Pela não participação de Portugal no Festival Eurovisão da Canção em Israel

Carta aberta à Administração da Rádio e Televisão de Portugal

No dia 13 de Setembro de 2018, a Eurovisão decidiu atribuir à cidade de Telavive, em Israel, a organização da edição deste ano do Festival Eurovisão da Canção.

O Festival Eurovisão da Canção pretende celebrar a diversidade cultural, os valores da paz, da cooperação e da tolerância. É inconciliável com tais valores a política de Israel de desrespeito pelos princípios da Carta das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a sua atitude de reiterada violação dos direitos humanos e da legalidade internacional.

A organização por Israel do Festival da Eurovisão compromete irremediavelmente a observância daqueles princípios. Todos os países que calarem tal contradição estarão a caucionar a subversão daqueles valores e a ser cúmplices dos crimes pelos quais o Estado de Israel é reiteradamente censurado na Organização das Nações Unidas.

Israel é hoje um Estado à margem do Direito Internacional:

— Em confronto aberto com centenas de resoluções da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança das Nações Unidas, ocupa ilegalmente território palestino e promove uma política de massacres e de factos consumados, orientada para a colonização e para a limpeza étnica da população palestina, desrespeitando as obrigações decorrentes da IV Convenção de Genebra.

— Em violação do acórdão do Tribunal Internacional de Justiça, prossegue a construção e reforço do Muro de segregação em território palestino ocupado.

— Mantém um bloqueio ilegal sobre a Faixa de Gaza que a generalidade das organizações humanitárias internacionais considera ilegítimo e cruel e que, segundo as Nações Unidas, tornará aquele território, a partir do ano de 2020, impróprio para sustentar a vida humana.

— Recentemente, o seu Parlamento aprovou uma lei designada do “Estado-nação” que confirma a natureza segregacionista do seu regime, discriminando cidadãos com base na sua religião, e reafirma a sua ambição de ocupar a totalidade do território da Palestina histórica e esmagar os legítimos direitos do povo palestino.

Portugal foi o último país a receber a organização do Festival Eurovisão da Canção. Cabem-lhe especiais responsabilidades na defesa dos valores que norteiam o Festival.

As notícias recentes, sobre o acordo feito por Israel para evitar o julgamento por plágio na canção vencedora do Festival de Lisboa, que lhe retiraria a organização do evento em 2019, confirmam que, para as autoridades daquele estado, a participação no Festival é uma operação inserida numa estratégia mais ampla destinada a obter a normalização e legitimação internacional das suas políticas ilegais e criminosas.

A participação da Rádio e Televisão de Portugal na edição de 2019 do Festival Eurovisão, em Telavive, associaria o nome de Portugal a essa campanha, tornando o nosso país cúmplice do silenciamento dos crimes e da dor e sofrimento infligidos por Israel ao povo palestino.

— Pelos milhares de mulheres e homens ao longo de gerações expulsos das suas casas e para sempre lançados nos caminhos do exílio;

— Pelos jovens que se manifestam em Gaza, enfrentando um dos exércitos mais poderosos do mundo armados apenas com a justiça da sua causa e a memória dos seus pais e avós;

— Pelos milhares de patriotas palestinos encarcerados nas prisões de Israel, enfrentando a tortura e o isolamento;

— Pelas comunidades palestinas que defendem as suas casas, as suas oliveiras e campos de cultivo, contra as ameaças diárias de demolição e expropriação;

— Pelas crianças que suportam quotidianamente toda a sorte de humilhações e violências do exército israelita e das milícias dos colonatos apenas pelo crime de irem à escola, teimando no sonho de um futuro de liberdade e de paz, num lugar “sem muros nem ameias”, como cantou José Afonso;

É por eles, por todos eles, mas também pelos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Carta das Nações Unidas e da Constituição da República Portuguesa, assim como dos valores que presidem à organização do Festival Eurovisão da Canção, que nos dirigimos à Administração da Rádio e Televisão de Portugal, em nome da organização a que presidimos, o Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente, para apelar a que a RTP se retire da edição de 2019 daquele certame. Com essa decisão, a RTP prestigiará Portugal e colocará o nosso país do lado certo da justiça, da liberdade, da defesa da dignidade da pessoa humana e da paz.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2019
Pela Direcção Nacional do MPPM
Maria do Céu Guerra, Presidente

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