«Por que são os Colonatos um Problema para Benjamin Netanyahu», por Victor Kattan

Em 18 de Novembro, o Secretário de Estado americano Mike Pompeo anunciou que «O estabelecimento de colonatos civis israelitas na Cisjordânia não é, por si só, incompatível com o direito internacional». A declaração foi generalizadamente vista como um presente político de um político atolado em problemas legais para outro, mas também causou furor internacional, pois marcou um afastamento drástico em relação a declarações anteriores dos EUA sobre a legalidade dos colonatos de Israel na Cisjordânia. A posição legal dos EUA foi primeiramente tornada pública num parecer jurídico do Departamento de Estado de 1978, que concluiu que o estabelecimento de colonatos civis nos territórios ocupados por Israel em Junho de 1967, que incluía Jerusalém Oriental, era «inconsistente com o direito internacional».

A conclusão desse parecer legal foi posteriormente aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU em várias resoluções, que reafirmaram que Israel é a potência ocupante em Jerusalém Oriental, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Consistente com estas resoluções do Conselho de Segurança, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), o principal órgão judicial das Nações Unidas, concluiu no parágrafo 120 do seu parecer de 2004 sobre o Muro que «os colonatos israelitas nos Territórios Palestinos Ocupados (incluindo Jerusalém Oriental) foram estabelecidos em violação do direito internacional».

Dada a quase unanimidade da opinião jurídica sobre a ilegalidade dos colonatos de Israel em todos os territórios ocupados por Israel em 1967, durante muitas décadas, não foi surpreendente que a declaração de Pompeo tenha sido amplamente criticada, não só pela liderança palestina, mas também por aliados próximos dos Estados Unidos, incluindo o Canadá e o Reino Unido. Uma resolução omnibus recentemente adoptada por uma maioria esmagadora da Assembleia Geral da ONU confirmou que Israel continua a ser a potência ocupante em Jerusalém Oriental, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.

Significativamente, a declaração de Pompeo referia-se apenas aos colonatos civis israelitas na Cisjordânia. Dado que nenhuma opinião legal foi publicada pela administração Trump justificando a mudança de política, é difícil avaliar se a referência à Cisjordânia inclui Jerusalém Oriental. Antes da declaração do Presidente Trump sobre Jerusalém, a posição consistente dos EUA tinha sido que Jerusalém Oriental era parte da Cisjordânia; isto é, território ocupado por Israel na guerra de 1967. Como explicou o ex-secretário de Estado americano John Kerry, «todos os governos americanos desde 1967, assim como toda a comunidade internacional, reconheceram Jerusalém Oriental como um dos territórios que Israel ocupou na Guerra dos Seis Dias». Por isso, a actividade dos colonatos israelitas em Jerusalém Oriental tinha sido condenada em todas as resoluções anteriores da ONU referentes a Jerusalém, que os EUA ou votaram a favor ou se abstiveram de votar. Estas incluíam a resolução 298 adoptada durante a administração Nixon, que criticou a «transferência de populações» para a secção ocupada da «Cidade de Jerusalém» (os EUA votaram a favor da resolução sete anos antes de o Departamento de Estado publicar o seu parecer legal de 1978 sobre os colonatos); a resolução 465 adoptada durante a administração Carter, que determinou que «as políticas e práticas de Israel de estabelecer partes da sua população e novos imigrantes» nos territórios palestinos, «incluindo Jerusalém», era uma violação da Quarta Convenção de Genebra (os EUA votaram a favor da resolução); e a resolução 2334, na qual a administração Obama se absteve, que reafirmou que «o estabelecimento por Israel de colonatos no território Palestino ocupado desde 1967, incluindo Jerusalém Oriental, não tem validade legal».

Um dos aspectos mais intrigantes do anúncio de Pompeo sobre os colonatos foi a sua oportunidade: a nova política foi anunciada apenas três dias depois de ter passado o prazo para os EUA apresentarem a sua contestação ao Tribunal Internacional de Justiça no processo Palestina vs. Estados Unidos da América, no qual a Palestina contesta a legalidade da decisão da administração Trump de transferir a sua embaixada de Tel Aviv para Jerusalém. O caso podia ser significativo, pois o TIJ podia dizer algo sobre o estatuto dos territórios ocupados por Israel desde 1967, e se existe um Estado Palestino onde Israel tenha estabelecido mais de duzentos colonatos em Jerusalém Oriental e na Cisjordânia.

