O horrendo massacre sionista de Lydda e Ramla foi há 75 anos

Ismail Shammut - O Início da Tragédia

Entre 9 e 13 de Julho de 1948, as forças sionistas lançaram uma operação militar em grande escala, conhecida como Operação Dani, com o objectivo de ocupar as cidades palestinas de Lydda e Ramla, massacrando centenas de palestinos e forçando o êxodo de muitos milhares.

O massacre teve lugar em duas fases, entre o fim da primeira trégua na guerra israelo-árabe, a 9 de Julho de 1948, e o início da segunda, a 18 de Julho. A primeira fase do massacre ocorreu durante o período de ocupação da cidade e a segunda durante a operação de expulsão em massa dos seus residentes, que é considerada um dos maiores actos de limpeza étnica («operações de transferência») levados a cabo pelos israelitas.

A operação Dani

Durante a primeira trégua de quatro semanas, que teve início em 11 de Junho de 1948, os israelitas ultimaram os planos de ocupação de cidades e aldeias palestinas e de expulsão dos seus habitantes. As cidades de Lydda e Ramla foram o seu próximo alvo.

Lydda e Ramla eram cidades gémeas. Separadas por apenas três quilómetros., situam-se no centro da Palestina, a sudeste de Jafa e a noroeste de Ramala, na rota entre Telavive e Jerusalém. De acordo com o Plano de Partilha da ONU de Novembro de 1947, a região de Lydda-Ramla deveria fazer parte do proposto Estado árabe.

Lydda tinha então 18 250 habitantes, um aeroporto internacional e a segunda estação ferroviária mais importante na linha Kantara (Egipto) – Haifa. Tinha uma intensa actividade comercial e agrícola.

Para aliviar a pressão sobre a cidade de Jerusalém, semi-sitiada, os dirigentes israelitas decidiram proteger a estrada entre Telavive e Jerusalém. Lydda, Ramla, Latrun e as zonas montanhosas a norte da estrada que se encontravam a uma maior altitude, incluindo Ramala, tinham, na sua perspectiva, de ser ocupadas.

Baptizado como Operação Dani, o início do ataque foi marcado para a noite de 9 para 10 de Julho, para ser lançado a partir do colonato de Ben Shemen.

Durante os dois primeiros dias da Operação Dani, os israelitas ocuparam as aldeias nos arredores de Lydda, nas frentes norte e oeste, bem como o Aeroporto Internacional de Lydda. Uma companhia do exército jordano, que estava colocada numa zona entre Lydda e Ramla, retirou-se quando os israelitas atacaram Lydda. Em contrapartida, os habitantes de Lydda rejeitavam a ideia da rendição e organizaram.se para defender a cidade.

Pouco antes do ataque a Lydda e Ramla, os aviões de guerra israelitas efectuaram bombardeamentos intensivos nas duas cidades durante as primeiras horas da noite, enquanto os residentes (que observavam o Ramadão) estavam a quebrar o jejum; dezenas de pessoas foram mortas e feridas.

O massacre

Na manhã de 11 de Julho, os aviões israelitas lançaram folhetos que apelavam à população de Lydda para que se rendesse e abandonasse a cidade. Ao meio-dia, os israelitas iniciaram o assalto à cidade a partir de leste, começando na aldeia de Daniel. Os defensores da cidade conseguiram repelir o ataque após uma batalha feroz em que infligiram pesadas perdas às forças israelitas, mas depressa ficaram sem as poucas munições de que dispunham. Os sionistas lançaram uma nova ofensiva apoiada pelos seus veículos blindados. Entraram na cidade ao fim da tarde e começaram imediatamente a disparar indiscriminadamente.

A 12 de Julho, segundo dia da ofensiva, os israelitas concentraram as suas tropas em torno do centro da cidade. Apesar de Lydda nunca se ter rendido e de continuarem a verificar-se actos esporádicos de resistência com capacidades modestas, os israelitas conseguiram assumir o controlo total da cidade e detiveram dezenas de civis. Apelaram aos residentes do sexo masculino para se reunirem na Grande Mesquita, na Mesquita Dahmash e nas igrejas, e impuseram um recolher obrigatório na cidade.

