«Por que é necessária uma solidariedade activa com o povo da Palestina», por Jorge Cadima
Boa tarde a todos
Gostaria em primeiro lugar de, em nome do MPPM, transmitir a todos vós saudações pela vossa presença neste belo e importante Encontro pela Paz.
No mês passado a realidade da guerra foi mais uma vez evidente em terras da Palestina. Infelizmente é assim há muitos anos, há demasiados anos. E é assim também há muitos anos em todo o Médio Oriente.
Após onze dias de brutais bombardeamentos de Israel - uma das maiores forças armadas do planeta - sobre a martirizada Faixa de Gaza - a maior prisão a céu aberto do planeta - as bombas pararam, para já, de cair.
Ficou o terrível saldo de 250 mortos, dos quais mais de 60 crianças, de milhares de feridos e de centenas de desalojados como resultado da destruição propositada das suas casas, incluindo a destruição de várias torres de apartamentos. Ficou a destruição de infra-estruturas de ensino e de saúde e ficaram também as marcas que tudo isto deixa nas crianças, nos mais vulneráveis e nas famílias e amigos das vítimas.
Mas se os bombardeamentos pararam para já com o cessar-fogo, permanece tudo o resto que está na origem do drama do povo palestino e, que a não ser resolvido, irá gerar mais violência num futuro próximo.
Porque a realidade é que o que que acaba de acontecer na Palestina já aconteceu muitas outras vezes ao longo de décadas. E aconteceu ou está a acontecer neste momento, com características naturalmente diferentes, no Iraque, na Síria, no Líbano, na Líbia, no Iémen, no Afeganistão.
Infelizmente é muito provável que volte a acontecer e arriscamo-nos a que volte de novo a acontecer noutros países da região como o Irão.
E aqui, neste painel de solidariedade e cooperação, creio que é importante começar por salientar o trabalho de acudir às vítimas das guerras, aos que ficam sem casa, aos que têm de fugir dos teatros de guerra. E sabemos que há, entre nós, organizações com trabalho muito meritório neste campo, que urge prosseguir e apoiar.
Mas é necessário que a solidariedade se dirija também para as causas das guerras e para pôr fim às guerras. Porque o que creio que todos nós gostaríamos mais, era que não fosse necessária aquela faceta da solidariedade que acode às vítimas das guerras porque teria deixado de haver vítimas de guerra, porque teria deixado de haver guerras.
Neste aspecto creio que nós devemos parar para reflectir sobre o porquê destas guerras e o que é que nos conduz a esta situação.
Não é por falta de resoluções, convenções internacionais, tratados, normas do Direito Internacional – que são da maior importância – mas não é por falta destes instrumentos que existem estas guerras. O que podemos dizer é que estas guerras existem porque há falta de vontade para concretizar e respeitar estes instrumentos, estes acordos, estas convenções, desde logo a Carta das Nações Unidas.
E há falta de vontade porque há governos, infelizmente muitos governos, nomeadamente de grandes potências, que procuram através das guerras satisfazer os apetites de cobiça, de controlo das riquezas, para satisfazer os interesses de uma pequena minoria da humanidade à custa da esmagadora maioria da humanidade.
É assim também no Médio Oriente. E como vemos, e temos visto ao longo destas décadas, quantas vezes as guerras se baseiam em campanhas de mentiras e de invenções que envolvem falsos pretextos humanitários para desencadeá-las e que deixam atrás de si um rasto de dramas e tragédias humanitárias, essas sim bem reais.
Portanto, é necessário que sejam os povos a entrarem em acção para exigirem dos seus governos que respeitem o direito internacional, que respeitem a Carta da ONU, que respeitem os seus princípios de resolução de conflitos, que respeitem a soberania – eu gostava de sublinhar esta ideia – o respeito pela soberania dos povos e países.
Não é tolerável que desde há 73 anos a chamada comunidade internacional prometa a criação de um Estado da Palestina mas que este nunca veja a luz do dia.
Não é tolerável que há anos se condenem os ilegais colonatos israelitas em território palestino ocupado mas que a sua construção prossiga, dia após dia, mês após mês, ano após ano, na indiferença dos governos que dizem condená-los.
É intolerável que dois milhões de pessoas, na sua maioria refugiados de 73 anos dessas guerras, continuem a viver encarceradas na Faixa de Gaza – a Faixa de Gaza que tem um território inferior ao do nosso vizinho concelho de Palmela – em condições inadmissíveis.
Não é tolerável que prossiga a construção daquele Muro do Apartheid que retalha a Cisjordânia e que há muitos anos o Tribunal Internacional de Justiça da Haia considerou ilegal.
É intolerável que continue a haver palestinos expulsos das suas casas como ainda recentemente aconteceu num dos bairros de Jerusalém Leste, nomeadamente Sheikh Jarrah.
É inadmissível que o Estado de Israel, o maior violador das resoluções das Nações Unidas – dessas mesmas Nações Unidas que em 1947 deram vida ao Estado de Israel – continue a receber um tratamento especial e a gozar duma impunidade total face aos seus inúmeros crimes.
É inaceitável que continue, por exemplo, a gozar dos financiamentos da União Europeia ao abrigo do Acordo de Associação União Europeia-Israel.
É inadmissível que o governo português ainda não tenha reconhecido o Estado da Palestina, como já foi recomendado pela Assembleia da República.
É inadmissível que em plenos bombardeamentos da Faixa de Gaza, durante estes onze dias, o novo presidente dos Estados Unidos, imitando o seu antecessor, tenha decidido o financiamento militar – sublinho militar – a Israel no valor de 735 milhões de dólares.
