«O Médio Oriente e a Luta pela Paz», por Carlos Almeida

Bom dia, caras amigas e caros amigos

Uma saudação especial à Câmara Municipal de Setúbal e a todas as organizações que partilham connosco a convocatória deste Encontro.

Quando falamos da luta pela Paz, quando falamos das ameaças à Paz, a região do Médio Oriente, do Mediterrâneo Oriental, estará certamente na linha da frente das principais preocupações, entre as regiões que são normalmente indicadas como aquelas onde a instabilidade e os perigos para a Paz no mundo são mais acesos.

E perguntarão, perguntaremos: mas porquê?

Porque, sabemo-lo, naquela região se concentram importantes riquezas, importantes bens, que desde praticamente o início do século xx, desde aquele famigerado acordo entre a França e a Inglaterra que foi denunciado logo após a revolução de Outubro – o famoso acordo Sykes-Picot – são disputados e partilhados entre as grandes potências europeias, na ocasião a França e a Inglaterra, hoje os Estados Unidos e outras potências.

E é verdadeiramente disso que nós falamos a propósito de ameaças à Paz e da luta pela Paz no Médio Oriente, ou seja, dos consecutivos planos de apropriação, de esbulho desses recursos, desses bens que deveriam estar ao serviço da humanidade, que deveriam estar ao serviço do desenvolvimento dos seus povos e que são, na verdade, apropriados e usados pelas grandes potências, pelo chamado 1% que domina a riqueza mundial.

Portanto, quando falamos hoje do Médio Oriente falamos de uma região devastada pelas guerras.

Se olharmos para o mapa e percorrermos toda essa região, veremos a Líbia, o Líbano, a Síria, o Iraque, o Barém, o Iémen, até às montanhas do Afeganistão e o que veremos serão países destroçados pelas guerras e por ingerências externas que foram, na maior parte dos casos, eu diria na totalidade dos casos, alicerçadas em mentiras propostas como solução para os problemas. Na verdade, o resultado foi que os problemas que se supunha virem a ser resolvidos acabaram, ao contrário, por se agravarem e muitos outros foram entretanto criados.

O drama com que somos todos confrontados diariamente, com a onda de refugiados e de migrantes que atravessa o Mediterrâneo, transformando-o numa espécie de cemitério, e que a Europa trata de uma forma que só nos deve envergonhar, é bem o testemunho do grau de destruição e de desarticulação de Estados e de sociedades provocado por essas guerras.

E a situação a que nós hoje assistimos é a de contínua eternização de muitas dessas guerras, mesmo que elas tenham desaparecido das manchetes dos jornais.
Falo, por exemplo, desde logo, evidentemente, da guerra da Síria e das múltiplas operações de ingerência e desestabilização de um Estado soberano independente, mas falo também de uma das guerras mais mortíferas a que assistimos, no Iémen, que é palco de uma promovida alicerçada pelas grandes potências com o apoio, desde logo, da Arábia Saudita e que tem destruído completamente aquele país.

Ora para além, evidentemente, da apropriação dos recursos, boa parte destas guerras têm igualmente um fito, um objectivo, e esse é o de garantir a contínua superioridade estratégica de um país naquela região. Estou, evidentemente, a falar de Israel, o único país do Médio Oriente que possui armas nucleares, o que lhe confere uma superioridade estratégica fundamental para continuar a projectar os seus planos de alargamento, de dominação e de contínua expansão.

Não sei se todos têm consciência disso, mas Israel é dos poucos países do mundo – eu diria o único – que não tem fronteiras declaradas, que nunca formalizou quais as suas fronteiras. Na verdade, bem sabemos que a medida das fronteiras de Israel é o limite da ambição dos seus dirigentes e da sua capacidade brutal de expandir e projectar o seu projecto de expansão e colonização.

E por isso o nosso contributo para este painel, o contributo que aqui queríamos trazer e que, aliás, já foi de certo modo bem explicado na intervenção do senhor presidente da Câmara Municipal do Seixal, é que a luta pela Paz tem um vínculo indissolúvel com a afirmação do direito soberano dos povos a decidirem os seus destinos e tem uma relação profunda com o seu direito à resistência contra todas as formas de ocupação, de dominação e de apropriação dos seus recursos.

