Carlos Almeida do MPPM em podcast do Expresso sobre Jenin

Carlos Almeida, historiador e vice-presidente do MPPM, participou num podcast do Expresso da série «O Mundo a Seus Pés» dedicado à análise da mais recente agressão israelita contra Jenin e o seu campo de refugiados.

Conduzido pela jornalista Ana França, o programa contou também com a participação de Joana Ricarte, investigadora do Instituto Jurídico da Faculdade de Direito de Universidade de Coimbra e professora na Universidade da Beira Interior.

A relevância do tema está expressa no título do podcast — «Dois dias de violência como não se via há 20 anos» — que adopta como subtítulo uma frase de Joana Ricarte: «Jenin é uma representação física da Nakba, a grande tragédia palestina».

Ninguém consegue prever quando será resolvida a questão palestina e qual a solução, mas Carlos Almeida acredita que, mais cedo ou mais tarde, tal como na África do Sul ou em Timor, os palestinos terão a sua pátria porque «a luta dos povos encontra sempre um caminho». A previsão de Ben Gurion de que os velhos morreriam e os novos esqueceriam é desmentida pela resistência de sucessivas gerações de jovens palestinos.

Carlos Almeida recorda que, na génese do projecto sionista está a limpeza étnica dos palestinos, mas Joana Ricarte não acredita que Israel consiga expulsar os palestinos, não obstante a expansão do seu projecto colonial de povoamento e ainda que venha a ocupar toda a Palestina.

E será possível a coexistência de judeus a palestinos num só Estado? Carlos Almeida recorda que a coexistência existia na Palestina antes da chegada dos sionistas e refere uma previsão do historiador israelita Shlomo Sand em recente visita a Lisboa: a sociedade israelita vai perceber que o Estado do apartheid tem de acabar, mas para isso é preciso haver uma catástrofe.

Joana Ricarte recorda a máxima sionista de querer «uma terra sem povo para um povo sem terra» para contrapor que na Palestina havia um povo, que tinha uma identidade nacional bem marcada, com língua, costume e tradições, contrariamente ao projecto sionista que, para construir um Estado-nação a partir de gentes de muitos países, falando línguas diversas, teve de criar uma identidade assente na reinvenção de uma língua morta, o hebraico, e na apropriação de costumes e tradições locais.

Então para onde iriam os judeus fugidos aos massacres? Para Carlos Almeida, a responsabilidade de instalar os judeus deveria caber aos responsáveis pelos massacres, que não foram os palestinos. E frisou que o destino preferencial da emigração judaica eram os Estados Unidos e ela só é redireccionada para a Palestina quando os Estados Unidos lhe fecham a porta.

Carlos Almeida contesta que se classifique como «terroristas» ou «extremistas» os resistentes palestinos enquanto os soldados israelitas responsáveis pelo assassinato de palestinos são absolvidos. Numa relação de forças assimétrica, como é a israelo-palestina, os palestinos têm o direito de resistir por todos os meios ao seu alcance.

Para Joana Ricarte, a assimetria na relação de forças não permite alimentar uma narrativa de insegurança física para os israelitas. Por isso, a narrativa oficial alimenta o medo da insegurança ontológica, do desaparecimento da «nação» israelita.

O direito ao retorno ou a uma justa compensação para os refugiados é central na questão palestina. Joana Ricarte lembra que em campos de refugiados como o de Jenin vivem várias gerações palestinos que persistem em ficar porque sabem que, se saírem do campo, perdem o seu estatuto de refugiado e o direito a uma futura compensação.

Também Carlos Almeida considera que a questão dos refugiados é uma das três «linhas vermelhas» que nenhuma liderança palestina poderá infringir, sendo as outras o fim da ocupação e o estatuto de Jerusalém.

Os incidentes com dirigentes históricos da Autoridade Palestina nos funerais das vítimas de Jenin são sinal de divisão entre os palestinos? Para Carlos Almeida, acima de eventuais divergências entre as elites, há um sentimento de unidade do povo palestino. Nos funerais de que foram expulsos dirigentes da AP, viram-se bandeiras da Fatah, da FPLP, do Hamas, da Jihad Islâmica.

Carlos Almeida considera que a situação actual não se deve a uma possível falta de liderança palestina ou ao facto de em Israel estar um governo de extrema-extrema-direita. A situação tem sido criada por sucessivos governos israelitas de variados partidos. Quando Israel atacou Jenin em 2002, não estava lá a extrema-direita no poder.

Para ler:

Joana Ricarte recomenda, da escritora palestino-americana Susan Abulhawa, «Mornings in Jenin» (As Madrugadas em Jenin).

Carlos Almeida recomenda, do escritor libanês Elias Khoury, «Gate of the Sun» (A Porta do Sol).

Para ouvir: «Dois dias de violência como não se via há 20 anos»
 

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