Por que é que os chefes do Shin Bet (serviços de segurança interna de Israel) se tornam pacifistas quando se reformam?

A questão é posta por Uri Avnery, antigo deputado ao Knesset (Parlamento de Israel) e actual dirigente da Gush Shalom, organização israelita de defesa da paz, que dá a resposta em artigo recentemente publicado:
“Os agentes do Shin Bet são a única organização do estado que entra em contacto real, directo e diário com a realidade palestina. Eles interrogam suspeitos palestinos, torturam-nos, tentam transformá-los em informadores. Eles recolhem informações, penetram nas partes mais remotas da sociedade palestina. Eles sabem mais sobre os palestinos do que ninguém em Israel (e talvez na Palestina, também). (…). Eles chegaram a conclusões que escapam muitos políticos: que somos confrontados com uma nação palestina, que esta nação não vai desaparecer, que os palestinos querem um Estado próprio, que a única solução para o conflito é um Estado palestino ao lado de Israel. E assim vemos um estranho fenómeno: ao deixar o serviço, os chefes do Shin Bet, um após o outro, tornam-se abertamente defensores da «solução de dois Estados»".
Não só os ex-chefes do Shin Bet mas também os da Mossad (Serviços de Segurança Externa de Israel) se tornam críticos da política israelita quando passam à reforma. Avnery cita Tamir Pardo, anterior chefe da Mossad que considera que Israel caminha para uma guerra civil. “Isso, segundo ele, é agora a principal ameaça que Israel enfrenta. Na verdade, ele afirmou que esta é a única ameaça que resta. Essa afirmação significa que o chefe recente do Mossad não vê nenhuma ameaça militar a Israel - nem do Irão, nem do Daesh, nem de ninguém. Isto é um desafio directo ao principal esteio da política de Netanyahu: que Israel está cercado por inimigos perigosos e ameaças mortais.”
Pardo, citado por Avnery, considera que há um grande risco de ruptura entre uma “direita” com a sua base social mairitariamente assente nos judeus sefarditas e mizrahim, mais religiosa, nacionalista, belicista, favorável à anexação dos territórios ocupados e à expansão dos colonatos, e uma “esquerda”, onde se inserem preferencialmente os judeus ashkenazi, mais laica, orientada para a paz com os palestinos e o fim da ocupação.
Para Avnery, no exército, que poderia ser uma força unificadora do país, estão a perder influência as antigas chefias ashkenazi, mais moderadas que o poder politico, enquanto se verifica a ascensão de novos elementos, treinado na ideologia nacionalista, cujos oficiais usam o kipá e que produzem militares como o sargento Elor Azariya que matou um palestino quando já estava por terra, indefeso, gravemente ferido.
Perante esta perspectiva de ruptura, o que é que mantém a coesão da sociedade israelita? Avnery dá a resposta:
“O conflito, é claro. A ocupação. O perpétuo estado de guerra. Yitzhak Frankenthal, um pai enlutado e um pilar das forças de paz entre israelitas, apresentou uma fórmula esclarecedora: «O conflito israelo-árabe não foi imposto a Israel. Pelo contrário, Israel é que mantém o conflito, porque precisa dele para a sua própria existência». Isto poderia explicar a ocupação interminável e encaixa bem na teoria de Pardo da guerra civil iminente. Apenas o sentido de unidade criado pelo conflito pode impedir uma.”
Leia o artigo na íntegra aqui
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