Solidariedade com a Palestina em Lisboa

Respondendo a um apelo de vinte organizações, com o MPPM, o CPPC e a CGTP-IN como primeiros promotores, centenas de pessoas reuniram-se na Praça Luís de Camões, em Lisboa, para assinalar o Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino.

Agitando bandeiras da Palestina ou empunhando cartazes reclamando o Fim do Muro do Apartheid, o Fim da Ocupação, Liberdade para os Presos Palestinos ou o Direito ao Retorno dos Refugiados, os manifestantes gritavam a sua certeza de que a Palestina Vencerá!

Não faltou uma componente internacional, com cartazes como “Where Are You, EU?”, “It Is Not About Being Anti-Semitic, It Is About Being Pro-Human Rights” ou “Free Palestine, End Apartheid”.

Registaram-se intervenções de Eduardo Lima, pelo CPPC, João Coelho, pela CGTP-IN, e Carlos Almeida, pelo MPPM.

Este é o texto da intervenção de Carlos Almeida:

Caras amigas

Caros amigos,

Em 1977, a Assembleia Geral das Nações Unidas fixou o dia 29 de Novembro como Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino. Ao fazê-lo, exactos trinta anos após a aprovação pela mesma Assembleia da resolução nº 181 que estabelecia o plano para uma partilha iníqua e injusta do território da Palestina em dois Estados, a Assembleia Geral da ONU assumia que os direitos inalienáveis do povo palestino continuavam por cumprir e, com isso, a situação no Mediterrâneo Oriental permanecia instável e um perigo para a segurança e a paz no mundo. Reafirmava-se, nessa ocasião, que a plena realização dos direitos nacionais do Povo Palestino implicava, como condição necessária e fundamental, o direito ao retorno e o direito à soberania e independência nacional, de harmonia com a Carta das Nações Unidas. 

Ao estabelecer a necessidade desse Dia Internacional de Solidariedade, a comunidade internacional confessava então ser fautora de uma dívida histórica com o Povo da Palestina, dívida cuja penas aquele povo suporta com uma insuperável dignidade e uma inesgotável determinação. Em 1947, poucos dias após a aprovação do plano de partilha, as milícias sionistas deram início a uma campanha de terror destinada a promover a limpeza étnica da Palestina, visando alcançar o objectivo da conquista do máximo de território com o mínimo de população: massacres orquestrados de aldeias, a destruição planeada de centenas de povoações, operações de intimidação que semearam o medo e provocaram o êxodo de muitas centenas de milhares de pessoas. Essa mesma campanha, brutal e insidiosa, indiscriminada, fria e calculada, continua hoje ainda, acontece todos os dias perante os nossos olhos.

Houve um tempo em que foi possível esconder o que acontecia com a população palestina submetido ao regime militar da potência ocupante, silenciar a dor e a luta dos que resistiam à barbárie, invisibilizar a própria existência de um povo com raízes fundas na terra que foi a dos seus antepassados, e semear mentiras e falsidades como o refrão célebre de «Uma Terra Sem Povo Para Um Povo Sem Terra». Hoje, isso não é mais possível. A realidade está aí, à distância de um clique.

Ninguém pode reclamar ignorância, ninguém pode dizer que desconhecia. Ninguém, na verdade, com responsabilidade, pode atrever-se a dizê-lo.

Porque os relatos do quotidiano de luta e sacrifício do Povo Palestino e da brutalidade do estado de Israel chegam-nos todos os dias. Não é mais possível fazer de conta que se desconhece o avanço continuado da colonização sionista nos territórios palestinos ocupados em 1967, ou que se ignora a luta das comunidades palestinas ameaçadas pelas ordens de demolição das suas casas; ninguém pode dizer que não conhece a violência dos colonos sobre os camponeses palestinos que, por esta altura do ano, tratam da apanha da azeitona e que tantas vezes se confrontam com as suas oliveiras queimadas ou decepadas; ninguém pode fazer de conta que não vê a angústia das mães que se despedem dos seus filhos pela manhã, sem saberem se voltarão a vê-los ao final do dia; ninguém pode fingir que não ouviu falar das crianças ameaçadas no caminho para a escola e tantas vezes feitas prisioneiras; ninguém pode ignorar as humilhações nos check-points, as rusgas pela noite, as torturas nas prisões, as greves de fome dos homens e mulheres em prisão administrativa, sem culpa nem acusação, sem a assistência de um advogado nem o conhecimento da família sobre o seu paradeiro; ninguém pode alegar desconhecimento sobre o drama da população palestina da faixa de Gaza, submetida a um bloqueio cruel e desumano, nem, menos ainda, a inominável violência dos bombardeamentos sobre aquela população como o que ocorreu em Maio deste ano; ninguém pode dizer que não conhece a precariedade e os dramas que enfrenta a população nos campos de refugiados, na Palestina, no Líbano ou na Síria, na Jordânia e na diáspora espalhada pelo mundo; ninguém pode ignorar a discriminação e o regime de segregação a que estão sujeitos os palestinos dentro das fronteiras do estado de Israel.

