«"Limpeza étnica": como Israel está a expulsar os palestinos da Grande Jerusalém judaica», por Jonathan Cook

Artigo publicado no sítio electrónico Middle East Eye em 23 de Novembro de 2017

Israel está a colocar as peças finais de uma Grande Jerusalém judaica que exigirá a «limpeza étnica» de dezenas de milhares de palestinos de uma cidade em que as suas famílias viveram e trabalharam durante gerações, advertem grupos de defesa dos direitos humanos.

O ritmo das mudanças físicas e demográficas na cidade acelerou-se consideravelmente desde que, há mais de década, Israel começou a construir uma barreira de aço e betão através dos bairros palestinos da cidade, indicam grupos de defesa dos direitos humanos e investigadores palestinos.

Israel está a preparar-se para cimentar essas mudanças na lei, observam eles. Dois projectos de lei parlamentares que gozam do apoio generalizado dos ministros do governo indicam os contornos do futuro de Jerusalém.

Um dos projectos de lei visa anexar a Jerusalém cerca de 150 000 judeus que vivem em colonatos ilegais da Margem Ocidental que rodeiam a cidade. Além de reforçar a população judaica da cidade, esta medida dará a esses colonos suplementares o direito de voto nas eleições municipais de Jerusalém, empurrando politicamente a cidade ainda mais para a direita.

Um outro projecto de lei privará de direitos na cidade mais de 100 000 palestinos que vivem no «lado errado» da barreira. Eles ficarão afectos a um conselho local separado apenas para palestinos, coisa que os observadores temem ser um prelúdio à retirada dos direitos de residência e à proibição de acesso a Jerusalém.
Entretanto, através de uma teia de duras políticas israelitas — incluindo prisões durante a noite, escassez de terras, demolições de casas e negação de serviços básicos — está a intensificar-se a pressão sobre os palestinos que vivem dentro do muro para que se vão embora.

Estas medidas visam antecipar-se a quaisquer futuros esforços de paz e eliminar de facto as ambições palestinas de um Estado tendo Jerusalém Oriental como sua capital, declarou Aviv Tartasky, investigador de campo da Ir Amim, uma organização israelita que defende um tratamento justo dos palestinos em Jerusalém.
«O que está a acontecer é uma limpeza étnica, sem armas», afirmou Tartasky ao Middle East Eye. «Israel espera livrar-se de um terço da população palestina de Jerusalém só com medidas legislativas.»

Medos demográficos

As preocupações demográficas de Israel em Jerusalém datam de 1967, quando ocupou e anexou Jerusalém Oriental, combinando a grande população palestina com a população judaica de Jerusalém Ocidental. Também expandiu as fronteiras municipais da cidade como forma de anexar sub-repticiamente terras da Margem Ocidental.
Israel estabeleceu inicialmente um limite superior de 30% de palestinos para 70% de judeus naquilo a que chamou a sua nova «capital unida e eterna», mas desde então tem vindo a perder a batalha para manter essa proporção. Devido às taxas de natalidade palestinas mais elevadas, hoje há mais de 315 000 palestinos em Jerusalém Oriental, que representam quase 40% da população total da cidade. Segundo as projecções, os palestinos poderiam tornar-se a maioria dentro de uma década.
Embora poucos palestinos de Jerusalém tenham obtido ou sido autorizados a adquirir a cidadania israelita e quase nenhuns votem nas eleições municipais, Israel teme que o seu crescente peso numérico torne cada vez mais insustentável o seu domínio na cidade.

«O que temos em Jerusalém é um sistema de apartheid em construção», declarou ao MEE Mahdi Abd al-Hadi, um universitário palestino de Jerusalém.
«As políticas israelitas são ditadas por considerações demográficas, e isso criou um enorme fosso entre as duas sociedades. Os palestinos estão a ser sufocados.»
«Salvar Jerusalém Judaica»

O medo da perda demográfica de Jerusalém levou no ano passado ao lançamento por dirigentes políticos e de segurança israelitas de uma campanha muito mediatizada, apelidada «Salvar Jerusalém Judaica». Temendo que os palestinos se tornem maioritários a breve prazo e possam começar a votar nas eleições municipais, a campanha advertiu os residentes judeus que poderiam «acordar com um presidente da câmara palestino em Jerusalém.»

Durante o último ano, vários ministros, incluindo o ministro da Educação, Naftali Bennett, promoveram agressivamente a anexação de Maale Adumim, um grande colonato situado fora de Jerusalém, na Margem Ocidental. Gradualmente, parecem estar a ganhar o debate.

