Peritos da ONU exigem que a comunidade internacional assuma a sua responsabilidade perante a ameaça israelita de anexação de território palestino

Quarenta e sete peritos independentes do corpo de relatores especiais (*) de Direitos Humanos da ONU tornaram ontem pública uma declaração em que reclamam uma acção internacional urgente para contrariar o plano de Israel para anexar, a partir de 1 de Julho, grande parte da Cisjordânia palestina ocupada.

Na sua declaração, publicada na página oficial da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, advertem: «A comunidade internacional tem responsabilidades jurídicas e políticas solenes na defesa de uma ordem internacional baseada em regras, na oposição às violações dos direitos humanos e dos princípios fundamentais do direito internacional e na aplicação das suas muitas resoluções que criticam a conduta de Israel relativamente a esta ocupação prolongada. Em especial, os Estados têm o dever de não reconhecer, ajudar ou assistir outro Estado em qualquer forma de actividade ilegal, como a anexação ou a criação de colonatos civis em território ocupado. As lições do passado são claras: uma crítica sem consequências não irá impedir a anexação nem pôr termo à ocupação.»

Começando por recordar que «a anexação de território ocupado constitui uma grave violação da Carta das Nações Unidas e das Convenções de Genebra e é contrária à regra fundamental muitas vezes afirmada pelo Conselho de Segurança e pela Assembleia Geral das Nações Unidas de que a aquisição de território pela guerra ou pela força é inadmissível», os subscritores, depois de enunciarem a longa lista de atentados aos direitos humanos dos palestinos cometidos por Israel em 53 anos de ocupação, apelam a uma intervenção activa da comunidade internacional para evitar o que designam por «um apartheid do século XXI»:

«A responsabilização e o fim da impunidade devem tornar-se uma prioridade imediata para a comunidade internacional. O Conselho de Segurança das Nações Unidas dispõe de uma vasta lista de medidas de responsabilização que têm sido amplamente e com êxito noutras crises internacionais ao longo dos últimos 60 anos. As medidas de responsabilização seleccionadas devem ser tomadas em plena conformidade com o direito internacional, ser proporcionadas, eficazes, sujeitas a revisão periódica, coerentes com os direitos humanos, o direito humanitário e o direito dos refugiados e concebidas para desfazer as anexações e levar a ocupação e o conflito a uma conclusão justa e duradoura. Os palestinos e os israelitas não merecem menos.»


(*) Os relatores especiais fazem parte dos chamados Procedimentos Especiais do Conselho dos Direitos Humanos da ONU. Procedimentos Especiais, o maior órgão de peritos independentes do sistema de direitos humanos da ONU, é o nome genérico dos mecanismos independentes de investigação e de supervisão do Conselho que abordam quer situações de países específicos quer questões temáticas em todas as partes do mundo. Os peritos em procedimentos especiais trabalham numa base voluntária; não são funcionários da ONU e não são remunerados pelo seu trabalho. São independentes de qualquer governo ou organização e prestam serviço a título individual.


Este é o texto integral da declaração numa tradução de responsabilidade do MPPM:

A anexação israelita de partes da Cisjordânia palestina violaria o direito internacional - Peritos da ONU apelam à comunidade internacional para que garanta a responsabilização

GENEBRA (16 de Junho de 2020) - O acordo do novo Governo de coligação de Israel para anexar partes significativas da Cisjordânia ocupada, após 1 de Julho, violaria um princípio fundamental do direito internacional e deve merecer a oposição significativa da comunidade internacional, afirmaram hoje peritos da ONU. Quarenta e sete dos relatores independentes do corpo de Procedimentos Especiais nomeados pelo Conselho dos Direitos Humanos emitiram a seguinte declaração:

«A anexação de território ocupado constitui uma grave violação da Carta das Nações Unidas e das Convenções de Genebra e é contrária à regra fundamental muitas vezes afirmada pelo Conselho de Segurança e pela Assembleia Geral das Nações Unidas de que a aquisição de território pela guerra ou pela força é inadmissível. A comunidade internacional proibiu a anexação precisamente porque esta incita a guerras, à devastação económica, à instabilidade política, a violações sistemáticas dos direitos humanos e ao sofrimento humano generalizado.

Os planos de anexação declarados por Israel alargariam a soberania à maior parte do Vale do Jordão e a todos os mais de 235 colonatos israelitas ilegais na Cisjordânia. Isto representaria aproximadamente 30 por cento da Cisjordânia. A anexação deste território foi aprovada pelo Plano americano de Paz para a Prosperidade, divulgado em finais de Janeiro de 2020.