Por isso, a passividade e a tibieza são, hoje, ainda mais inquietantes, a ambivalência e equidistância mais inaceitáveis, a dissimulação e a cobardia mais insuportáveis, as palavras vazias mais insultuosas, a cumplicidade mais condenável. De tudo isso um pouco, lamentavelmente, têm dado mostras os sucessivos governos no nosso país. Porque, se Portugal, país soberano e independente, é parte do sistema das Nações Unidas, a ele lhe cabe também uma parte da responsabilidade que este Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino encerra, desde o momento da sua instituição. A Constituição da República Portuguesa – o documento matricial a que estão obrigados todos os titulares de órgãos de soberania – estabelece de maneira clara e inequívoca que Portugal se rege “nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados”, que “preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos” e que “reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão”.

Se assim é, como explicar que Portugal, ao arrepio da recomendação aprovada pela Assembleia da República, em 2014, continue sem acompanhar os mais de 130 países que reconhecem o estado da Palestina? Que não exista uma acção diplomática clara, coerente e consistente, orientada para a defesa e promoção dos direitos inalienáveis do Povo Palestino? Que justificação pode haver para a ausência de palavras claras, inequívocas, simples, de condenação de Israel como merece a sua prática reiterada de desafio à lei internacional, incluindo as centenas de resoluções das Nações Unidas? O que pode explicar a falsa equidistância e a artificialidade das fórmulas diplomáticas quando, em Maio último, as bombas caiam sobre Gaza, vitimando de forma indiscriminada, crianças ou jornalistas, famílias inteiras? A que título os governos do nosso país recebem em Portugal dignatários de um estado que se comporta como inimputável? Que interesse nacional justifica o aprofundamento das relações políticas, comerciais, científicas e culturais com um estado que oprime, ocupa e reprime, segrega, humilha, tortura e mata homens e mulheres, velhos e jovens, de forma fria, insensível e administrativamente regulamentada? 

As decisões que nos competem sobre a nossa vida colectiva, as que em breve seremos chamados a tomar enquanto comunidade política, relacionam-se, também, com o país que queremos ser, com o lugar que desejamos que Portugal ocupe na cena internacional, observante do direito internacional ou ao lado dos que sistematicamente o violentam, soberano nas suas decisões ou submisso perante a chantagem e subserviente ante os poderes, determinadamente comprometido com a luta dos povos pela sua liberdade, ou protegendo com o silêncio e a inacção os que oprimem outros povos, firmes e coerentes herdeiros do legado libertador do 25 de Abril, contra o fascismo e o colonialismo, ou, pelo contrário, serventuários de velhas e pouco novas formas de dominação e exploração? Aos titulares dos órgãos de soberania, os actuais e os que vierem a ser eleitos, queremos dizer, os que aqui estamos, os que nos acompanham na concentração que decorre no Porto, os que aqui não podendo estar se revêm nestes princípios, que, activos e vigilantes, continuaremos a exigir deles o compromisso político a que estão obrigados por imperativo constitucional em favor do Povo Palestino e da sua luta.

Nós, os que fazemos da solidariedade uma prática diária, reunimo-nos aqui, hoje e sempre, para prestar público testemunho da nossa admiração e do respeito profundo que nos merece a gesta heróica e secular do povo palestino. Os que não traficamos princípios por conveniências circunstanciais e enganosas, os que não cedemos às chantagens, os que não vacilamos frente ao condicionamento da opinião, tomamos partido, escolhemos com convicção o lugar onde estamos, onde queremos estar, que é sempre o lugar do oprimido.  Os que consideramos inviolável o direito de cada povo escolher os caminhos da sua luta, reafirmamos a solidariedade de sempre com a resistência do Povo Palestino em todas as suas formas. Os que entendemos a democracia como um exercício quotidiano de intervenção social, norteados pelos valores da liberdade, da amizade e da cooperação entre os povos, queremos reiterar o nosso firme compromisso em reforçar e alargar o movimento de solidariedade com a causa do Povo Palestino.

Desta tribuna queremos saudar as organizações que connosco partilham a convocatória deste acto de solidariedade, a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional e o Conselho Português para a Paz e a Cooperação. Estendemos esta saudação a todas as organizações e colectivos que contribuíram para a sua divulgação, a todos e a todas, amigos e amigas, que se juntaram neste acto, simbólico mas profundo de significado, a todos e todas que um pouco por todo o país dão a sua contribuição no esclarecimento, na denúncia dos crimes da ocupação, na divulgação da luta do Povo Palestino, da sua história, da sua arte e da sua cultura. E apelamos ao estreitamento de laços e ao reforço de convergências para reforçar o movimento de opinião solidário com o Povo Palestino, um movimento que alargue a consciência cívica e seja capaz de impor uma política consistente orientada para a defesa e promoção da causa nacional palestina.

Levantemos bem alto a bandeira palestina! Que o vento leve a voz solidária do Portugal de Abril até aos cárceres de Israel, aos campos de refugiados, aos bairros de Gaza, às vielas de Jerusalém e Hebron, aos campos e às Universidades da Palestina. Que lá se ouça o grito que daqui lançamos: Palestina Vencerá!
 

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