Enorme manifestação em Lisboa pela Palestina e pela Paz no Médio Oriente
A Jornada Nacional de Solidariedade com a Palestina e pela Paz no Médio Oriente culminou hoje, sábado 12 de Outubro, em Lisboa, com uma enorme manifestação que levou muitos milhares de pessoas a desfilar entre o Martim Moniz e o Município, gritando palavras de ordem de apelo à paz, de solidariedade com os povos da Palestina, do Líbano e dos outros países vítimas da agressão israelita, e de condenação do Estado genocida de Israel e dos seus aliados e cúmplices.
Animaram o desfile bombos, cabeçudos e até um grupo de dança Dabke. Na Praça do Município, completamente cheia, com apresentação de André Levi, foram muito aplaudidas as intervenções de Tiago Oliveira, CGTP-IN, Inês Reis, Projecto Ruído, Nour Tibi, palestina, Alan Stolerov, judeu, Ilda Figueiredo, CPPC, e Carlos Almeida, MPPM.
Texto da intervenção de Carlos Almeida
Estes são os 372 dias que não esqueceremos nunca mais. No tempo que durarem as nossas vidas, nunca nos cansaremos de perguntar, onde estiveste? o que fizeste? o que disseste em cada uma das manhãs em que nos deitámos com o choro de Gaza e despertámos com a dor impossível das suas mães e filhos? A resposta a estas perguntas determinará, de ora em diante, o modo como vemos o mundo, como nos reconhecemos enquanto humanidade.
372 dias, sabemos, em que “Nunca mais” deixou de fazer sentido. Aconteceu de novo. Está a acontecer, a cada minuto que passa. Só que, desta vez, ninguém pode alegar desconhecimento. O quotidiano de crimes, massacres e humilhações não é mais, como no passado, captado nos ecos gravados nas lentes dos repórteres de guerra que chegam de fora, ou pelo testemunho dos sobreviventes relatado no pretérito. Agora, observamos em tempo real, as vítimas transmitindo os massacres, os algozes alarvemente exibindo a sua própria crueldade. Genocídio é uma palavra do presente.
Como no passado, acontece porque um estado, agora Israel, está determinado em perpetrar o crime, disso nunca fez segredo e, hoje ainda, apregoa-o aos quatro ventos, impante na mais desbragada impunidade. Acontece também porque há um regime, o sionismo, que, no seu código genético, tem inscrito o propósito da limpeza étnica da Palestina e com esse objectivo formou gerações e gerações na cultura da desumanização do outro e na mesma lógica supremacista e racista que enformou os impérios coloniais europeus. Aconteceu e acontece porque as potências ocidentais, essas que gostam de apresentar-se como arautos dos direitos humanos, participam activamente no crime, lucram com ele, na verdade, alimentam-no e promovem-no. Aconteceu e acontece finalmente porque tantos escolhem não olhar nem saber, porque muitos outros, pusilânimes, se escondem em palavras vazias, declarações formais que nada dizem, ou pior, inventam equilibrismos impossíveis entre a absolvição do criminoso e a comiseração pela vítima. E aí a temos, de novo instalada, a banalidade do mal. Em Gaza como em nenhuma parte do mundo, em algum momento na história, morrem jornalistas, médicos, professores, funcionários das Nações Unidas. Em Gaza, acumula-se o maior número de crianças amputadas na história moderna, disse-o há dias, uma alta funcionária da ONU. Em Gaza, foi criada uma nova categoria de pessoas: “crianças feridas sem familiares sobreviventes”. Em Gaza, cada dia acrescenta uma página mais ao catálogo de horrores que é a máquina de guerra de Israel.
