa Central - a Questão Palestina, realizada em Lisboa em 1979, "a primeira grande reunião de solidariedade com o povo da palestina num país da Europa Ocidental" e recordou as palavras de Arafat: "Arafat falou de um povo desapossado da sua terra, que não tinha lugar nem para enterrar os seus mortos, mas que com uma incomparável dignidade, resistia à ocupação e teimava na esperança de uma vitória que tinha que chegar um dia. Na despedida, em nome desse povo, Arafat agradeceu aos homens e mulheres, aos montes, às colinas e às árvores deste país, a solidariedade que aquela importante conferência testemunhara, pois ela era, nas suas próprias palavras, «o instrumento para a vitória de todos os povos amantes da liberdade, da justiça e da paz» ".

Traduzindo a violência de Israel contra os palestinos na brutalidade dos números, Carlos Almeida alertou: "Além de um imperativo ético, e de uma necessidade política, a solidariedade com o povo palestino é, nos dias que correm, uma urgência inadiável. Porque, a cada hora que passa, por cada dia que se cumpre, a solução política consagrada na resolução nº 181 da Assembleia Geral das Nações Unidas, com a criação de um Estado da Palestina, livre, viável e soberano, fica mais comprometida e ameaçada".

Denunciou a política expansionista de Israel - "o que está em curso, o que este governo de Israel, acelerando-o, se limita a prosseguir, é uma política meticulosamente planeada, e persistentemente concretizada de ocupação, anexação e exploração do território palestino, e de aniquilação das condições materiais de existência nacional do povo palestino (...) Tal política é acompanhada pela segregação e repressão da população árabe, tanto nos territórios ocupados, como dentro do próprio estado de Israel. Aquele regime que tanto se gaba de ser a «única democracia do Médio Oriente» é, bem ao contrário, um regime de apartheid, com cidadãos de primeira e de segunda" - e a cumplicidade da comunidade internacional - "E, mesmo assim, o governo xenófobo de extrema-direita logrou alcançar a adesão do estado de Israel à OCDE (...) Teria bastado que apenas um dos estados dessa organização tivesse, justamente, chamado a atenção para a violação grosseira e sistemática, por parte de Israel, dos valores da paz, da democracia, da liberdade, dos direitos humanos mais elementares para que tal se não concretizasse".

Concluiu Carlos Almeida: "Nestas condições a solidariedade é, mais do que nunca, necessária, Uma solidariedade que congregue e aglutine esforços e vontades e que dinamize iniciativas. Uma solidariedade internacional que reafirme o primado do direito e da legalidade internacional. Uma solidariedade comprometida, sem preconceitos, sem falsas neutralidades. Uma solidariedade que, respeitando a independência do processo político palestino, apele sem cessar à unidade das forças da resistência nacional palestina em torno das suas reivindicações centrais: o fim da ocupação, a retirada de Israel dos territórios ocupados, a constituição de um Estado Palestino livre, soberano viável, com Jerusalém Leste como capital, e uma solução justa para a situação dos refugiados palestinos, que observe as resoluções pertinentes da ONU".

Falou, a seguir, Adel Sidarus que abordou o tema dos Cristãos na Palestina. Uma citação de D. Michel Sabbah, patriarca latino emérito de Jerusalém - "O conflito israelo-palestino não é judeo-muçulmano. É o de um povo muçulmano e cristão dramaticamente oprimido por um povo de colonos europeus com uma ideologia religiosa racista" - deu o mote para a sua intervenção.

Recordando que eram cristãos os fundadores das formações mais radicais do movimento nacional palestino, afirmou: "Isto demonstra bem que, na origem, o conflito israelo-palestino não é religioso (judeo-muçulmano), mas sim nacionalista, opondo colonos europeus com uma ideologia sionista racista aos habitantes de um dado território, na ocorrência um povo pluri-religioso (lembro que havia judeus palestinos árabes ou arabófonos, que foram ganhos à causa sionista e integrados mais tarde no Estado de Israel...). Os cristãos estiveram sempre no âmago desse conflito nacionalista, laico na sua globalidade, contribuindo grandemente para a definição da luta respectiva".

Evocou alguns nomes de cristãos que mais radicalmente criticam Israel, para inferir: "Esse comprometimento resoluto dos cristãos árabes, quer em território israelita, quer em território hoje palestino, incomoda muito os racistas israelitas. Eles procuram todos os meios para encorajá-los - para não dizer, forçá-los - a irem embora: uma verdadeira limpeza étnico-religiosa que lhes permitiria, de seguida, imputar esse êxodo às intimidações e violências perpetradas pelos muçulmanos, e reduzir a questão israelo-palestina a um confronto religioso de muçulmanos contra judeo-cristãos...".

