«Territórios palestinos controlados por Israel na mira do Tribunal Penal Internacional (TPI)», por António Bernardo Colaço

1 - O Tribunal Penal Internacional (TPI), por decisão de 05.02.2021, reconheceu ter jurisdição sobre os territórios palestinos ocupados por Israel desde 1967, nomeadamente Gaza, Cisjordânia, e Jerusalém Oriental. Uma tal decisão vem na sequência do pedido formulado em 2019 pela Procuradora do TPI para investigar atos praticados naqueles territórios envolvendo ilícitos, nomeadamente crimes de guerra, praticados por membros das forças de Defesa e Autoridades israelitas, membros do Hamas e grupos armados. Estes ilícitos estão previstos no artigo 5º do Tratado de Roma de 17.07.1998 (entrado em vigor em 01.07.2002) ao abrigo do qual o TPI foi criado.

Reconhecendo, no seu preâmbulo, que o mundo dito civilizado tem sido palco de atrocidades cometidas contra pessoas indefesas, com a agravante da impunidade dos seus autores individuais, o TPI visa assegurar o primado dos direitos humanos elevados à dignidade internacional, por isso mesmo advogando o seu caráter permanente. O Tratado foi ratificado por 120 países, com 21 abstenções e a não adesão dos EUA, China, Israel, Iémen, Iraque, Líbia e Qatar.

É reconhecida a importância que as organizações internacionais assumem no concerto das Nações, como catalisadoras na moralização do convívio entre povos, impulsionando soluções e viabilizando corretores na busca de soluções justas para os problemas que afligem a humanidade. Na parte que ora importa destacar, não deixa por isso de se estranhar, como certos países se eximem a essa responsabilidade tendo sobretudo em conta o papel ativo que assumem em contextos onde os direitos humanos são postos em causa numa base de quase permanência.

2 - Contrariando a decisão proferida pelo TPI, Israel entende que Palestina não é um Estado e que a pretensão da Procuradora integra uma investida anti-semita, visando atentar contra o Estado Judeu. Já para o Hamas, a sua atuação naqueles nos territórios sob ocupação israelita configuraria uma via de autodefesa.

Qualquer que seja o posicionamento sobre o conflito israelo-palestino, a decisão do TPI resolve duas questões de princípio que importa reconhecer em definitivo.

Em 1º lugar, e ao contrário do defendido por Israel, Palestina é um Estado ao abrigo do artigo 125º(3) do Tratado. Na verdade, a Palestina tendo ratificado o protocolo em 02.01.2015 passou a ser o 123º Estado Membro a reconhecer a jurisdição do TPI. Sufraga-se para o efeito na Resolução nº 67/19 de 4.12.2012 da ONU que reconhece o Estado de Palestina com membro-observador. Decorre daí que por força do artigo 12º(2)(a) do Tratado, Palestina é para todos os efeitos um Estado em cujo território as condutas a investigar ocorreram.

Em 2º lugar, a circunstância de existir uma disputa de fronteiras (de Israel e da Palestina), não impede que Palestina seja tida como um Estado Membro para o TPI, baseado precisamente na referida resolução 67/19, onde é reconhecido o “direito do Povo Palestino à autodeterminação e independência no seu Estado de Palestina em território Palestino ocupado desde 1967” (itálico nosso).

3 - Chegados a este ponto, o nó górdio incide, pois, na definição da questão nevrálgica que marca a problemática jurisdicional que motiva a intervenção do TPI.

A resposta é dada pelo apelo que o próprio TPI faz à Resolução nº 72/160 de 23.01.2015 das ONU ao reafirmar que “o estabelecimento de colonatos israelitas em Territórios Palestinos Ocupados desde 1967, incluindo Jerusalém Oriental, não tem validade legal e constitui uma flagrante violação da lei internacional e um maior obstáculo para alcançar a solução de dois (2) Estados e uma paz justa, duradoura e compreensiva”, complementada pela ideia-força na “distinção entre o território do Estado de Israel e os territórios ocupados desde 1967” (Resolução nº 2334 de 13.12.2016).

É já tempo de os detratores da história prestarem contas à justiça.


O Dr. António Bernardo Colaço é Juiz-Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça – jubilado


Este artigo de opinião foi publicado no jornal Público em 16 de Março de 2021.


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