Mas nós sempre soubemos que nunca foi só sobre Gaza, que o objectivo é maior, visa mais longe. Sob o estrondo ensurdecedor dos bombardeamentos em Gaza, a brutalização do povo palestino em Jerusalém Oriental e na Margem Ocidental ocupada em 1967 expande-se, e com ela a colonização. Ao norte, Israel multiplica os bombardeamentos sobre o Líbano, ameaçando arrasar Beirute como já o fez em Gaza, a abrir caminho para a invasão do país que só não se concretizou ainda, em larga escala, porque tem pela frente a coragem e a determinação dos contingentes das Nações Unidas ali estacionados e a força da resistência libanesa. Israel bombardeia a Síria – e isso já nem é notícia – e o Yemen. Multiplica as provocações sobre o Irão no intuito de afundar todo o Médio Oriente numa guerra total. Que ninguém se iluda! No Líbano, como na Palestina, o propósito é só um: invadir e ocupar, alargar a colonização, perseguir o sonho alucinado do “Grande Israel”, como há poucos dias voltou a afirmar o ministro das finanças de Israel, no meio da mais absoluta indiferença. É esse o “novo Médio Oriente” de que fala o criminoso de guerra Benjamin Netanyahu.
Dizem alguns que tudo assim acontece a contragosto dos EUA. Mas há demasiadas evidências a desmentir essa tese. Em todos e em cada passo dado por Israel nesta escalada, a resposta dos EUA foi sempre a mesma: mais armas, mais dinheiro, mais apoio político, mais cobertura diplomática. A superioridade militar e técnica de que se gaba Israel tem na verdade uma patente: os Estados Unidos da América, e, vá, algumas outras sucursais, em Berlim ou Roma, entre elas. Agora mesmo, ei-los que se coordenam, congeminando um novo ataque contra o Irão, o próximo passo no caminho do abismo.
Há um problema nesta história, o mesmo desde há cem anos, que nem Ben Gurion, nem nenhum outro dirigente de Israel resolveu ou conseguirá alguma vez ultrapassar. Por todo o sangue, por toda a dor e sofrimento que espalharem, por cima de toda a barbárie que conseguirem semear há algo que não mudarão: o povo palestino não irá a parte nenhuma, o povo palestino continuará na sua terra, resistirá sempre. Como escreveu Tawfiq Zaiad, “aqui ficaremos”. E daqui dizemos nós, aqui estaremos sempre, resistindo com ele, com o povo palestino, com o povo libanês, com todos os povos que enfrentam a chantagem e a fúria assassina de Israel.
Porque a causa do povo palestino não é apenas das mulheres e dos homens palestinos. A causa do povo palestino é a causa de todas as pessoas que amam a liberdade, que defendem a paz, que não toleram a injustiça, que acreditam que todas as pessoas são iguais em direitos e devem ser respeitadas na sua individualidade, e que todos os povos têm direito a ver reconhecidos os seus direitos nacionais conforme o direito internacional. É esta força imensa que aqui nos reúne, que nos últimos dias percorreu as ruas e praças de Coimbra, Portalegre, Setúbal, Covilhã, Alpiarça, Viseu, Porto, Évora, Guarda, Leiria, Beja, Viana do Castelo, Espinho, Braga, Faro, Sines, Funchal, Vila Real, hoje em Lisboa, Castelo Branco na sexta-feira próxima, a mesma força que tem ocupado cidades em todos os cantos do mundo, esta força determinada, que mesmo com os olhos cansados de tanto sangue, leva no peito gravadas as palavras que Refaat Alareer deixou escritas – e por isso não esquece os nomes dos homens e mulheres palestinos e faz de cada bandeira o papagaio branco que semeia a esperança e abre as portas do futuro – é esta força que travará o passo à barbárie, que será capaz de impor o julgamento dos criminosos, que abrirá caminho para que a Palestina, todo o Médio Oriente, seja enfim uma terra de paz e de liberdade, livre de apartheid, de check-points e colonatos, onde todas as pessoas sejam iguais em direitos, o jardim que Darwich cantou, uma terra livre para o amor.
Pela Paz no Médio Oriente!
Liberdade para a Palestina