30 de Março, Dia da Terra palestina, um ano da Grande Marcha do Retorno

Em 30 de Março de 1976, a população palestina da Galileia, no Norte de Israel, declarou uma greve geral para protestar contra a expropriação de terras. Neste «Dia da Terra», previa-se protestos pacíficos, mas a jornada foi sangrenta. Seis palestinos, cidadãos de Israel, foram mortos  pelas forças do exército e da polícia de fronteiras do Estado de Israel.

O dia 30 de Março sintetiza de certa maneira a natureza brutal e discriminatória de Israel e a luta dos palestinos pelos seus direitos, e nomeadamente pelo seu direito à terra, fonte de vida e elemento fundamental de enraizamento e identidade. O Dia da Terra passou por isso a ser assinalado de ambos os lados da «linha verde» (fronteira entre Israel e os territórios ocupados em 1967), em sinal de reconhecimento da unidade do povo palestino na luta contra a ocupação e a discriminação impostas pelo Estado sionista, em que a questão da terra ocupa um lugar central.

Os cidadãos palestinos de Israel, ou seja, os palestinos que permaneceram dentro do território do Estado sionista após 1948, estiveram até 1966 sujeitos a um regime de administração militar (regime que a partir de 1967 foi aplicado aos palestinos da Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Faixa de Gaza). Nas novas condições, deu-se uma progressiva tomada de consciência e uma melhoria da organização destes palestinos para lutarem contra o roubo das suas terras, a discriminação e a judaização forçada das zonas onde residiam.

Se a causa directa dos protestos foi a decisão israelita de confiscar 2100 hectares de terras palestinas — para aí construir povoações judaicas, tendo por objectivo principal e abertamente declarado impedir a contiguidade geográfica das comunidades palestinas e alterar a realidade demográfica na zona, de modo a estabelecer aí uma maioria judaica —, a expropriação de terras palestinas não era nova.

Pelo contrário, estava inscrita desde o início no projecto sionista, aplicada à força ou através de artifícios legais, um dos mais chocantes dos quais é o dos «presentes ausentes». Trata-se de palestinos que na altura dos acontecimentos de 1948 tinham sido deslocados dos seus locais de residência e que foram impedidos de aí retornar, ainda que continuassem dentro de Israel, e cujas terras foram apropriadas pelo Estado israelita, com o pretexto de estarem «ausentes». Posteriormente essas terras eram entregues ao Fundo Nacional Judaico, cuja missão era adquirir o máximo de terras para uso exclusivo dos judeus.

O projecto de judaização do território, que esteve na base dos trágicos acontecimentos de 30 de Março de 1976, assenta na concepção e na natureza essencialmente discriminatória de Israel, assumido como um Estado em que apenas os judeus gozam de plenos direitos e os outros são relegados à qualidade de cidadãos de segunda categoria.

Essa natureza discriminatória, longe de se atenuar, agravou-se drasticamente em 2018 com a aprovação da «lei básica» (de natureza constitucional) que define «Israel como Estado-Nação do Povo Judeu», a qual confirma o carácter confessional e segregacionista do Estado, sublinhando a desigualdade dos seus cidadãos árabes palestinos relativamente aos cidadãos judeus.

A espoliação das terras e a destruição de cultivos dos palestinos prossegue a um ritmo cada vez mais acelerado. Segundo dados publicados na passada quinta-feira pelo Instituto Central de Estatísticas da Palestina (PCBS), Israel ocupa mais de 85% da área total da terra da Palestina histórica (cerca de 27 000 km2). Os palestinos, a população originária, que compõem 48% da população total da Palestina histórica, utilizam apenas 15% das suas terras ancestrais.

Milhares de hectares foram confiscados pelos colonos israelitas para seu uso próprio. Além disso, desde 2000 até o final de 2018 as forças de ocupação israelitas arrancaram mais de um milhão de árvores (7122 árvores apenas durante o ano de 2018).

A violência contra os palestinos expressa-se também na demolição de edifícios (casas de habitação e outras instalações, com o despejo forçado dos moradores, medida particularmente perversa porque Israel se recusa a passar licenças de construção aos palestinos, nem sequer para acomodar o crescimento natural da população. Em 2018 a ocupação israelita demoliu 471 edifícios, dos quais 215 em Jerusalém Oriental ocupada.

É arrepiante o número dos mortos palestinos às mãos das forças repressivas de Israel: desde a Nakba (catástrofe) de 1948, somam já cerca de 100 000. E só em 2018, para além de 29 600 feridos, contam-se 312 mortos, a maioria ceifados pelos atiradores especiais do exército de Israel quando participavam nas manifestações da Grande Marcha do Retorno na Faixa de Gaza, naquilo que o Conselho de Direitos Humanos da ONU classificou recentemente como crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

É inteiramente justo afirmar que a partir de 2018 o dia 30 de Março adquiriu um significado e uma importância renovados, já que foi nesse dia que teve início a Grande Marcha do Retorno. Face à violência do ocupante sionista — confortado pelo apoio dos Estados Unidos e a complacência de tantos outros, incluindo a União Europeia —, a Grande Marcha do Retorno é mais um extraordinário grito de esperança e audácia, mais uma manifestação da admirável coragem e da tenaz determinação do povo palestino de nunca baixar os braços na sua luta  pela libertação dos presos, pelo regresso dos refugiados, pelos seus imprescritíveis direitos nacionais, por uma pátria livre e independente.

Uma luta dura e prolongada, mas destinada à vitória.

Print Friendly, PDF & Email
Share