No final do mês passado, uma comissão ministerial foi encarregada de aprovar um projecto de lei sobre a Grande Jerusalém, uma legislação que visa alargar as fronteiras municipais de Jerusalém de modo a incluir Maale Adumim e vários outros grandes colonatos situados na Margem Ocidental. O projecto ganhou o apoio de Netanyahu.
Os colonatos sofreriam uma anexação sem esse nome, e os seus 150 000 habitantes teriam o direito de votar nas eleições municipais.

Anexação de facto

Yisrael Katz, ministro dos Transportes e Informações, que contribuiu para apresentar o projecto de lei, declarou que o seu objectivo é «salvaguardar uma maioria judaica» na cidade. Uma sondagem recente mostrou que 58% dos judeus israelitas apoiam o plano.

Sob pressão da administração do presidente estado-unidense, Donald Trump, Netanyahu pôs temporariamente o projecto de lei em banho-maria. Washington recearia que esta legislação criasse obstáculos a uma iniciativa de paz que estaria prestes a revelar.

A organização Ir Amim teme que a legislação seja relançada quando a pressão se dissipar. Um documento que publicou na semana passada advertiu que a legislação era a «primeira medida prática desde a anexação de Jerusalém Oriental, em 1967, para concretizar a anexação de facto de áreas da Margem Ocidental a Israel».
Depois de décadas de implantação de colonos judeus no coração de bairros palestinos para evitar o seu desenvolvimento e crescimento, Israel está a iniciar o difícil processo de separação das duas populações, declarou Aviv Tartasky.

Avisos de expulsão

Os efeitos estão a ser vivamente sentidos no terreno.

Na sexta-feira passada [22 de Novembro], as forças israelitas tomaram de assalto a aldeia beduína de Jabal al-Baba e entregaram avisos de «despejo» aos seus 300 habitantes. Em Agosto o exército israelita demoliu o jardim de infância da aldeia.

Jabal al-Baba situa-se entre Jerusalém Oriental e Maale Adumim.

«Para Israel estas comunidades palestinas no exterior de Jerusalém são como uma espinha na garganta», afirmou Aviv Tartasky. «Israel está a tentar fazer-lhes a vida o mais dura possível para as forçar a irem-se embora e criar assim uma continuidade territorial entre Jerusalém e os colonatos.»

A última incursão em Jabal al-Baba aconteceu imediatamente depois de Israel ter notificado as centenas de habitantes de Walaja de que um posto de controlo militar seria deslocado para junto da entrada da sua aldeia. Isto irá cortá-los dos ancestrais socalcos agrícolas situados nas terras altas de Jerusalém que as suas famílias cultivam há gerações.

Embora muitos habitantes de Walaja tenham documentos de identidade de Jerusalém emitidos por Israel, a nova medida irá de facto isolá-los da cidade, bem como das suas terras. Os socalcos e uma nascente próxima, onde os aldeões dão de beber ao gado, tornar-se-ão «atracções» num parque metropolitano alargado de Jerusalém.
Apertar o estrangulamento

Entretanto, Israel está a apertar o estrangulamento aos palestinos nas áreas construídas de Jerusalém Oriental.

Aqueles que se encontram do outro lado do muro de betão foram efectivamente abandonados pelo município de Jerusalém e enfrentam cada vez mais dificuldades no acesso ao resto da cidade, indicou Daoud Alg'ol, investigador palestino especialista de Jerusalém.

Um projeto de lei de Ze’ev Elkin, ministro dos Assuntos de Jerusalém, visa desligar do município de Jerusalém bairros palestinos como Walaja, Kafr Aqab, o campo de refugiados de Shuafat e Anata, que se encontram para além do muro de separação.

Eles seriam agrupados num conselho local separado para palestinos, o que de um momento para o outro reduziria em um terço a população palestina da cidade.
«Depois de os palestinos estarem num conselho local separado, Israel vai dizer que o centro da sua vida já não é em Jerusalém e os seus documentos de residência em Jerusalém serão revogados», afirmou Daoud Alg'ol. «Isso já acontece, mas agora será a uma escala muito maior.»

Desde 1967, Israel revogou as autorizações de residência de mais de 14 000 palestinos, obrigando-os a sair de Jerusalém.

«Zonas de sombra» ao abandono

Embora os seus habitantes paguem impostos ao município de Jerusalém, os bairros palestinos situados fora da barreira já são «zonas de sombra» entregues ao abandono e à desordem.

No bairro de Kafr Aqab, por exemplo, que está isolado do resto de Jerusalém Oriental pelo muro e por um posto de controlo militar, os habitantes beneficiam de poucos serviços. No entanto, Israel também negou o acesso ao bairro à Autoridade Palestiniana.

«Eles vivem numa terra de ninguém», afirmou Daoud Alg'ol.