As Nações Unidas afirmaram em muitas ocasiões que a ocupação israelita, que dura há 53 anos, é a fonte de profundas violações dos direitos humanos contra o povo palestino. Estas violações incluem o confisco de terras, a violência dos colonos, leis de planeamento discriminatórias, o confisco de recursos naturais, demolições de casas, transferência forçada de população, uso excessivo da força e tortura, exploração laboral, violações extensas dos direitos à privacidade, restrições aos meios de comunicação social e à liberdade de expressão, os ataques contra mulheres activistas e jornalistas, a detenção de menores, o envenenamento por exposição a resíduos tóxicos, as expulsões e deslocações forçadas, a privação económica e a pobreza extrema, a detenção arbitrária, a falta de liberdade de circulação, a insegurança alimentar, a aplicação discriminatória da lei e a imposição de um sistema a dois níveis de direitos políticos, jurídicos, sociais, culturais e económicos díspares, baseados na etnicidade e na nacionalidade. Os defensores dos direitos humanos palestinos e israelitas, que chamam pacificamente a atenção do público para estas violações, são difamados, criminalizados ou rotulados como terroristas. Acima de tudo, a ocupação israelita significou a negação do direito à autodeterminação palestina.

Estas violações dos direitos humanos ainda se intensificariam após a anexação. O que restaria da Cisjordânia seria um Bantustão palestino, ilhas de terra desligadas, completamente rodeadas por Israel e sem qualquer ligação territorial com o mundo exterior. Israel prometeu recentemente que manterá um controlo de segurança permanente entre o Mediterrâneo e o rio Jordão. Assim, a manhã após a anexação seria a cristalização de uma realidade já injusta: dois povos que vivem no mesmo espaço, governados pelo mesmo Estado, mas com direitos profundamente desiguais. Esta é uma visão de um apartheid do século XXI.

Em duas ocasiões anteriores, Israel anexou terras ocupadas - Jerusalém Oriental em 1980 e os Montes Golan sírios em 1981. Em ambas as ocasiões, o Conselho de Segurança das Nações Unidas condenou imediatamente as anexações como ilegais, mas não tomou contramedidas significativas para se opor às acções de Israel.
De igual modo, o Conselho de Segurança tem criticado repetidamente os colonatos israelitas como uma violação flagrante do direito internacional. No entanto, o desafio de Israel a estas resoluções e a sua contínua consolidação dos colonatos ficou sem resposta por parte da comunidade internacional.

Desta vez deve ser diferente. A comunidade internacional tem responsabilidades jurídicas e políticas solenes na defesa de uma ordem internacional baseada em regras, na oposição às violações dos direitos humanos e dos princípios fundamentais do direito internacional e na aplicação das suas muitas resoluções que criticam a conduta de Israel relativamente a esta ocupação prolongada. Em especial, os Estados têm o dever de não reconhecer, ajudar ou assistir outro Estado em qualquer forma de actividade ilegal, como a anexação ou a criação de colonatos civis em território ocupado. As lições do passado são claras: uma crítica sem consequências não irá impedir a anexação nem pôr termo à ocupação.

A responsabilização e o fim da impunidade devem tornar-se uma prioridade imediata para a comunidade internacional. O Conselho de Segurança das Nações Unidas dispõe de uma vasta lista de medidas de responsabilização que têm sido amplamente e com êxito noutras crises internacionais ao longo dos últimos 60 anos. As medidas de responsabilização seleccionadas devem ser tomadas em plena conformidade com o direito internacional, ser proporcionadas, eficazes, sujeitas a revisão periódica, coerentes com os direitos humanos, o direito humanitário e o direito dos refugiados e concebidas para desfazer as anexações e levar a ocupação e o conflito a uma conclusão justa e duradoura. Os palestinos e os israelitas não merecem menos.

Lamentamos profundamente o papel dos Estados Unidos da América no apoio e incentivo aos planos ilegais de Israel para uma maior anexação dos territórios ocupados. Em muitas ocasiões ao longo dos últimos 75 anos, os Estados Unidos têm desempenhado um papel importante na promoção dos direitos humanos a nível mundial. Nesta ocasião, deveria opor-se ardentemente à violação iminente de um princípio fundamental do direito internacional, em vez de incitar activamente a sua violação.»


Pode consultar aqui a versão original da declaração bem como a lista de subscritores

Print Friendly, PDF & Email
Share