Nações Unidas debatem apartheid de Israel contra os Palestinos

Um evento virtual de alto nível sobre «Apartheid, Direito Internacional e o Território Palestino Ocupado» teve lugar na passada quinta-feira, 16 de Junho, promovido pelo Comité da ONU para o Exercício dos Direitos Inalienáveis do Povo Palestino de 2022.

O evento virtual foi dirigido por Cheikh Niang, Presidente do Comité e Representante Permanente do Senegal junto da ONU, e teve como membros do painel Zeid Ra'ad Al-Hussein, Presidente e Director Executivo do Instituto Internacional da Paz, antigo Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos e membro dos The Elders e Agnès Callamard, Secretária-Geral da Amnistia Internacional.

Os membros do painel discutiram o histórico relatório de 2022 da Amnistia Internacional intitulado «O Apartheid de Israel contra os Palestinos: Sistema Cruel de Dominação e Crime Contra a Humanidade», no qual a organização partilhou as suas descobertas e conclusões relativamente às políticas e práticas israelitas. Também discutiram as reacções que o relatório gerou, bem como o caminho a seguir.

Foram convidados para o evento os membros do Comité e observadores, representantes de todos os Estados Membros, de organizações intergovernamentais e da sociedade civil, bem como o público e os meios de comunicação social.

Relatório do Presidente

O evento «Apartheid, International Law and the Occupied Palestinian Territory» [Apartheid, Direito Internacional e o Território Palestino Ocupado] realizou-se a 16 de Junho de 2022, sob os auspícios do Comité para o Exercício dos Direitos Inalienáveis do Povo Palestino (CEDIPP). O evento foi moderado por Sua Excelência o Sr. Cheikh Niang, Presidente do Comité e Representante Permanente do Senegal junto das Nações Unidas. Consistiu numa sessão de abertura com observações do Presidente e de Sua Excelência o Sr. Riyad Mansour, Observador Permanente do Estado da Palestina junto das Nações Unidas. O painel era composto pelo Sr. Zeid Ra'ad Al-Hussein, Presidente e Director Executivo do Instituto Internacional da Paz, antigo Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, e membro de The Elders, e pela Sra. Agnès Callamard, Secretária-Geral da Amnistia Internacional (AI).

Os Estados-Membros participaram no evento, com duração de uma hora e meia, na plataforma WebEx. O evento foi transmitido em directo na WebTV da ONU, bem como nos canais de comunicação social do Comité. O público teve a oportunidade de fazer comentários e colocar questões aos membros do painel.

Na abertura, o Embaixador Niang esclareceu o mandato do Comité para a sensibilização internacional sobre a questão da Palestina e os desafios enfrentados diariamente pelo povo palestino. Este evento centrou-se no histórico relatório de 2022 da Amnistia Internacional intitulado «Israel’s Apartheid Against Palestinians: Cruel System of Domination and Crime Against Humanity» [O Apartheid de Israel contra os Palestinos: Cruel Sistema de Dominação e Crime Contra a Humanidade}, no qual a organização partilhou as suas conclusões e descobertas sobre as políticas e práticas israelitas, as reacções que o relatório gerou, bem como o caminho a seguir.

O Embaixador Niang apresentou os membros do painel e declarou que durante vários anos a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança e o Secretário-Geral, bem como o Comité, tinham reafirmado que o fim da contínua ocupação israelita e da discriminação contra os palestinos era essencial para pôr fim ao conflito, sublinhando a necessidade de responsabilização pelas violações por parte de Israel, a potência ocupante, como essencial para a realização destes objectivos. Várias organizações internacionais, palestinas e israelitas concluíram que essas práticas israelitas nos Territórios Palestinos Ocupados (TPO), incluindo Jerusalém Oriental, correspondiam à definição do crime de apartheid, enquanto a Comissão de Inquérito das Nações Unidas «sobre os Territórios Palestinos Ocupados, incluindo Jerusalém Oriental, e Israel» tinha chegado recentemente a uma conclusão semelhante.

