Seminário Gaza 2009: Intervenção de Pierre Galand

Minhas Senhoras e meus Senhores, Caros Amigos,
Obrigado por me terem convidado para participar no vosso Seminário.
Não é anti-semitismo denunciar a guerra iniciada por Israel contra Gaza e a Palestina, denunciar os crimes de guerra e crimes contra a Humanidade cometidos durante um mês em Gaza.
Não é anti-semitismo denunciar o Muro da separação, a colonização, a ocupação militar, as destruições maciças causadas por Israel na Palestina.
Como também não é, na Cisjordânia e em Gaza, anti-semitismo ou anti-americanismo denunciar a cumplicidade da União Europeia e dos seus Estados-membros e a cumplicidade dos Estados Unidos que garantem a impunidade de que goza Israel na perpetuação da agressão e da injustiça feitos ao povo palestino, privado dos seus direitos fundamentais há 61 anos. Foi isto a Nakba – a Catástrofe.
Após este comentário sobre o anti-semitismo, gostaria de vos lembrar esta análise breve mas pertinente dos Israelitas, feita pelo falecido Mahmoud Darwich: «Os Israelitas têm uma obsessão securitária que se deve a dois tipos de medos: um, legítimo e compreensível, devido ao que suportaram da parte dos Europeus. Mas disto foram parcialmente indemnizados à custa da Palestina – e, apoiando-se no sentimento de culpabilidade da Europa, vivem de um crédito infinito nos planos moral, económico e militar. A tal ponto que, actualmente, criticar a política israelita equivale a anti-semitismo. Mas há um outro tipo de medo que não podemos resolver, mesmo que aparecesse um novo Freud: é o medo daquilo que cometeram contra nós. Mas nós estamos dispostos a esquecer e a perdoar desde que nos restituam certos direitos. O ódio e o rancor não são eternos se a vítima obtiver uma indemnização. Só a Israel compete decidir» … assim respondia Mahmoud Darwich, em 2006, à  jornalista italiana Géraldina Colotti do Il Manifesto que o interrogava sobre o tema «Israel tem medo da paz».
Centralidade da Questão Palestina
A conquista de Jerusalém pelos Cruzados data de 1150, quase um milénio. O Próximo Oriente ocupou sempre um lugar central na história euro-mediterrânica, na história religiosa das duas margens do Mediterrâneo, nas relações entre as três religiões do Livro, nas transferências de saber, de cultura, nas trocas económicas, etc. A Palestina desempenha um papel central nesta história. Desde a partilha da Palestina e da criação do Estado de Israel em 1948, este Estado desempenha um papel importante no dispositivo estratégico das grandes potências e do Ocidente, na região. Isto era verdade durante a guerra fria e continua a sê-lo ainda hoje.
Por outro lado, Israel apresenta-se como o único estado democrático da região e sempre geriu com cuidado as suas relações com a Europa e com os Estados Unidos. Israel beneficiou assim de uma relação privilegiada e de um estatuto de aliado essencial dos E.U.A. É, pois, na mais completa impunidade que Israel prossegue, desde há 41 anos, a sua ocupação militar, a colonização e a expropriação territorial da Palestina.
É verdade que actualmente ocorrem muito mais mortes e violações dos direitos humanos no Darfour, no Leste do Congo, na Colômbia, no Iraque, no Afeganistão… e, contudo, a Palestina continua a ser uma questão central na ordem do dia a nível internacional.
Na época da luta contra o apartheid na África do Sul, não foi o número de negros que morreram o factor determinante na condenação da África do Sul por crime de apartheid. A condenação recaiu sobre o racismo e as leis do apartheid.
A opinião pública não se enganou quando se levantou maciçamente para denunciar os crimes de apartheid na África do Sul e na vizinha Namíbia. A um mesmo título, hoje, as grandes componentes da sociedade civil não se enganam ao denunciar a guerra e o bloqueio israelita contra Gaza e ao denunciar os excessos de Israel no conjunto do território palestino. Ao fazerem-no, estão a denunciar a violação do direito internacional, a querer defender uma concepção do direito dos povos a decidirem por si próprios, bem como a coexistência pacífica entre os estados.
Hoje, a questão Palestina, que os Estados Unidos, e igualmente a Europa, tinham querido marginalizar, regressou ao centro do debate euro-mediterrânico.
- 1991 – Conferência de Madrid
- 1995 – Acordo de Barcelona (Democracia, direitos humanos, zona de comércio livre)
-  Ofensiva americana – Great Middle-East para restabelecer a democracia ! Palestina
-  Política de vizinhança da UE – Upgrading de Israël para estes 60 anos.
Trata-se do conflito mais antigo do século XX, que perdura no início do século XXI - 60 anos – Nakba- 1948-2008 - tendo em vista impedir o Povo Palestino de exercer o seu direito a decidir por si próprio: o seu direito à auto-determinação.
Desde a famosa frase: «um povo sem terra (ou seja, o povo judeu) para uma terra sem povo», a comunidade internacional que fundou o Estado de Israel fracassou na sua missão de permitir a livre expressão do povo da Palestina e de impedir que ele seja vítima de expulsões maciças, de colonização e de ocupação, de detenções arbitrárias, de repressão, de agressão militar e de discriminação racial.
