Há 70 anos, em Al-Bureij, Ariel Sharon iniciou a sua carreira de «terrorista de Estado»

Em 28 de Agosto de 1953 – há 70 anos – um jovem oficial israelita de apenas 25 anos, Ariel Sharon de seu nome, comandou o assalto da sua recém-formada Unidade 101 ao campo de refugiados de Al-Bureij, na Faixa de Gaza, dando início a uma longa série de massacres de que nunca se arrependeu.

Para muitos israelitas, Sharon era o «Bulldozer», um militar rebelde que salvou o seu país da derrota nas suas guerras com os árabes. George Bush, o presidente dos EUA, chamou-lhe «homem de paz». Mas para os palestinos, recordados de Sabra e Shatila, no Líbano, ele era o «Carniceiro de Beirute».

Ariel Sharon foi primeiro-ministro de Israel de 2001 a 2006. De acordo com o grupo israelita de defesa dos direitos humanos B'tselem, citado pela Al Jazeera, durante o seu mandato foram mortos mais de 3360 palestinos dos quais 690 – ou seja, um em cada cinco – eram crianças. Cerca de 30 000 palestinos foram feridos por munições reais, balas metálicas revestidas de borracha, gás lacrimogéneo e outras medidas militares israelitas, dos quais pelo menos 6000 ficaram permanentemente incapacitados, segundo o Crescente Vermelho Palestino.

Sharon morreu em 2014 sem nunca ter sido julgado pelos seus crimes.

Al-Bureij, a iniciação

Al-Bureij era um dos campos instalados na Faixa de Gaza pela UNRWA, a agência da ONU para os refugiados palestinos, para acolher os 200 000 refugiados vindos do território ocupado pelo Estado de Israel em 1948.

A Unidade 101, apelidada de «Os Vingadores», foi um esquadrão de elite criado para atacar os chamados «infiltrados» árabes, os refugiados e os agricultores que tentavam entrar no Estado de Israel para recuperar as suas casas e as suas terras.

Na noite de 28 para 29 de Agosto de 1953, a Unidade 101, comandada por Ariel Sharon, atacou o campo de refugiados de Al-Bureij. Quer o assalto tenha sido planeado ou tenha sido uma situação que se descontrolou, o facto é que quase meia centena de palestinos foram mortos com brutal desumanidade.

O Major-General Vagn Bennike, Chefe do Estado-Maior da ONU para a Supervisão da Trégua, fez o seguinte relato ao Conselho de Segurança: «Foram lançadas bombas através das janelas das cabanas onde dormiam os refugiados e, enquanto fugiam, foram atacados por armas ligeiras e automáticas. As baixas foram de vinte mortos, vinte e sete feridos graves e trinta e cinco feridos menos graves. A Comissão Mista de Armistício, numa reunião de emergência, adoptou por maioria de votos uma resolução segundo a qual o ataque foi feito por um grupo de israelitas armados. Uma explicação provável é que se tratou de um implacável ataque de represália.»

Estimativas posteriores apontam para 43 mortos palestinos, incluindo sete mulheres.

Para Noam Chomsky, Al-Bureij foi um dos primeiros ataques que lançou «a carreira terrorista de Sharon» juntamente com o brutal massacre de Qibya, dois meses mais tarde.

Qibya, a confirmação

Algumas semanas mais tarde, a unidade de Sharon participou no ataque e na expulsão de beduínos da tribo Azazme no deserto ocidental do Naqab /Negev, matando um número desconhecido de pessoas e expulsando 6000 a 7000 para território egípcio, segundo a ONU.

Na noite de 14 para 15 de Outubro de 1953, a infame Unidade 101 atacou a aldeia de Qibya, na Cisjordânia então sob administração jordana.

O Major-General Vagn Bennike disse ao Conselho de Segurança da ONU que houve «atravessamento da linha de demarcação [do armistício] por uma força de cerca de metade de um batalhão do exército regular de Israel, totalmente equipada, para a aldeia de Qibya na noite de 14 para 15 de Outubro de 1953, para atacar os habitantes com armas automáticas e granadas e utilizando torpedos bangalore com explosivos TNT, com os quais foram completamente destruídos quarenta e uma casas de habitação e um edifício escolar, resultando no assassínio a sangue frio de quarenta e duas pessoas, incluindo homens, mulheres [e] crianças, e no ferimento de quinze pessoas e na danificação de um carro da polícia».

Uma avaliação posterior aponta para 67 mortos palestinos, na maioria mulheres e crianças, e 56 casas, uma escola e uma mesquita destruídas.

«O Carniceiro de Beirute»

Em 1982, Sharon conduziu a invasão do Líbano com o objectivo de eliminar a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Durante a campanha foram mortos cerca de 18 000 libaneses e palestinos, na sua maioria não combatentes, e morreram 675 soldados israelitas.

O assassínio de cerca de 2000 refugiados palestinos nos campos de Sabra e Shatila por milícias da Falange, numa zona controlada pelas forças israelitas, provocou um clamor internacional e embaraçou Israel.

Sharon acabou por ser forçado a demitir-se do cargo de Ministro da Defesa, mas regressou em força, em 2001 como primeiro-ministro.

Al Bureij, hoje

O campo de refugiados de Al Bureij ainda existe e acolhe já a terceira geração de refugiados. É um campo relativamente pequeno, situado no centro da Faixa de Gaza. Foi construído na década de 1950 para alojar refugiados que, até então, viviam em barracas e tendas do exército britânico. Os refugiados que se instalaram em Al Bureij provinham, na sua maioria, de cidades palestinas a leste de Gaza, como Falouja. Neste campo estão actualmente registados na UNRWA 46 629 refugiados.

O desumano bloqueio a Gaza, imposto por Israel e pelo Egipto em 2007, tornou a vida mais difícil para a maioria dos residentes do campo. Os níveis de desemprego aumentaram drasticamente e cada vez menos famílias podem prover à sua subsistência, deixando uma percentagem impressionante da população dependente do programa de assistência alimentar da UNRWA.

O campo está situado perto de Wadi Gaza, uma lagoa de esgotos a céu aberto de onde saem os esgotos brutos directamente para o mar, o que provoca graves riscos para a saúde ambiental, incluindo diarreia nas crianças refugiadas. No campo, 90 por cento da água é imprópria para consumo humano.

A UNRWA tem, no campo, nove edifícios escolares, com um total de 12 escolas, das quais seis funcionam em regime de turno único e seis em regime de turno duplo; um centro de distribuição de alimentos, partilhado com o campo de refugiados de Nuseirat; um centro de saúde; um gabinete de assistência e serviços sociais e um gabinete de manutenção e saneamento.

Ler também

Ariel Sharon, a unidade 101 e o massacre de Al-Bureij


Fontes: MPPM, Al Jazeera, CJPME, UNRWA


Imagem: Qibya após o assalto da Unidade 101, em 1953

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