O anúncio de Pompeo também veio uma semana depois de o Tribunal Europeu de Justiça ter decidido que a presença de Israel na Cisjordânia era a de «uma potência ocupante» e «não ... uma entidade soberana» num caso sobre a rotulagem errada dos produtos dos colonatos na União Europeia. Isto seguiu-se a uma decisão anterior de um Tribunal Federal canadiano, que decidiu que os vinhos dos colonatos judeus na Cisjordânia não deviam ter rótulos que dissessem que eram de Israel, pois isso enganava os consumidores.

Por outras palavras, não só existe uma opinião legal quase consensual de que o estabelecimento de colonatos na Cisjordânia é ilegal, apesar da declaração de Pompeo, mas a sua ilegalidade chegou agora aos tribunais, cujas decisões podem ter consequências económicas prejudiciais para o projecto dos colonatos de Israel. Isto é especialmente significativo porque existem, em Israel, preocupações de que os consumidores europeus e canadianos possam começar a exercer uma medida de discriminação, por razões éticas, na decisão de comprar produtos rotulados como originários de colonatos israelitas na Cisjordânia.

Há um outro problema, ainda mais alarmante, para os apoiantes do projecto israelita de colonatos: a investigação preliminar em curso pela Procuradora do Tribunal Penal Internacional (TPI) sobre a situação na Palestina. Em Janeiro deste ano, The Jerusalem Post publicou um artigo sobre os esforços da Organização Sionista da América (ZOA) para persuadir o Congresso e o Departamento de Estado dos EUA «a rescindir a sua famosa opinião legal, com 41 anos de idade, de que os colonatos na Cisjordânia são inconsistentes com o direito internacional». Esta foi uma referência ao parecer jurídico do Departamento de Estado de 1978. Segundo o Post, a direcção da ZOA tinha receio que o parecer jurídico «pudesse ser a base perante o Tribunal Penal Internacional de Haia de qualquer potencial processo por crimes de guerra no que diz respeito à actividade dos colonatos».

Como braço representativo da Organização Sionista Mundial (WZO) nos Estados Unidos, a ZOA parecia ter agido a pedido do governo israelita na tentativa de reverter a política dos EUA em relação aos colonatos. De acordo com um relatório oficial do governo israelita datado de 8 de Março de 2005 (e outro relatório governamental datado de 9 de Julho de 2012), as autoridades envolvidas no planeamento e construção dos colonatos incluem «a Divisão de Colonatos da Organização Sionista Mundial». Um relatório publicado pela B'Tselem explica que a Divisão de Colonatos da WZO é composta por «um número igual de ministros dos ministérios relevantes do governo e membros do Executivo da WZO». Em 2013, o relatório da missão de averiguação internacional independente nomeada pelo Conselho de Direitos Humanos [da ONU] para investigar os colonatos israelitas, descreveu a WZO como uma «organização quasi-governamental, financiada pelo governo», que também era responsável por fornecer «fundos para os colonatos». Assim, as estreitas ligações entre o governo israelita e a Divisão de Colonatos da WZO, ambos envolvidos no projecto de colonatos da Cisjordânia, poderiam expô-los à investigação no TPI.

Embora o TPI só tenha jurisdição para examinar as actividades de colonatos realizadas no território da Palestina desde 1 de Abril de 2015 (quando a adesão da Palestina ao Estatuto de Roma entrou em vigor), a Procuradora ainda poderia considerar as actividades de colonatos de Israel antes dessa data se concluir que se trata de um crime contínuo. Mas mesmo que a Procuradora tivesse uma visão restritiva, e olhasse apenas para as actividades dos colonatos de Israel depois de 2015, está bem documentado que o governo israelita acelerou as suas actividades de colonatos nos últimos cinco anos. De facto, só no último ano, os dados mostraram que despesa com os colonatos, no primeiro trimestre, foi  a maior de igual período na última década.

Em 2017 o governo Netanyahu até apoiou a adopção da Lei de Regulamentação de Colonatos, cujo objectivo é «legalizar» colonatos israelitas construídos em terras privadas palestinas, por meio de regulamentação retroactiva de expropriações, planeamento e zoneamento. O artigo 1 da Lei de Regulamentação deixa claro que seu objectivo principal é «regular os colonatos israelitas na Judeia e Samaria [a Cisjordânia] e permitir o seu contínuo estabelecimento e desenvolvimento» (ênfase adicionada). A lei parece ter adoptado as controversas conclusões do relatório Levy de 2012, que recomendou, entre outras coisas, que a legislação de segurança fosse revista para permitir que os israelitas comprassem directamente terras na Cisjordânia, em vez de através de uma empresa registada no território. Antes de fazer esta recomendação, o relatório concluiu que «as disposições da Quarta Convenção de Genebra de 1949, relativas à transferência de populações, não podem ser consideradas aplicáveis, e nunca tiveram a intenção de se aplicar ao tipo de actividade de colonização realizada por Israel na Judeia e Samaria».