Na sua intervenção introdutória, o Embaixador Mansour afirmou que, sob todas as considerações e definições, Israel estava a cometer o crime de apartheid. Eminentes organizações de direitos humanos e Relatores da ONU tinham também chegado a uma conclusão semelhante ou a ela claramente aludiram. Reconhecer esta realidade e responsabilizar Israel pelas suas práticas era essencial para abordar a situação de ambos os lados da Linha Verde.

Após um vídeo introdutório sobre o relatório da Amnistia Internacional, o Sr. Zeid Ra'ad Al-Hussein iniciou a discussão recordando que este relatório seguia outros por organizações de relevo e que Israel os tinha criticado profundamente por alegadamente carecerem de equilíbrio e por se basearem em «considerações anti-semitas». Acrescentou que era importante ler o relatório na sua totalidade antes de julgar o seu conteúdo e conclusões. O Sr. Al-Hussein perguntou então porque é que a AI se tinha concentrado não só nos TPO mas também na situação dos palestinos dentro de Israel.

A Sra. Agnès Callamard declarou que a resposta assentava na definição do crime de apartheid como sendo um «crime contra a humanidade cometido através de actos desumanos e perpetuado no contexto de um regime institucionalizado de opressão e dominação sistemática por um grupo racial sobre outro, com a intenção de manter esse sistema». A segmentação de territórios e o estabelecimento de diferentes sistemas legais por Israel eram parte de um sistema de apartheid de ambos os lados da Linha Verde e administrado em benefício dos israelitas judeus, em detrimento dos palestinos. Israel implementou acções e políticas dentro do seu próprio território para manter este sistema de discriminação institucionalizada, como a adopção em 2018 da «Lei Básica: Israel como o Estado-Nação do Povo Judaico», que criou distinções entre pessoas baseadas na etnicidade e religião.

A Srª Callamard declarou ainda que as políticas de atribuição de terras e as leis de reunificação familiar que negam o direito dos palestinos em Israel a viverem com as suas famílias se forem originários dos TPO faziam parte do mesmo regime discriminatório. Ela acrescentou que, embora os palestinos pudessem votar nas eleições, a fragmentação do sistema eleitoral favorecia os israelitas judeus, e a representação dos palestinos no Knesset era limitada. Além disso, o Estado de Israel apoiava a apropriação de propriedades palestinas por israelitas judeus, incluindo em Jerusalém Oriental e no Negev.

O Sr. Al-Hussein referiu que as páginas 51 a 60 do relatório ajudavam a clarificar o entendimento jurídico do conceito de apartheid no direito internacional e a sua aplicação a esta situação. Considerando o estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI) e elementos da jurisprudência internacional, a secção sobre grupos raciais e a parte sobre intenções específicas foram analisadas de forma brilhante, acrescentou ele. A narrativa cronológica do relatório foi uma das principais críticas e a sua secção principal foi considerada desequilibrada por não tomar em consideração as preocupações de segurança de Israel, incluindo os ataques indiscriminados de grupos militantes palestinos a civis israelitas. O Sr. Al-Hussein perguntou se colocar essas considerações de segurança no final do relatório minimizava a sua importância para o Estado de Israel e a proporcionalidade das medidas em vigor. A Sra. Callamard respondeu que embora devam ser reconhecidas, a existência de preocupações de segurança não podia justificar a existência de um regime de apartheid, sublinhando que a segurança era frequentemente invocada por regimes repressivos, como foi o caso durante o Apartheid da África do Sul. Destacar estas considerações numa secção anterior não teria necessariamente feito a diferença na forma como o relatório tinha sido recebido.

