Cartunista Vasco Gargalo alvo de tentativa de censura acusado de «anti-semitismo»
O cartunista português Vasco Gargalo é alvo de uma infundada acusação de anti-semitismo e de um apelo ao seu despedimento por uma organização sionista internacional, a pretexto do cartoon intitulado Crematório, agora republicado num comentário ao «plano de paz» apresentado pelos Estados Unidos.
Vasco Gargalo, sublinhando que continuará a lutar pela liberdade de expressão e pela liberdade de imprensa, afirma: «É a minha visão sobre este ataque. Quando fiz o cartoon sabia que era forte, que ia tocar na questão das vítimas do Holocausto, mas na verdade não acrescento nada ao que vejo. É uma comparação que fiz do conflito israelo-palestiniano.»
Vasco Gargalo, em declarações à agência Lusa, disse esta quarta-feira ter recebido, para além de acusações de anti-semitismo, também ameaças de morte, por causa do cartoon, publicado online na plataforma Cartoon Movement a 15 de Novembro de 2019 e que republicou na semana passada, num comentário ao «plano de paz» apresentado pelo presidente Trump.
Em carta dirigida à revista Sábado, a B'nai B'rith International, com sede em Washington, alega que o cartoon constitui «propaganda anti-semita». Mas mais adiante a organização sionista desvenda a verdadeira razão da sua ira: «A demonização do Estado de Israel não é um comentário político ou social aceitável, é de facto anti-semitismo moderno».
Não se trata apenas da expressão de uma opinião, ainda que infundada, sobre o cartoon em causa. De facto, na carta à direcção da Sábado a B'nai B'rith vai ao ponto de reclamar o despedimento de Vasco Gargalo!
Em declarações à Lusa, o director da Sábado, Eduardo Dâmaso, afirmou aquilo que deveria ser óbvio para todos, ou seja, que não há razões para terminar a relação contratual com Vasco Gargalo, sublinhando a defesa da «liberdade de criação» do autor.
O conteúdo, e o tom, da carta da B'nai B'rith constituem uma inaceitável tentativa de pressão e de censura, pondo em causa não só a liberdade de expressão de Vasco Gargalo mas até o seu modo de subsistência.
Nesta ocasião, não podem deixar de expressar a Vasco Gargalo a sua solidariedade os amigos da causa palestina e todos os defensores da liberdade de expressão, tão agressivamente posta em causa.
Não se trata, infelizmente, de um acto sem precedentes. Para já não falar da desbragada campanha dirigida contra o dirigente trabalhista britânico Jeremy Corbyn, acusado de anti-semitismo por ser um firme apoiante de longa data da causa palestina — recorde-se o caso do cartoon de António, no ano passado, também alvo da despropositada acusação de anti-semitismo. E que levou o New York Times não só a retirar a obra do seu site como a tomar a decisão absolutamente extraordinária de deixar de publicar cartoons.
Tal como o MPPM tem repetidamente alertado, a acusação de anti-semitismo vem sendo utilizada de forma sistemática e crescente contra quem critica a criminosa política antipalestina e belicista de Israel, procurando deliberadamente confundir essa crítica com um ataque aos seguidores da religião judaica e invocando para tal, nomeadamente, a definição de anti-semitismo da International Holocaust Remembrance Alliance (IHRA) [Aliança Internacional para a Memória do Holocausto], e sobretudo os capciosos exemplos a ela anexos.
Precisamente, a carta da B'nai B'rith invoca o facto de Portugal ter aderido à IHRA em Dezembro passado, subscrevendo desse modo a sua definição de anti-semitismo.
Tal só vem confirmar a razão do alerta lançado pelo MPPM no seu comunicado «Anti-sionismo não é anti-semitismo! Não à tentativa de amordaçar a crítica da política de Israel!», de Dezembro de 2018. Nesse documento o MPPM «manifesta profunda preocupação pela notícia de que a União Europeia está a promover … a aprovação de um documento que caminha no sentido de equiparar críticas ao sionismo e a Israel com anti-semitismo», criticando mais adiante o «envolvimento do Estado português numa tal manobra».
Tal como afirma o comunicado, a denúncia dos crimes de Israel «nada tem a que ver com anti-semitismo», correspondendo antes «a um imperativo ético decorrente dos princípios fundadores da Carta das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos do Homem e que impõe uma firme posição de defesa de todos quantos são vítimas de discriminação e perseguição baseadas na sua origem nacional ou religiosa, como é claramente o caso do povo palestino».