O grande poeta palestino Mahmud Darwich faleceu há dez anos

Mahmud Darwich faleceu a 9 de Agosto de 2008. Foi um grande intelectual (poeta, prosador, ensaísta, jornalista) e um resistente à ocupação israelita. 
Tornou-se uma referência para o Médio Oriente, e a sua poesia tornou-se conhecida em todo o mundo árabe. Até aos seus últimos dias, ergueu-se sempre em defesa de uma Palestina independente.
Nasceu em 13 de Março de 1941 na Galileia, então parte da Palestina sob mandato britânico, numa aldeia que em 1948 foi invadida, destruída e substituída por um colonato israelita. Viveu no exílio a maior parte da vida e começou a escrever poesia aos 19 anos. Em 1964 começa a ser reconhecido a nível nacional e mesmo internacional como uma voz da resistência palestina. É preso várias vezes por Israel pelos seus escritos e actividades políticas.
Em 1973 adere à Organização de Libertação da Palestina (OLP), sendo por isso proibido de voltar a entrar em Israel. Em 1987 é eleito para o Comité Executivo da OLP mas abandona a Organização na sequência dos Acordos de Oslo (1993). Em 1996 é autorizado a instalar-se em Ramala (Cisjordânia). Com o cerco e ataque das tropas sionistas de Ariel Sharon a Ramala, em 2002, muda-se para Amman, na Jordânia, mas volta algumas vezes aos Territórios Ocupados e a Israel.
Mahmud Darwich morreu em 9 de Agosto de 2008 num hospital de Houston, nos Estados Unidos, na sequência de uma intervenção cirúrgica ao coração. Foi sepultado em Ramala, junto ao Palácio da Cultura.
Mahmud Darwich é considerado o poeta nacional da Palestina, um escritor que fez mais do que qualquer outro para criar uma consciência nacional palestina através da sua obra. Não pararam de crescer após a sua morte tanto a admiração como a influência da sua obra, composta por mais de 30 livros de poesia e de prosa, traduzida em cerca de 40 línguas e interpretada por diversos cantores árabes.
Um dos seus poemas mais conhecidos é «Bilhete de Identidade», que seguidamente citamos, numa tradução de Júlio de Magalhães.
 
BILHETE DE IDENTIDADE
 
Toma nota!
Sou árabe
O número do meu bilhete de identidade: cinquenta mil
Número de filhos: oito
E o nono... chegará depois do verão!
Será que ficas irritado?
 
Toma nota!
Sou árabe
Trabalho numa pedreira com os meus companheiros de fadiga
E tenho oito filhos
O seu pedaço de pão
As suas roupas, os seus cadernos
Arranco-os dos rochedos...
E não venho mendigar à tua porta
Nem me encolho no átrio do teu palácio.
Será que ficas irritado?
 
Toma nota!
Sou árabe
Sou o meu nome próprio - sem apelido
Infinitamente paciente num país onde todos
Vivem sobre as brasas da raiva.
As minhas raízes...
Foram lançadas antes do nascimento do tempo
Antes da efusão do que é duradouro
Antes do cipreste e da oliveira
Antes da eclosão da erva
O meu pai... é de uma família de lavradores
Nada tem a ver com as pessoas notáveis
O meu avô era camponês - um ser
Sem valor - nem ascendência.
A minha casa, uma cabana de guarda
Feita de troncos e ramos
Eis o que eu sou - Agrada-te?
Sou o meu nome próprio - sem apelido!
 
Toma nota!
Sou árabe
Os meus cabelos... da cor do carvão
Os meus olhos... da cor do café
Sinais particulares:
Na cabeça uma kufia com o cordão bem apertado
E a palma da minha mão é dura como uma pedra
... esfola quem a aperta
A minha morada:
Sou de uma aldeia isolada...
Onde as ruas já não têm nomes
E todos os homens... trabalham no campo e na pedreira.
Será que ficas irritado?
 
Toma nota!
Sou árabe
Tu saqueaste as vinhas dos meus pais
E a terra que eu cultivava
Eu e os meus filhos
Levaste-nos tudo excepto
Estas rochas
Para a sobrevivência dos meus netos
Mas o vosso governo vai também apoderar-se delas
... ao que dizem!
 
... Então
 
Toma nota!
Ao alto da primeira página
Eu não odeio os homens
E não ataco ninguém mas
Se tiver fome
Comerei a carne de quem violou os meus direitos
Cuidado! Cuidado
Com a minha fome e com a minha raiva!
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