Carta a Mariza
Cara Mariza,
A Mariza tem um enorme talento que lhe permite imprimir ao que canta um cunho singular. Com o talento chegou o natural reconhecimento público. E o reconhecimento público significa que largos milhões de pessoas seguem a sua carreira e procuram inspiração nas suas ações e palavras. Isso significa, então, uma responsabilidade acrescida para a artista, para a fadista.
Sophia deixou-nos estes versos imortais: «Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar». Essa é a responsabilidade de todos nós em tempos em que tantos baixam as pálpebras ou olham para o lado.
Não podemos ignorar as centenas de resoluções das Nações Unidas que condenam Israel pela política de ocupação e de violação do direito internacional.
Não podemos ignorar posições como a da Human Rights Watch, uma ONG internacional sediada em Nova Iorque, que classificou o regime israelita como de apartheid.
Não podemos ignorar a forma desumana como Israel prossegue uma política de limpeza étnica contra os Palestinos, que são hoje a maior comunidade de refugiados do mundo.
Não podemos ignorar os massacres sistemáticos da população palestina da Faixa de Gaza com bombardeamentos indiscriminados e com um bloqueio que transforma aquele pequeno território – que as Nações Unidas já consideraram impróprio para sustentar a vida humana – num gueto que mantém encarcerados numa prisão a céu aberto dois milhões de seres humanos, incluindo milhares de crianças.
Não podemos ignorar as denúncias de organizações de direitos humanos sobre as violências quotidianas a que estão sujeitos os homens, mulheres e crianças palestinos presos nas cadeias de Israel, sem acusação nem julgamento e por tempo indeterminado.
Não podemos ignorar que, mesmo no interior de Israel, a Lei do Estado-Nação consagra o apartheid, a forma institucionalizada do racismo, transformando os Palestinos que vivem nas fronteiras do Estado de Israel, definidas pelas linhas do armistício de 1949, em pessoas sem direitos e excluídas da sociedade.
Não podemos ignorar que muitos artistas internacionais já se comprometeram a não atuar em Israel enquanto estas políticas desumanas se mantiverem.
Não podemos ignorar os apelos insistentes dos Palestinos para que os artistas os ajudem, nomeadamente não atuando em Israel. E também de cidadãos de Israel que rejeitam as políticas segregacionistas do seu governo e que apelam à não participação de artistas internacionais em Israel, país de apartheid, como é o caso da organização israelita Boycott!.
O que lhe pedimos, pois, é que não ignore as vozes que lhe chegam e que cancele o concerto previsto para Israel e se junte a todos os que rejeitam o apartheid do Estado israelita e a todos os que defendem uma solução justa e pacífica para o povo palestino, nomeadamente o seu direito, igual ao de todos os povos, a ter o seu Estado próprio, viável e soberano, com Jerusalém Leste como capital, conforme as resoluções das Nações Unidas.
Sabemos que não é uma posição fácil de tomar, face a pressões profissionais, face à sedução exercida por Israel, que quer fazer esquecer a natureza do seu regime de apartheid, mas é uma posição justa e ética.
Sabemos também que coragem é uma virtude que nunca lhe faltou.
É este o apelo que publicamente lhe fazemos.
Com os nossos melhores cumprimentos,
A Direcção Nacional do MPPM
Lisboa, 22 de Janeiro de 2022