A Lei de Regulamentação de Colonatos tem por objectivo facilitar a anexação de território ocupado e, por isso, aparenta cair plenamente no disposto no Artigo 8.2(b) do Estatuto de Roma, que define os crimes de guerra como violações graves das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais quando cometidos como parte de um plano ou política, e que se estendem à «Transferência, directa ou indirecta, pela Potência Ocupante de partes da sua própria população civil para o território que ocupa...».

Quando a Lei de Regulamentação de Colonatos estava a ser debatida pelo gabinete de segurança antes de ser debatida no Knesset, Netanyahu e o Ministro da Defesa Avigdor Lieberman foram especificamente avisados pelo Procurador Geral Avichai Mendelblit e seu adjunto de que a aprovação do projecto de lei poderia levar a acções contra Israel no TPI. Aparentemente, Netanyahu e Lieberman concordaram com seus conselheiros, e disseram que se a «Lei de Regularização» fosse aprovada, «a Procuradora do TPI poderia decidir aceitar a queixa palestina no final de sua investigação preliminar, e abrir uma investigação plena contra os líderes israelitas pelo seu envolvimento nas decisões relativas à construção de colonatos». Apesar de saber que o Ministério Público estava a estudar a possibilidade de responsabilidade criminal em relação aos colonatos, alguns dias depois, Netanyahu apoiou a primeira votação a favor do projecto de lei, que se tornou lei em 6 de Fevereiro de 2017.

A percepção de que a ilegalidade dos colonatos, após a adopção da resolução 2334 do Conselho de Segurança, poderia ter sérias consequências para o governo israelita, e para as agências suas afiliadas e órgãos envolvidos no seu planeamento e construção, parece ter estimulado o governo israelita a agir. Isto é especialmente importante porque o Tribunal Supremo de Israel nunca decidiu sobre a legalidade, à luz do direito internacional, dos colonatos construídos em terras públicas na Cisjordânia, já que o direito e a jurisprudência israelitas não os proíbem. (Em relação ao estabelecimento de colonatos em terras privadas palestinas, o Tribunal Supremo só decidiu no caso Elon Moreh (1979) que eles eram ilegais se o seu estabelecimento não pudesse ser justificado para um propósito militar). Portanto, para a grande maioria dos colonatos, não pode haver questão de «complementaridade» na consideração do TPI sobre se o caso da Palestina é admissível ao abrigo do Artigo 17 do Estatuto de Roma, uma vez que os tribunais de Israel não parecem estar dispostos ou ser competentes para julgar o crime. A referência às centenas de colonatos e «postos avançados» não autorizados estabelecidos por Israel em Jerusalém Oriental e na Cisjordânia desde 1967 no relatório sobre as actividades de investigação preliminar para 2019, publicado pelo Gabinete da Procuradora, pode indicar que está inclinado a classificar os colonatos como um crime contínuo.

Dada a estreita relação entre o embaixador dos EUA em Israel, David Friedman, e o lobby dos colonos, que pediu explicitamente a aplicação das leis de construção israelitas à Cisjordânia sem precisar da aprovação da Administração Civil de Israel, o «repúdio» do parecer legal do Departamento de Estado de 1978 pelo Secretário de Estado deve ser entendido à luz da preocupação muito real em Israel de que a Procuradora possa abrir uma investigação sobre as actividades do governo israelita, bem como das agências suas afiliadas e órgãos envolvidos no empreendimento dos colonatos. Talvez o lobby dos colonos espere que a articulação pública desta opinião legal revista, combinada com a postura agressiva da administração Trump em relação ao TPI em geral, e o apoio robusto de Trump a Netanyahu, impeça a Procuradora de tomar outras medidas.

Se for esse o caso, é provável que tenham ficado desapontados com o último aviso da Procuradora ao governo israelita sobre a anexação do Vale do Jordão. Nas palavras de Roy Schondorf, Procurador-Geral Adjunto para Assuntos Internacionais de Israel, o apelo de Netanyahu para anexar o Vale do Jordão «exporia todos os funcionários israelitas que trabalham na Cisjordânia à acusação [no TPI], incluindo os chefes dos conselhos locais e regionais».

Este artigo foi originalmente publicado no site Just Security do Center for Human Rights and Global Justice da New York University School of Law em 19 de Dezembro de 2019. Tradução do MPPM.

Os artigos assinados publicados nesta secção, ainda que obrigatoriamente alinhados com os princípios e objectivos do MPPM, não exprimem necessariamente as posições oficiais do Movimento sobre as matérias abordadas, responsabilizando apenas os respectivos autores.
 

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