«Os cinco sionistas pró-ocupação que pensam que podem trazer a paz ao Médio Oriente», por Ahmad Tibi

Artigo publicado no Haaretz em 27 de Junho de 2018
Ahmad Tibi é vice-presidente do Knesset (parlamento de Israel). É deputado da Lista Conjunta (coligação de partidos palestinos e da esquerda não sionista)
 
A foto que imortalizou o último encontro entre o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e a equipa de Trump para o Médio Oriente era muito reveladora: dos cinco homens na foto, quatro eram judeus estado-unidenses. 
Todos os cinco viveram durante décadas ou durante toda a vida nos EUA. Todos os cinco são convictos sionistas de direita. Todos os cinco apoiaram os colonatos israelitas em território ocupado, política e financeiramente; todos os cinco opõem-se à solução de dois Estados; todos os cinco opõem-se à igualdade entre israelitas e palestinos; e todos os cinco identificam-se com os sectores mais recalcitrantes do Partido Republicano. 
Como é que eles conseguem a quadratura do círculo de rejeitarem a igualdade para todos os que vivem sob o controlo de Israel mas ao mesmo tempo também rejeitarem dois Estados nas fronteiras de 1967?
A resposta é simples: todos os cinco também compartilham o objectivo de enterrar a causa palestina, de destruir o sonho palestino e de liquidar os direitos dos palestinos.
São esses os homens que se reuniram para supostamente discutirem o «acordo supremo» para Israel e a Palestina. 
O governo de Israel, representado pelo primeiro-ministro Netanyahu e pelo embaixador de Israel nos EUA, Ron Dermer, avançou um plano pormenorizado para reduzir a pó os direitos políticos do povo palestino. A equipa de Trump, representada pelos seus três mosqueteiros — Jared Kushner, Jason Greenblatt e David Friedman —, apoia os desejos da parte israelita ignorando totalmente os direitos políticos do povo palestino. 
Eles dizem aos palestinos que, embora os seus direitos políticos e humanos vão continuar a ser violados, eles poderiam ter uma «vida melhor» aceitando incentivos económicos. Kushner, na sua recente entrevista ao jornal Al Quds, afirmou: «Se houvesse paz, a prosperidade de Israel alastraria muito rapidamente aos palestinos.»
Permitam-me que traduza isto nos termos dos cinco que se encontraram na semana passada: se os palestinos aceitarem viver sob controlo israelita, sem o Vale do Jordão, sem Jerusalém, desligados uns dos outros e na ausência de soberania palestina, então a sua vida melhorará — porque poderiam melhorar marginalmente a sua situação económica. Esta é a visão da América de Trump para um «acordo supremo».
Mas dada a composição da equipa da Casa Branca, dificilmente poderíamos esperar outra coisa. 
A invulgar entrevista de Kushner ao jornal Al Quds, de Jerusalém, foi muito arrogante. Ele fala como se soubesse tudo sobre a realidade que os palestinos enfrentam, mas mostrou saber muito pouco.
As suas tentativas de «dividir para vencer» os palestinos, incluindo o ataque sistemático ao presidente Mahmoud Abbas, não terão êxito, por uma razão muito simples: se há uma coisa com que a grande maioria dos palestinos concorda, são os pontos cruciais que a administração Trump nem sequer mencionou: acabar com a ocupação israelita, criar uma Palestina independente com Jerusalém Oriental como capital e respeitar os direitos do povo palestino de acordo com o direito internacional e as resoluções da ONU.
A entrevista de Kushner não apresentou nada de novo da parte da Casa Branca de Trump: uma censura contra uma direcção palestina que já reconheceu Israel e que aceita a solução de dois Estados nas fronteiras de 1967.
Ele não proferiu nem uma palavra de crítica a um governo israelita que continua a violar sistematicamente as suas obrigações no quadro do direito internacional; nenhum apoio a um Estado palestino e uma total ausência de palavras-chave como ocupação e colonatos. 
Tudo isto vai no sentido da ideia geral de desvalorizar a causa da autodeterminação da nação palestina reduzindo-a a uma questão humanitária, trocando os direitos humanos por um simples pacote económico.
Os escolhidos por Donald Trump para «trazer o acordo do século» são representantes apropriados de um presidente que deu provas de um desrespeito flagrante pelo direito e pelas instituições internacionais. 
Assim como usaram a Bíblia para justificar a desumana separação de filhos de imigrantes dos seus pais, usaram a religião para justificar o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel.
Não há espaço para a discussão no quadro destes padrões reduzidos: a sua ignorância geral das relações internacionais corresponde claramente às suas tentativas de tentar normalizar a ocupação israelita e as violações sistemáticas dos direitos dos palestinos. 
Eles não representam os valores defendidos pela maioria da comunidade judaica americana, que se recusa a aceitar que se esteja a instaurar um regime de apartheid — supostamente em seu nome.
Os estado-unidenses levam a comunidade internacional ao engano. Às vezes ouvimos os diplomatas europeus em Tel Aviv dizerem que, em vez de «se oporem ao plano de Trump», os palestinos deveriam «trabalhar para o melhorar».
Mas esta é uma maneira muito cínica de expressar a sua falta de coragem para tomar medidas audaciosas para salvar a solução de dois Estados. Qualquer mediador de paz experiente, da Noruega à Suíça, da Alemanha à França, todos compreendem que não poderia sobreviver nenhum acordo de paz que concedesse a impunidade, normalizasse os crimes e impusesse uma solução que contradiz o direito internacional.
A questão é saber se a Europa, e o resto da comunidade internacional, estão dispostos a continuar a considerar a fórmula nascente de Trump de aceitar o apartheid em troca de incentivos económicos — ou se vão tomar medidas para a recusar. 
Se a Europa continuar a alimentar a fantasia da «partilha de valores» com Israel, dando luz verde à equipa de Trump para fazer o que quiser com o povo palestino, estará ela disposta a enfrentar as consequências catastróficas das políticas da administração Trump em Israel e na Palestina?
A imagem das cinco figuras empenhadamente pró-ocupação — Netanyahu, Kushner, Greenblatt, Dermer e Friedman — falando pretensamente de «esforços de paz» simboliza a verdadeira identidade ideológica do chamado «acordo do século».
Pessoalmente, duvido que exista algum plano concreto da parte dos estado-unidenses. Pelo contrário, o que vejo é a aplicação no terreno das convicções ideológicas desta «equipa de paz», começando por remover da mesa Jerusalém e os refugiados e visando normalizar um regime de apartheid em toda a Palestina.
 
Na foto, da esquerda para a direita: embaixador estado-unidense David Friedman, enviados estado-unidenses Jason Greenblatt e Jared Kushner, primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu e embaixador israelita Ron Dermer, em Jerusalém, 22 de Junho de 2018. Crédito: Haim Tzach / GPO.
 

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