Edward Saïd: Vida, Pensamento e Obra

A 26 de Novembro, a 2.ª Semana da Palestina deslocou-se à Universidade.
Um colóquio sobre a "Vida, Pensamento e Obra de Edward Said", apresentado por Júlio de Magalhães, da Direcção Nacional do MPPM, atraiu a um anfiteatro do ISCTE-IUL uma interessada assistência do meio académico que seguiu atentamente as exposições dos Professores Rosa Maria Perez (ISCTE-IUL), Eva-Maria Von Kemnitz (Universidade Católica, Instituto de Estudos Orientais) e António Manuel Hespanha (Faculdade de Direito, Universidade Nova) no que terá sido a mais relevante iniciativa sobre Saïd realizada em Portugal nos últimos anos.
Rosa Maria Perez abordou "O Percurso Académico e a Obra de Edward Saïd". "Estilista, rigoroso, erudito, polémico, corajoso e sempre movido pela procura de justiça", foi como descreveu Saïd, em quem enalteceu "a capacidade de transformar a catástrofe em repto ético e a investigação em comprometimento intelectual". Ao mesmo tempo que percorria a vida de Edward Saïd, desde o seu nascimento em Jerusalém, em 1935, até aos seus últimos dias, passando pela sua vida académica em Columbia, apoiada na sua autobiografia "Out of Place", Rosa Perez dissecava a sua restante obra - "Beginnings", "Orientalism", "The Question of Palestine", "Covering Islam", "Musical Elaborations", "Culture and Imperialism", "Representations of the Intellectual", "Music at the Limits". Enfatizou o ponto de viragem que representou, para Saïd, a guerra de 1967: "Tudo muda. A guerra retira aos palestinianos toda a esperança de regresso a casa. «Out of Place» assinala pungentemente as marcas que a Guerra dos Sete Dias trouxe à sua vida". Rosa Maria Perez evocou, ainda, a visita de Saïd a Portugal, em 1997, a convite seu e de António Hespanha, e o encontro de Saïd com o maestro e pianista judeu argentino Daniel Barenboim, que selou uma amizade que perduraria até à sua morte, que se concretizou na criação da East-Western Divan Orchestra e que culminou no memorável concerto na Universidade de Birzeit. Figura multifacetada, a crítica musical era uma das suas actividades, tendo sido crítico do "Nation" entre 1986 e 2003. Também a crítica literária mereceu a sua atenção.
Coube a Eva-Maria Von Kemnitz explorar a perspectiva de Edward Saïd sobre os orientalismos, tal com expressa na sua obra seminal "Orientalism" que considera ser "um grito de revolta e indignação do intelectual e activista político, contra o tratamento subalterno da cultura do outro, no caso concreto do árabe e do muçulmano, manifesto nos media dos Estados Unidos e também do Ocidente, na sequência da derrota árabe na Guerra dos Sete Dias que Saïd viveu intensamente". Escrito entre 1975 e 1976, sob a influência da visita de Saïd ao Líbano após a guerra civil, "Orientalism" é "muito marcado pelo percurso formal do seu autor, um cristão protestante, nascido em Jerusalém e educado nos estabelecimentos de ensino das elites anglófonas". "Orientalism", na interpretação de Eva Von Kemnitz, "denuncia vivamente o subtil e persistente conceito eurocêntrico dirigido contra os povos árabes e muçulmanos e contra a sua cultura que, implicitamente, serviu de justificação para as ambições coloniais e imperialistas da Europa e dos Estados Unidos". A importância de "Orientalism" foi assim descrita por Eva von Kemnitz: "É um livro histórico, mas a sua leitura afigura-se actual, como o atesta a fecundidade da polémica epistemológica que suscitou. Tem tido um impacte particularmente profícuo junto de uma geração jovem de intelectuais, sobretudo nos países do chamado terceiro mundo, que, inspirados nas suas teses e na metodologia por ele proposta, aplicaram os respectivos instrumentos de trabalho nos campos da Antropologia, Gender Studies, Post-Colonial Studies, Subaltern Studies, Aborigenal Studies, Crítica de Arte, etc.".
O tema da intervenção de António Manuel Hespanha foi "A Militância Política de Edward Saïd". Recordou o processo que conduziu à instalação dos Judeus na Palestina, desde a Declaração Balfour de 1917 - criticada, de forma premonitória, por Lord Curzon, então Vice-Rei da Índia - até a constituição do Estado de Israel, em 1948, e consequente expulsão dos palestinianos, para explicar o desenraizamento de Saïd: "Toda a sua vida é feita de identidades efémeras. Tem sempre a sensação de que está fora do lugar, fora de qualquer lugar. Mas isso, que poderia desorientar, do ponto de vista psicológico, muitas pessoas com uma força moral e intelectual que não era a dele, a ele deu-lhe força". Por vezes distante das posições da liderança do movimento palestiniano - por exemplo, rejeitou os Acordos de Oslo (1993) por considerar que tinham deixado de fora as questões que ele sentia mais, como os refugiados, os colonatos, Jerusalém, as fronteiras e a segurança - Saïd considerava que "a Palestina não é apenas uma causa árabe e islâmica (...) Acima de tudo devemos, do mesmo modo que Mandela nunca se cansou de dizer da sua luta, ter consciência de que a Palestina é uma das grandes causas morais do nosso tempo". Invocando "Representations of the Intelectual", "Um livro maravilhoso de ler - é uma lição sobre a perspicácia mas também sobre o espírito de humildade e serviço que o intelectual deve ter" Hespanha conclui que o intelectual deve agir no seu campo específico: "Não devemos desperdiçar-nos e podemos ser muito bons e muito eficazes trabalhando como intelectuais. Acho que essa é a grande lição de Saïd. Ele era um grande intelectual e, por isso, foi um grande militante".

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