Os habitantes da cidade renovaram o ânimo quando viram chegar veículos blindados do exército jordano e começaram a atacar as forças israelitas, mas os jordanos, que tinham vindo apenas em missão de observação, retiraram logo de seguida, deixando os palestinos expostos às represálias ainda mais brutais dos israelitas.

Os israelitas prometeram que os habitantes estariam seguros desde que permanecessem em casa ou nas duas mesquitas onde centenas de pessoas se tinham abrigado. No entanto, a pretexto de que havia franco-atiradores nas casas, atacaram-nas com granadas de mão e abriram fogo sobre os residentes que fugiam aterrorizados. Os que se abrigaram na mesquita de Dahmash foram fuzilados pelos israelitas. Entre 80 e 176 pessoas foram mortas. Vinte e cinco foram mortos noutro local. Calcula-se que, no interior da cidade, o número total de mortos tenha ultrapassado os 400.

A marcha da morte

O drama de Lydda não se limitou à matança indiscriminada e ao massacre na mesquita. No mesmo dia 12 de Julho, os israelitas tomaram a decisão de expulsar todos os habitantes da cidade. Quando o comandante do Palmach, Yigal Allon, perguntou a David Ben-Gurion o que fazer com os habitantes de Lydda e Ramla, este respondeu, com um gesto enérgico e desdenhoso da mão: «Expulsem-nos!». Imediatamente a seguir, Yitzhak Rabin, o oficial encarregado da Operação Dani, assinou uma ordem militar com a seguinte instrução: «Os habitantes de Lydda devem ser expulsos rapidamente, sem distinção de idade.»

No dia seguinte, 13 e Julho, os soldados israelitas obrigaram os habitantes de Lydda e das cidades vizinhas, incluindo Ramla, que eram cerca de 70 000 — muitos deles já refugiados de Jafa e ouros locais — , a abandonar a cidade em meia hora e a seguir um caminho acidentado e traiçoeiro para chegar a Ramala. Centenas de pessoas sucumbiram à sede, à desidratação e à fadiga pelo caminho, num êxodo que foi horrível pela sua crueldade.

Shmarya Guttman, nomeado governador militar de Lydda após a ocupação da cidade, citado pelo historiador Bem Morris, relatou:

«Uma multidão de habitantes caminhava uns atrás dos outros. As mulheres caminhavam carregadas de pacotes e sacos à cabeça. As mães arrastavam as crianças atrás de si... De vez em quando, ouviam-se tiros de aviso... De vez em quando, encontrava-se um olhar penetrante de um dos jovens... na coluna, e o olhar dizia: Ainda não nos rendemos. Voltaremos a lutar convosco.»

Ismail Shammut, que veio a ser um dos mais destacados pintores palestinos, tinha então 18 anos e integrou a «marcha da morte» com os seus oito irmãos e irmãs, um dos quais morreu de sede durante a marcha. Ele deu este testemunho a Michel Palumbo:

«Enquanto marchava sob um calor abrasador, ele [Shammut] viu um pouco de água. Apressou-se a encher um pote que trazia consigo. Mais tarde, recordou: "Naquele momento, parou um jipe com três pessoas. Uma delas, um oficial sionista, saiu. Puxou de uma arma, encostou-a à minha cabeça e mandou-me pousar a água". O adolescente árabe não teve outra hipótese senão obedecer. Ismail nunca esqueceria a sede dos milhares de pessoas que caminhavam sem saber para onde iam. Viu pessoas a mastigar erva na esperança de obter um pouco de humidade. Outros bebiam a urina dos seus filhos. À beira da estrada, mulheres grávidas davam à luz bebés prematuros, cujo trabalho de parto era provocado pela tensão da sua provação. Nenhum destes bebés sobreviveu. Como ninguém tinha oportunidade de enterrar os mortos, estes eram cobertos com erva e abandonados. Por fim, Ismail conseguiu arranjar água fora da vista dos soldados israelitas. Embora a água estivesse suja e obviamente poluída, Ismail bebeu um pouco enquanto molhava as suas roupas no líquido avermelhado. Enquanto Ismail tentava regressar para junto da família, as pessoas seguiam-no na esperança de conseguir algumas gotas do precioso líquido. Uma mulher chupou-lhe a camisa húmida.»