Depois de referir o êxodo em massa a que se viu forçada a população cristã da Palestina, pela violência do ocupante israelita, Adel Sidarus terminou com a denúncia da judaização de Jerusalém: "Essa judaização sistemática de Jerusalém e seus arredores, que inclui o muro da vergonha vilipendiado mas mantendo-se impune (!) - foi denunciada pormenorizadamente em dois relatórios colectivos dos embaixadores dos países da "cristianíssima" União Europeia, sem que isso tenha merecido a atenção da Comissão, do Conselho ou do Parlamento. Ironia da sorte, quando a dita Terra Santa foi ocupada por turcos muçulmanos, nos alvores do milénio transacto, a Europa reagira em uníssono com as famosas cruzadas, cuja ferida sobrevive até hoje no coração dos povos do Médio Oriente, muçulmanos em particular, mas também cristãos bizantinos ou ortodoxos..."

A última intervenção da sessão coube ao novo representante diplomático da Palestina em Portugal, Embaixador Mufeed Shami.

Começou por saudar os presentes em seu nome pessoal e em nome do Presidente Mahmoud Abbas e do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Palestina, Ryad Al-Malki e prosseguiu recordando que 29 de Novembro foi o dia em que, em 1947, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Resolução 181 "que previa a partilha da Palestina entre judeus e palestinianos, de modo a que 55% da terra ficasse para os palestinianos e o restante para os judeus". Mas as intenções das Nações Unidas nunca se concretizaram: "A decisão 181 das Nações Unidas era, supostamente, uma certidão de nascimento do estado de Israel. Mas, devido à ganância de Israel e aos seus objectivos expansionistas, foi utilizada como uma forma de apagar a identidade palestiniana e de desenraizar o povo palestiniano da sua terra expulsando-o para o exílio, contrariando assim a legitimidade internacional e os direitos humanos".

O Embaixador evocou a luta heróica de resistência do povo palestino - "Em virtude desta resistência, a causa palestiniana transformou-se numa das causas mundiais de liberdade. A sua existência física e simbólica e a sua personalidade patriótica independente consubstanciaram-se na Organização de Libertação da Palestina, único representante legítimo do povo palestiniano. A base do estabelecimento dum estado com as suas instituições próprias é realizada pela Autoridade Nacional nos territórios da Cisjordânia e Gaza" - e alertou: "O dia de hoje é celebrado numa altura em que o povo palestiniano atravessa uma das fases mais difíceis e perigosas, já que a ocupação pratica mais crimes e ocupa mais terras da Palestina. A ocupação continua a praticar o assassínio, a invasão, o aprisionamento, a confiscação de terras e a privação dos direitos mais básicos a mais de um milhão e meio de pessoas na Faixa de Gaza. (...) A ocupação continua a recusar o reconhecimento dos direitos do povo palestiniano e de tudo o que foi aprovado pelas resoluções e convenções internacionais. (...) Israel tenta ainda desesperadamente dominar Jerusalém, judaizá-la e ocupá-la por inteiro".

Mufeed Shami considera que "o Dia Internacional de Solidariedade com a Palestina resultou do reconhecimento pelas Nações Unidas da injustiça histórica contra o povo palestiniano. Foi como um pedido feito à comunidade internacional para se esforçar mais para corrigir esse erro e eliminar os efeitos desta injustiça", prosseguindo: "O apelo à solidariedade para com o povo palestiniano significa o reconhecimento da existência desse povo, significa que este povo tem uma causa justa e tem o direito de lutar por essa causa. Por isso, cabe à comunidade internacional dar-lhe todo o apoio de que necessita".

A terminar, o Embaixador Mufeed Shami deu uma notícia importante: "aproveito esta ocasião para anunciar que no próximo dia 10 irei entregar a Carta Credencial ao Senhor Presidente da República de Portugal e que a Representação da Palestina subirá ao nível de Missão Diplomática chefiada por um embaixador. Espero que seja o início de uma nova relação mais próxima com Portugal. Por isso agradeço ao governo português e a todas as pessoas que contribuíram para esta aproximação entre os dois países, esperando que tanto o povo como o governo português desempenhem um papel maior na realização do sonho palestiniano".

 

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