O Sr. Al-Hussein observou que muitos críticos do relatório tinham afirmado que, enquanto a AI tinha destacado Israel, muitos outros regimes opressivos não tinham sido sujeitos a um escrutínio semelhante. A Sra. Callamard respondeu que a AI tem produzido regularmente extensa documentação e relatórios sobre alegadas violações dos direitos humanos cometidas noutros países, incluindo pela Autoridade Palestina. Para a Sra. Callamard, afirmar que Israel foi alvo de discriminação foi uma forma de desviar a atenção para o mensageiro e não para o perpetrador.

O Sr. Al-Hussein concordou que diferentes organismos de direitos humanos das Nações Unidas (ONU) eram frequentemente acusados de selectividade, enquanto na realidade todos os Estados estavam sujeitos a escrutínio. Ele também tinha sido acusado de anti-semitismo durante o seu mandato como Alto-Comissário para os Direitos Humanos, à semelhança de outros representantes de organizações de direitos humanos de alto nível. A Sra. Callamard acrescentou que tanto as Nações Unidas como a AI tinham condenado repetidamente o anti-semitismo como uma ameaça real e crescente em todo o mundo, mas observou que rotular os defensores dos direitos humanos como anti-semitas era uma forma de «armar» o termo e, de facto, minava a luta contra o anti-semitismo. A Amnistia Internacional estava empenhada em combater o anti-semitismo, mas estes esforços não deveriam impedir a comunidade internacional de denunciar a situação enfrentada pelos palestinos e empenhar-se em assegurar o respeito do direito internacional.

Questionada sobre as possibilidades de ver implementadas as recomendações do relatório, a Sra. Callamard respondeu que a comunidade internacional deve denunciar este crime contra a humanidade e os países devem rever o seu acordo de cooperação com Israel, proibir os produtos dos colonatos, e utilizar a jurisdição universal para obter a responsabilização. Além disso, sublinhou que alguns países estão a utilizar dois pesos e duas medidas na defesa de Israel e que isto é inaceitável e mina a responsabilização.

Na sua mensagem vídeo para o evento, a Ministra das Relações e Cooperação Internacional da África do Sul, Naledi Pandor, comparou o Apartheid no seu país e a situação na Palestina, traçando paralelos entre a violência na África do Sul de 1955 a 1965 e a violência contra os palestinos em Jerusalém Oriental e outras áreas dos TPO. A liberdade na África do Sul foi alcançada graças à perseverança dos sul-africanos e ao apoio da comunidade internacional, tendo a ONU assumido um papel de liderança. Era isto que ela esperava que acontecesse no caso da Palestina. A Ministra Pandor recordou ainda as semelhanças na detenção, perseguição e tortura de jovens em ambos os países. Sobre a comunidade internacional recai a responsabilidade de agir contra esta injustiça e as condições desumanas a que os palestinos têm estado sujeitos, uma obrigação à luz do direito internacional. Todos os mecanismos internacionais devem ser utilizados para acabar com a impunidade de Israel, pois a paz duradoura só seria alcançada após um acordo negociado e justo e o fim da ocupação israelita.

Durante a sessão de Perguntas e Respostas, os membros do painel abordaram várias questões submetidas pela audiência. Uma questionou a presunção de que todos os árabes em Israel se identificam como palestinos, e a Sra. Callamard respondeu que o relatório visava abordar o tratamento de todas as comunidades palestinas, conduzindo uma análise abrangente das legislações, declarações e ordens. A pesquisa mostrou que os palestinos eram considerados pelo Estado de Israel como um grupo diferente dentro dos árabes israelitas e o relatório reconheceu que nem todos eram discriminados ao mesmo nível. A discriminação racial em Israel não se baseava necessariamente em traços físicos, mas os palestinos como grupo dominado eram considerados diferentes e inferiores devido ao seu estatuto árabe e não judeu. Isto ficou claro na Lei de Estado de 2018 que distinguia entre nacionalidade e cidadania. Assim, a AI não falou em nome de toda a população árabe de Israel, mas salientou que os palestinos eram vítimas de um sistema de apartheid.