Estes bairros tornaram-se um destino tanto para criminosos como para famílias palestinas apanhadas na intrincada teia dos rigorosos regulamentos de residência impostos por Israel. Aos palestinos da Margem Ocidental é negado o acesso ao interior do muro de Jerusalém, ao passo que os palestinos de Jerusalém correm o risco de serem despojados dos seus papéis de residência se saírem da cidade.

Os casais com cônjuges provenientes dos dois lados dessa divisão em matéria de residência encontraram um refúgio em Kfar Aqab, enquanto Israel vai lentamente desligando o bairro de Jerusalém Oriental. Os habitantes afirmam que nos últimos anos a população disparou de alguns milhares para dezenas de milhares.
Em consequência, assistiu-se a uma explosão da construção para além do muro, já que os palestinos aproveitam a falta de aplicação por Israel dos regulamentos de construção. «Isso também ofereceu ganhos demográficos a Israel», afirmou Daoud Alg'ol.

Crise da habitação

«As restrições em matéria de planeamento urbano e a escassez de terrenos no interior do muro criaram uma crise da habitação para os palestinos, tornando-se demasiado caro para eles viverem lá», explicou Alg'ol. «Foram forçados a mudar-se para áreas fora do muro para encontrarem habitação mais acessível. A pressão económica está a criar uma transferência silenciosa.»

«Os palestinos que vivem em bairros dentro do muro estão a ser expulsos de outras maneiras», observou Aviv Tartasky.

Israel tem usado desde há muito toda uma gama de políticas para privar os palestinos de terra, impedir o desenvolvimento em Jerusalém e justificar as demolições de casas.
Entre elas conta-se declarar as áreas palestinas «parques nacionais», criminalizando assim as casas que aí se encontram, confiscar os últimos espaços verdes para construir colonatos judaicos e permitir que os colonos se apropriem de propriedades palestinas na Cidade Velha e nos bairros vizinhos, pois Israel procura reforçar o seu domínio sobre os locais sagrados da cidade, especialmente a mesquita Al-Aqsa.

Actualmente vivem em Jerusalém Oriental cerca de 200 000 colonos judeus.

«Os palestinos nunca fazem parte do planeamento urbano em Jerusalém e os seus interesses nunca são tidos em consideração — são sempre um obstáculo a eliminar», declarou Daoud Alg'ol à MEE. «Israel quer a terra, mas não os palestinos que nela vivem.»

Incursões nocturnas

Aumentou a pressão sobre os palestinos de Jerusalém, observou Aviv Tartasky, na medida em que foram negadas escolas e serviços municipais básicos às suas comunidades. Mais de 80% das crianças palestinas vivem abaixo do limiar de pobreza.

O município e a polícia de Jerusalém também começaram a intensificar as operações de «aplicação da lei» contra os palestinos, a que os habitantes chamam «punição coletiva». Sob o pretexto de «restaurar a ordem», recentemente tem havido uma vaga de incursões nocturnas em bairros como A-Tur e Issawiya. Essas incursões ocasionaram um grande número de prisões de palestinos, de ordens de demolição e de encerramento de empresas.

«Israel está a usar os mesmos métodos militarizados que na Margem Ocidental», afirmou Aviv Tartasky. «A ideia é que essas pressões vão encorajá-los [os palestinos] a mudarem-se para áreas fora da barreira, onde mais cedo ou mais tarde perderão os seus direitos de residência».

«Israel percebeu que é uma oportunidade que pode explorar.»

O gabinete do presidente da câmara de Jerusalém, Nir Barkat, dirigiu um comunicado ao MEE negando que a situação dos palestinos em Jerusalém Oriental se estivesse a deteriorar. O comunicado afirma que tem havido melhorias espectaculares nos bairros palestinos em matéria de disponibilização de escolas, centros comunitários, campos desportivos, novas estradas, serviços postais e assistência social.

O comunicado acrescenta que Barkat «desenvolveu um plano com um alcance e um orçamento sem precedentes para reduzir as insuficiências em Jerusalém Oriental, a fim de enfrentar os 50 anos de negligência que herdou dos seus antecessores à frente do município e de sucessivos governos israelitas».

Segundo afirmou Daoud Alg'ol, as afirmações do município constituíam uma negação da realidade. «Israel quer criar uma cidade de faz-de-conta sem palestinos», disse ele. «Onde pode, está a fazer uma limpeza étnica expulsando-os da cidade. E onde não pode, simplesmente esconde-os da vista.»

Jonathan Cook é um jornalista britânico residente em Nazaré desde 2001. É autor de três livros sobre o conflito israelo-palestino. Foi vencedor do Prémio Especial Martha Gellhorn para jornalismo. Pode ser visto na internet em www.jonathan-cook.net


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