Como acontece frequentemente com os massacres e os casos de migração forçada, não existe uma contagem exacta do número de vítimas, mas é provável que o número de mortos na própria cidade e os que morreram durante a marcha da morte totalizem perto de mil.

Dinheiro, ouro, jóias, relógios, canetas de tinta permanente foram saqueados à vontade pelos soldados israelitas. Alguns palestinos foram mortos por resistirem. Reja-e Busailah, que mais tarde se tornou professor nos Estados Unidos, testemunha: «Ao longo desse dia, e mais tarde, ouvi falar de vários incidentes em que, por impaciência ou por irreflexão, os lóbulos das orelhas foram levados com os brincos, os dedos com os anéis, as mãos e até os braços com as pulseiras». A pilhagem foi tão grande que se diz que 1800 camiões foram carregados com bens roubados.

George Habash tinha regressado dos estudos de medicina na Universidade Americana de Beirute para estar com a sua família em Lydda e também foi forçado a abandonar a cidade. Recorda: «Chegámos aos arredores da cidade, onde havia um grande posto de controlo judeu que tinha sido montado para revistar os que partiam. Não tínhamos armas. O nosso vizinho, Amin Hanhan, estava aparentemente a esconder algum dinheiro com ele. Quando não deixou que o revistassem, um soldado sionista matou-o a tiro mesmo à nossa frente.»

O trauma desta experiência marcaria um ponto de viragem na vida de Habash. Ele não esqueceu e, nesse dia, jurou vingar a tragédia do seu povo. Fundou o Movimento Nacionalista Árabe em 1956 e fundou em 1967 a Frente Popular para a Libertação da Palestina, que liderou até 2000.

Os dias seguintes

A queda de Lydda e Ramla simbolizou uma verdadeira catástrofe, sobretudo porque ocorreu no período que separa os dois cessar-fogos, que os israelitas utilizaram em seu proveito. A tomada das cidades gémeas ocorreu de forma precipitada, enquanto os exércitos árabes assistiam passivamente. Através da operação, os israelitas conseguiram atingir objectivos estratégicos, sendo os mais importantes a eliminação da ameaça militar à estrada Telavive-Jerusalém, a tomada de controlo do aeroporto e da estação ferroviária de Lydda e a expulsão dos habitantes de Lydda, Ramla e das aldeias vizinhas.

Quando os refugiados chegaram a Ramala, foram distribuídos por campos já sobrelotados, e a cidade não conseguiu suportar este fardo adicional. Centenas de refugiados morreram depois de chegarem aos campos de refugiados. Em 2 de Agosto de 1948, o Conde Bernadotte, mediador da ONU para a Palestina, visitou os refugiados em Ramala e foi assediado por milhares de pessoas que exigiam o regresso às suas casas. Mais tarde, Bernadotte escreveu sobre esta visita no seu diário, dizendo que tinha visitado muitos campos de refugiados na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, mas nunca tinha encontrado cenas tão aterradoras como as que encontrou em Ramala. Descreveu os refugiados deslocados como um grupo de rostos assustados no meio de um mar de sofrimento humano.


Imagem | O início da tragédia, Ismail Shammut, óleo sobre tela, 1953


Fonte principal | Lydda, 9-13 July 1948 - A City-Wide Massacre Culminating in the Death March, Interactive Encyclopedia of the Palestine Question

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