Evocando Mahmud Darwish no dia do seu 80º aniversário
«Ler Mahmud Darwish, além de uma experiência estética impossível de esquecer, é fazer uma dolorosa caminhada pelas rotas da injustiça e da ignomínia de que a terra palestina tem sido vítima às mãos de Israel», escreveu José Saramago no seu «Caderno».
Mahmud Darwish, intelectual e resistente, celebraria hoje o seu 80º aniversário. Nasceu em 13 de Março de 1941 em Al-Birwa, uma aldeia da Galileia perto de São João d'Acre, então território sob mandato britânico.
Durante a limpeza étnica que acompanhou a criação do Estado de Israel, a aldeia foi ocupada e despovoada em 1948 pelas forças israelitas. Os seus habitantes tornaram-se refugiados, alguns no Líbano, alguns deslocados internos. Sobre as ruínas da aldeia foi construído um colonato judaico.
Obrigado a fugir para o Líbano, com apenas seis anos, Darwish e a família regressaram no ano seguinte a Israel, primeiro a Deir al-Assad e depois a Haifa. Mas nunca deixou de se considerar um exilado:
«Na minha situação, não existem diferenças essenciais entre a história da minha infância e a história da minha pátria. A ruptura que ocorreu na minha vida pessoal também se abateu sobre a minha pátria. A infância foi-me tirada ao mesmo tempo que a minha pátria. Em 1948, quando ocorreu esta nossa grande ruptura, saltei do leito da infância para o caminho do exílio. Eu tinha seis anos. Todo o meu mundo se virou de cabeça para baixo e a infância ficou paralisada, não me acompanhou. A questão é se é possível restaurar a infância que nos foi tirada restaurando a terra que nos foi tirada.»
Darwish foi poeta, ensaísta e jornalista. Publicou o seu primeiro livro de poesia («Pássaros sem Asas») aos 19 anos. Os livros seguintes obtiveram-lhe reconhecimento nacional e internacional. Publicou mais de três dezenas de livros de poesia e oito livros de prosa que estão traduzidos em numerosas línguas.
O tema da pátria é central em toda a sua obra. Escreveu em «Na Presença da Ausência» (*):
«Perguntas: O que significa “refugiado”?
Dir-te-ão: É aquele que é arrancado da sua pátria.
Perguntas: O que significa “pátria”?
Dir-te-ão: A casa, a amoreira, o galinheiro, a colmeia, o cheiro do pão e o primeiro céu.
Perguntas: Numa palavra tão pequena cabe tudo isso mas não cabemos nós?»
Ainda muito jovem tornou-se membro do Partido Comunista de Israel. Viveu, sucessivamente, em Moscovo, onde estudou na Universidade, no Cairo, em Beirute, em Tunis e em Paris.
A sua adesão à OLP, em 1973, vale-lhe a proibição de entrar em Israel só levantada em 1995, por um período de quatro dias, para assistir em Haifa ao funeral do seu amigo, o escritor Emile Habibi.
Defensor intransigente de uma Palestina independente, não se eximia de criticar as falhas, erros e divisões dos seus dirigentes. Foi autor da Declaração de Independência da Palestina, proclamada por Yasser Arafat, em Tunis, em 15 de Novembro de 1988, mas viria a demitir-se do Comité Executivo da OLP por discordar da posição palestina nos «Acordos de Oslo» de 1993.
Em 2002 Darwish dirigiu um apelo ao Parlamento Internacional de Escritores para que se inteirasse da situação que se vivia na Palestina. Uma delegação de vários escritores, em que se incluía José Saramago, visitou a Palestina e registou as suas impressões num livro, «Viagem à Palestina», e num filme, «Écrivains des Frontières», de Samir Abdallah e José Reynès (1984, 80’). Na altura Saramago causou polémica quando comparou a situação dos palestinos à dos judeus do holocausto.
Em 15 de Julho de 2007 visitou Israel pela última vez para participar numa sessão em sua honra organizada no Monte Carmelo onde discursou e leu poesia para uma vasta audiência.
Em 1 de Julho de 2008 despediu-se dos palestinos, em Ramala, lendo a sua poesia.
Mahmud Darwish morreu em 9 de Agosto de 2008, com 67 anos, num hospital de Houston, nos Estados Unidos, na sequência de complicações decorrentes de uma delicada intervenção cirúrgica ao coração.
Ler mais:
«Mahmud Darwich, Poeta e Resistente», por Júlio de Magalhães
«Documentos MPPM nº 5: Poesia Palestina do Século xx»
(*) Mahmoud Darwish, Na Presença da Ausência, Tradução de Manuel Alberto Vieira, Flâneur, Porto, 2018