É inadmissível que, violando explicitamente as resoluções da ONU, o anterior presidente dos Estados Unidos, Trump, tenha transferido a embaixada dos Estados Unidos em Israel para a cidade de Jerusalém e que o actual presidente tenha decidido que assim continuar a ser.
É inadmissível que se continue a aceitar a ocupação de uma parte do território sírio por Israel, os Montes Golã, ocupação essa que dura há 54 anos.
É inaceitável que nos dias de hoje novas e extensas partes do território sírio estejam sob ocupação militar dos Estados Unidos da América, da Turquia e de outras potências estrangeiras em violação do direito internacional.
E falando da Síria, é inaceitável que os nossos governos continuem a apoiar, a financiar, a armar bandos fundamentalistas que são responsáveis, entre outros crimes, pela perseguição das seculares comunidades cristãs que vivem naquele país.
É inadmissível que a comunidade internacional assista impávida aos sistemáticos bombardeamentos de território palestino e de território sírio por parte de Israel ou que até participe nesses bombardeamentos como já aconteceu em anos recentes noutros países do Médio Oriente.
É inadmissível que prossiga a terrível guerra no Iémen, uma guerra em que as mais ricas petromonarquias árabes, com o apoio de potências ocidentais, há anos estão a bombardear e a destruir o mais pobre dos países árabes.
E voltando à Palestina creio que devemos sublinhar que ninguém pode dizer que tenha sido por falta de vontade do povo palestino em aceitar o caminho do diálogo, em aceitar o caminho das soluções políticas, em aceitar inclusivamente concessões dolorosas, não é por essa falta de vontade de diálogo do lado palestino que não há paz.
Os palestinos, na década de 1980, aceitaram uma dolorosíssima concessão: aceitaram a existência do Estado de Israel e aceitaram que a criação de um Estado da Palestina, o tal prometido Estado da Palestina, fosse constituído em apenas 22% do território histórico da Palestina.
Desde então seguiram-se décadas de chamadas negociações, de acordos, como Oslo e todo um sem fim de acordos. E no final disso tudo, assistimos ao quê? Assistimos ao incumprimento sistemático desses acordos – mesmo quando assinados pelos Estados Unidos da América e por Israel.
Perante isto tudo, a pergunta que temos de fazer é: que mais se pode pedir ao martirizado povo da Palestina, que mais se pode pedir a um povo que há 73 anos foi expulso das suas casas, das sua terras, e que aguarda o cumprimento dessas promessas que há três quartos de século lhe são feitas e que nunca mais são concretizadas?
Creio que, perante esta tremenda injustiça histórica, o que podemos pedir ao povo da Palestina é que continue a resistir, que continue a resistir para bem do povo da Palestina, mas também para nosso próprio bem, que continue a resistir contra a injustiça, contra a opressão, contra a mentira, contra a sistemática violação de toda e qualquer promessa que lhe foi feita.
Mas não temos o direito de pedir essa resistência se não estivermos também disponíveis para prestar a nossa solidariedade activa a essa resistência. E creio que é preciso também em Portugal continuar a construir um movimento de solidariedade com o povo da Palestina e com a sua resistência que obrigue os nossos governantes a respeitar o direito internacional, a respeitar as suas promessas e as suas palavras, a respeitar os votos que aprovam em numerosas instâncias.
A solidariedade com o povo da Palestina e com os povos do Médio Oriente não é fácil. E podemos dizer que não é fácil porque hoje vivemos tempos em que qualquer crítica que seja feita ao Estado de Israel corre o risco de ser tratada como anti-semitismo, uma acusação obviamente falsa, obviamente ignóbil, mas já vimos o poder que essas campanhas têm, nomeadamente na forma como foi tratado o dirigente trabalhista britânico Jeremy Corbyn, acusado incompreensivelmente de anti-semitismo, mas cujo real “crime” era a sua simpatia pela causa do povo da Palestina.
Vimos como, no auge dos bombardeamentos sobre Gaza, em França foram proibidas e reprimidas manifestações de solidariedade na rua. Vimos como em França, naqueles mesmos dias, um dirigente duma das associações de solidariedade com a Palestina foi preso pela polícia à saída de uma entrevista com um Ministro a quem tinha ido entregar uma declaração de solidariedade.
Já vimos aqui ao lado, em Espanha, dirigentes de organizações de solidariedade com a Palestina serem levados a tribunal por recolha de fundos solidárias com organizações representadas no parlamento da Palestina.
Já vimos, na Alemanha, ameaças de expulsão do país a cidadãos de origem palestina se participassem em iniciativas de solidariedade. E estamos a assistir cada vez mais, e por toda a parte, à censura, ao corte nas redes sociais e noutros meios da internet, de comunicações, de sites de apoio à luta do povo da Palestina e de denúncia daqueles crimes.
Portanto, esta solidariedade de que falávamos é da maior importância e é cada vez mais necessária.
Em primeiro lugar, para defender o martirizado e massacrado povo da Palestina e para defender a Paz no Médio Oriente, porque não haverá paz no Médio Oriente sem a resolução da questão palestina. E quando dizemos defender a paz no Médio Oriente, dizemos defender a paz no nosso planeta.
Mas também, e não menos importante, para defender a democracia e a liberdade nos nossos próprios países, cada vez mais atingidos por estas vagas autoritárias a que temos assistido.
Muito obrigado.
Jorge Cadima é professor universitário e membro da Direcção Nacional do MPPM
Este é o texto da intervenção de Jorge Cadima no Painel 3 – Solidariedade e Cooperação do II Encontro pela Paz realizado em Setúbal em 5 de Junho de 2021
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