Em resposta a uma pergunta sobre acções do Conselho de Segurança, e sobre o veto lançado pelos Estados Unidos para defender Israel, o Sr. Al-Hussein argumentou que a utilização ou ameaça de utilização do veto tornava difícil exercer pressão sobre as autoridades israelitas para que cessassem as violações. No entanto, a situação nos Estados Unidos estava a mudar, com grupos judeus progressistas a criticarem as políticas de Israel em relação aos palestinos. Além disso, está a ser exercida pressão pelos jovens nos campus universitários em todo o país. Citando o falecido Presidente israelita Shimon Peres, acrescentou que «a ocupação destrói não só os ocupados mas também o ocupante».

Os Membros do Painel foram questionados sobre o anti-semitismo na Palestina e porque é que a AI e a ONU estavam desproporcionadamente concentradas em criticar Israel em vez de fornecerem uma análise imparcial que chamasse a atenção para qualquer forma de discriminação racial. O Sr. Al-Hussein respondeu que a chave para a credibilidade dos chefes das organizações de direitos humanos ou dos organismos da ONU era a coerência. A AI cobriu as situações de quase todos os países, tal como o Alto-Comissário para os Direitos Humanos e o mandato dos Relatores Especiais da ONU. Contudo, o mesmo não se podia dizer necessariamente sobre o Conselho dos Direitos Humanos. Além disso, a AI também analisou a situação sob o controlo da Autoridade Palestina, tal como reiterado pela Sra. Callamard, documentando ataques contra Israel e civis por palestinos, incluindo a partir de Gaza. Os israelitas judeus deveriam, contudo, confrontar-se com o que o seu governo estava a fazer em seu nome e não ser complacentes com este crime.

Sobre uma questão relativa ao seguimento que o CEDIPP e outros poderiam fazer para relançar o Comité Especial da ONU contra o Apartheid, a Sra. Callamard declarou que estavam em curso discussões entre a Namíbia, o Estado da Palestina e a África do Sul para apresentar uma resolução da Assembleia Geral sobre o restabelecimento do Comité Especial. A Amnistia Internacional apoiou esta iniciativa. Foi reiterado que os Estados devem utilizar todos os instrumentos disponíveis, incluindo a jurisdição universal, para pôr fim a este sistema de opressão. O TPI deve também avançar com as investigações dos crimes cometidos por Israel, para assegurar a coerência na aplicação do direito internacional.

Nas suas observações finais, na sequência de um vídeo com o falecido Arcebispo Desmond Tutu sobre as semelhanças entre a situação na África do Sul do Apartheid e na Palestina, o Embaixador Mansour agradeceu ao Presidente, ao Comité, à Divisão dos Direitos da Palestina e aos membros do painel pela sua conversa perspicaz e pelo relatório divulgado pela Amnistia Internacional. O Embaixador Mansour agradeceu também à Ministra Naledi Pandor da África do Sul pela sua forte mensagem de solidariedade com o povo palestino, acrescentando que a comunidade internacional deve agir agora. Era essencial continuar a promover os direitos dos palestinos através dos nossos esforços colectivos na ONU, incluindo através de resoluções e outras decisões, e documentar as violações do direito internacional e dos direitos humanos do povo palestino no sentido de alcançar uma solução justa e a paz.

O Embaixador Niang encerrou o evento salientando a importância de uma análise e seguimento mais aprofundados deste importante tópico para assegurar o respeito pelos direitos humanos e a responsabilização.

Nota: Este Resumo tenta fornecer um quadro geral das deliberações do Evento Virtual. Um vídeo do Evento pode ser encontrado na página web do CEDIPP (www.un.unispal.org) como bem como na sua página oficial no Facebook e na sua conta no YouTube.

Nota: Os pontos de vista e opiniões expressos neste resumo são os dos oradores e não reflectem necessariamente a posição oficial do Comité para o Exercício dos Direitos Inalienáveis do Povo Palestino.


Para mais informação:

Ver vídeo do evento

Sobre o relatório da Amnistia Internacional

Sobre o relatório da Human Rights Watch

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