Gaza: Peritos da ONU condenam bombardeamentos a hospitais e escolas como crimes contra a humanidade e pedem a prevenção do genocídio

Em comunicado ontem divulgado pelo Gabinete do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR), peritos da ONU(*) expressaram indignação pelo ataque mortífero ao Hospital Al Ahli Arab, na cidade de Gaza, que matou mais de 470 civis na terça-feira (dia 17) e deixou centenas debaixo dos escombros. O ataque seguiu-se a dois avisos emitidos por Israel de que estava iminente um ataque ao hospital, caso as pessoas que lá estivessem não fossem evacuadas.

«O ataque contra o Hospital Al Ahli Arab é uma atrocidade. Estamos igualmente indignados com o ataque mortífero, no mesmo dia, contra uma escola da UNRWA localizada no campo de refugiados de Al Maghazi, que dava abrigo a cerca de 4000 pessoas deslocadas, bem como dois campos de refugiados densamente povoados», disseram os peritos.

Os peritos exprimiram sérias preocupações humanitárias e jurídicas em relação à intensificação do cerco que Israel mantém, desde há 16 anos, ao enclave e sua população, que se junta à ocupação de longa data, e que está a privar 2,2 milhões de pessoas de alimentos, combustível, água, electricidade e medicamentos essenciais. Estima-se que 50 000 mulheres grávidas em Gaza necessitem desesperadamente de cuidados pré-natais e pós-natais. O número de deslocados internos em toda a Faixa de Gaza é estimado em cerca de um milhão.

Recordaram que o Conselho de Segurança das Nações Unidas condenou repetidamente a sujeição de civis à fome como método de guerra, o que é proibido pelo Direito Humanitário e Penal Internacional. A ilegal privação de acesso humanitário e privar civis de objectos indispensáveis à sua sobrevivência constituem também uma violação do Direito Internacional Humanitário, alertaram os peritos.

Os peritos da ONU apelaram à protecção de todos os trabalhadores humanitários, depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) ter documentado mais de 136 ataques a serviços de saúde nos Territórios Palestinos Ocupados, incluindo 59 ataques à Faixa de Gaza, que resultaram na morte de pelo menos 16 profissionais de saúde desde o início das hostilidades em 7 de Outubro. O bombardeamento israelita de Gaza também matou 15 funcionários da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (UNRWA) e quatro paramédicos do Crescente Vermelho Palestino numa ambulância. Um motorista de ambulância da Magen David Adom em Israel perdeu a vida enquanto se dirigia para prestar cuidados a pessoas feridas.

«O cerco completo de Gaza, juntamente com ordens de evacuação inviáveis e transferências forçadas de população, são uma violação do Direito Humanitário e Penal Internacional. Também é duma crueldade indescritível», afirmaram os peritos.

Recordaram que a destruição intencional e sistemática de casas e infra-estruturas civis, conhecida como 'domicídio', e o corte de água potável, medicamentos e alimentos essenciais, são claramente proibidos pelo Direito Penal Internacional.

«Estamos a soar o alarme: Há uma campanha em curso por parte de Israel que resulta em crimes contra a Humanidade em Gaza. Considerando as declarações feitas por dirigentes políticos israelitas e seus aliados, acompanhadas da acção militar em Gaza e da escalada de prisões e assassinatos na Cisjordânia, há também o risco de genocídio contra o povo palestino», disseram os peritos.

«Não há justificação ou excepções para tais crimes. Estamos chocados com a inacção da comunidade internacional em face da promoção beligerante da guerra», disseram os peritos.

«A população de Gaza, metade da qual é composta por crianças, já sofreu muitas décadas de ocupação brutal ilegal e vive há 16 anos sob o bloqueio», disseram os peritos.

«É hora de um cessar-fogo imediato e da garantia do acesso urgente e sem entraves a abastecimentos humanitários essenciais, incluindo alimentos, água, abrigo, remédios, combustível e electricidade. A segurança física da população civil tem de ser garantida», disseram os peritos.

«A ocupação tem de acabar e tem de haver reparação, restituição e reconstrução, que assegure uma justiça plena para os palestinos», afirmaram.

(*) Os peritos:
Pedro Arrojo Agudo, Relator Especial para os direitos humanos à água potável e ao saneamento;
Francesca Albanese, Relatora Especial para a situação dos direitos humanos nos territórios palestinianos ocupados desde 1967;
Reem Alsalem, relatora especial para a violência contra mulheres e raparigas;
Paula Gaviria Betancur, relatora especial para os direitos humanos das pessoas deslocadas internamente;
Michael Fakhri, Relator Especial sobre o direito à alimentação;
Tlaleng Mofokeng, Relatora Especial sobre o direito de todos a disfrutar do mais alto nível possível de saúde física e mental;
Balakrishnan Rajagopal, Relatora Especial sobre o direito à habitação adequada;
Farida Shaheed, Relatora Especial sobre o direito à educação.


Os Relatores Especiais integram-se no que é conhecido como Procedimentos Especiais do Conselho dos Direitos Humanos.
Os Procedimentos Especiais constituem o maior órgão de peritos independentes no sistema de Direitos Humanos das Nações Unidas.
É o nome genérico para os mecanismos independentes do Conselho de averiguação e acompanhamento de factos que abordam situações específicas de países ou questões temáticas em todas as partes do mundo.
Os peritos em procedimentos especiais trabalham numa base voluntária. Não são funcionários da ONU e não recebem um salário pelo seu trabalho. São independentes de qualquer governo ou organização e prestam serviço a título individual.


Na imagem: O bombardeamento do hospital Al-Ahli causou centenas de vítimas palestinas (Foto: Palestine Chronicle)

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