E quando falamos de afirmação do direito soberano dos povos a decidirem o seu destino, e quando falamos do seu direito à resistência, evidentemente que a causa do povo palestino se coloca como uma exigência fundamental à qual ninguém pode faltar.

Assistimos dramaticamente, há bem poucas semanas, a mais uma brutal ofensiva, uma brutal agressão de Israel contra a população palestina que teve a sua máxima expressão de crueldade nos bombardeamentos sobre a Faixa de Gaza, mas que se estendeu a toda a Palestina, não apenas à Palestina ocupada em 1967, mas também à Palestina que está ocupada pelo Estado de Israel.

Mas tão extraordinário como assistir a esta brutal agressão, foi assistir à extraordinária resistência do povo palestino e queria que meditassem um pouco nisto:
Passaram 73 anos desde o Plano de Partilha aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas e desde a constituição do Estado de Israel. Ao longo desses 73 anos, Israel promoveu inúmeras políticas cujo objectivo fundamental era fragmentar a existência nacional do povo palestino, destruir essa realidade, essa consciência, criando múltiplos estatutos: a população palestina de Israel, a população palestina de Jerusalém Oriental, a população palestina da Faixa de Gaza, a população palestina dos territórios de 1967.

Mas aquilo a que assistimos nas últimas semanas foi a afirmação de um povo com uma consciência plena da sua existência, da sua identidade, da sua exigência de futuro.

Aquela sina que os dirigentes sionistas estabeleceram um dia de que os mais velhos haveriam de morrer e os mais novos haveriam de esquecer foi desmentida nas manifestações em Lydda, em Jerusalém, em Hebron, em Ramala, em Nablus e na resistência, também na resistência, a partir da Faixa de Gaza.
E por isso queremos daqui sublinhar uma vez mais o imperativo da solidariedade e que seja uma solidariedade em todas as dimensões.

Evidentemente, uma solidariedade, uma cooperação com organizações, com as várias expressões da sociedade palestina, como o senhor presidente da Câmara Municipal do Seixal aqui referiu. Mas uma solidariedade que tem que ser politicamente interveniente, politicamente activa, uma solidariedade que aponte o dedo, que acuse a cobardia e a cumplicidade do governo português e de todos aqueles que subscreveram essa posição que reconhece ao ocupante o direito a defender-se, mas recusa esse direito ao povo que é ocupado, ao povo que é colonizado, ao povo que é sujeito a uma das máquinas de guerra mais poderosas do mundo.

As armas calaram-se ou, pelo menos, os bombardeamentos cessaram, mas todos os dias a colonização e a ocupação continuam. Todos os dias nos chegam notícias de que alguns dos mais de 3000 feridos desta última ofensiva morreram e o saldo da última agressão continua a aumentar todos os dias.

Estamos a assistir neta altura a uma vaga de prisões sem precedentes. Contam-se para cima de 1500 as pessoas que foram presas nos últimos dias pelo exército israelita, não apenas nos territórios de 1967, mas também dentro do Estado de Israel.

E, por isso, é necessário o nosso compromisso, o nosso envolvimento para quebrar este silêncio, para isolar Israel e isolar aqueles que o defendem e continuam a dar cobertura a estes crimes.

A luta pela Paz exige o compromisso de sempre com a solidariedade dos povos que lutam pelo seu desenvolvimento contra as intervenções externas mas tem que reconhecer, igualmente, o direito desses povos a resistir a todas as formas de ocupação e de colonização.

Votos de sucessos para este Encontro pela Paz

Muito obrigado

A Palestina vencerá!


Carlos Almeida é investigador doutorado do Centro de História da Universidade de Lisboa e vice-presidente do MPPM


Este é o texto da intervenção de Carlos Almeida no Painel 1 – Paz e Desarmamento do II Encontro pela Paz realizado em Setúbal em 5 de Junho de 2021


Os artigos assinados publicados nesta secção, ainda que obrigatoriamente alinhados com os princípios e objectivos do MPPM, não exprimem necessariamente as posições oficiais do Movimento sobre as matérias abordadas, responsabilizando apenas os respectivos autores.

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