«Em resumo, o que se entrevê», diz Régis Debray, «em vez do Estado Palestino anunciado e desejado por todos, é um território israelita ainda indefinido, com enclaves, três municípios palestinos auto-geridos».(*)
É urgente pôr fim àquilo que os nossos políticos, homens e mulheres, designam como «equidistância» e que acaba por não ser mais do que uma política de «dois pesos e duas medidas» (relações com o Hamas/com o Likoud).
Está na hora de os responsáveis políticos realmente empenhados pela paz e pelos direitos dos povos previstos pela Carta das Nações Unidas se mobilizarem e terem em mente o que o Embaixador Alvaro de Soto, Representante especial do Secretário-Geral das Nações Unidas junto da OLP, sublinha no ponto 134 do seu relatório final de missão: «there is a seeming reflex, in any given situation where the UN is to take a position, to ask first how Israël or Washington will react rather than what is the right position to take». E acrescentou: «I confess that I am not entirely exempt from that reflex, and I regret it». 
O papel da opinião pública e do movimento de solidariedade
Em 9 de Julho de 2004, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) dava o seu Parecer sobre as consequências jurídicas da construção do Muro nos Territórios Palestinos ocupados. Em 20 de Julho de 2004, por meio da Resolução ES-10/15 da Assembleia Geral das Nações Unidas, os Estados Membros, incluindo os Estados europeus, reconheciam que tinham a obrigação jurídica de fazer aplicar o Parecer do TIJ.
Foi o resultado de um trabalho inacreditável por parte do movimento de solidariedade.
Hoje, após a guerra de agressão cometida por Israel, após os crimes de guerra e os crimes contra a Humanidade cometidos pelo exército israelita, não podemos satisfazer-nos com acções humanitárias e de reconstrução.
Devemos apoiar a exigência palestina de «reparação» e de qualificação dos crimes que foram cometidos:
- Junto da ONU, da Assembleia Geral, do Conselho de Segurança, das Convenções de Genebra de 1949
- Junto do Tribunal Penal Internacional
- Junto da União Europeia, pelo respeito dos artigos 2° et 83° do Acordo de Associação  
E exigir:
- O congelamento e o desmantelamento das colónias, do Muro e dos checkpoints,
- A libertação dos prisioneiros políticos,
- O direito ao regresso,
- A livre circulação, o levantamento do bloqueio contra Gaza, a implementação do sistema EUBAM Rafah
- O embargo ao comércio de armas 
Devemos mobilizar-nos igualmente:
- Contra a OTAN e as armas nucleares israelitas,
- Contra os apoios, na Europa, à expansão dos colonatos (por exemplo, a campanha contra o banco Dexia)
- Para apoiar o apelo das ONG palestinas ao B.D.S. (Boicote, Desinvestimento, Sanções)
- Contra as tentativas de exportar o conflito israelo-palestino para as nossas cidades
- Para denunciar o ostracismo contra o Hamas «terrorista» para a UE e os EUA, eleito democraticamente pelos Palestinos.
Face ao silêncio cúmplice da comunidade internacional, ao silêncio do Sr. Blair, Enviado Especial do Quarteto, ao silêncio do Sr. Javier Solana, Alto Representante da União Europeia para a política externa e de segurança, ao silêncio da União Europeia e dos Estados Unidos e ao fracasso da Conferência de Annapolis, é urgente apelar a uma nova iniciativa internacional, uma espécie de Madrid II para uma paz justa e duradoira no Próximo Oriente, a qual proclamaria o reconhecimento do Estado da Palestina dentro de fronteiras seguras e reconhecidas, as de 1967. A oferta da Liga Árabe de Beirute, em 2002, poderia constituir uma base útil para esse efeito.
Antes de concluir, permitam-me que vos fale brevemente sobre uma iniciativa importante: a criação de um tribunal Russell sobre a Palestina. Esse tribunal de opinião, à semelhança do tribunal Russell sobre o Vietname, presidido, à época, por Jean-Paul Sartre, terá uma missão essencial: reafirmar o primado do direito internacional como base para a resolução do conflito israelo-palestino e analisar as diversas responsabilidades que têm conduzido à persistência da ocupação dos Territórios palestinos por Israel e à não aplicação das diferentes resoluções das Nações Unidas e do parecer do Tribunal Internacional de Justiça sobre a construção do muro por Israel. Para além dos crimes enquanto tais, temos, pois, o objectivo de revelar como o silêncio ou a cumplicidade de Estados, e também as falhas de organizações internacionais, permitem a Israel agir com uma imunidade total, e impedem a criação de um Estado Palestino.
Concluírei com Mahmoud Darwich, que declarava ao Mundo: «Não é possível viver com a ferida do desaparecimento da pátria, a não ser que se instaure uma co-habitação equilibrada entre as «duas realidades», a judaica israelita e a árabe palestina, não podendo nenhuma delas erradicar a outra. (…) A esperança é uma doença incurável entre os Palestinos, a esperança numa vida melhor de que não seríamos nem heróis nem vítimas. (…) A esperança, pois, apesar de uma ocupação israelita que é uma declaração permanente de guerra contra os nossos corpos e os nossos sonhos, contra as nossas casas e as nossas árvores.»
(*) Le Monde diplomatique – Agosto de 2007 «Pour une cure de vérité au Proche-Orient» («Para uma cura de verdade no Próximo Oriente»)
[Tradução: Graça Macedo]
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