Nova vitória histórica do activismo BDS: França condenada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
O Tribunal Europeu dos Direitos do Humanos (TEDH) deliberou hoje, 11 de Junho, por unanimidade, condenar a França por violação do artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, sobre a liberdade de expressão, revertendo a decisão do Supremo Tribunal francês que tinha condenado 11 activistas do movimento BDS (Boicote, Desinvestimento, Sanções) por «incitamento à discriminação económica de pessoas com base na sua pertença a uma nação».
Os factos remontam a Setembro de 2009 e Maio de 2010, quando os activistas, em resposta ao apelo do colectivo Palestine 68, participaram em acções no hipermercado Carrefour de Illzach, nos subúrbios de Mulhouse, distribuindo folhetos aos clientes que diziam: «Comprar produtos importados de Israel é legitimar os crimes em Gaza, é aprovar a política do Governo israelita.»
O Tribunal de Mulhouse absolveu-os em Novembro de 2011, considerando que o Carrefour não tinha apresentado queixa e não tinham sido registadas quaisquer declarações anti-semitas ou actos de violência durante as manifestações. Mas o Tribunal da Relação de Colmar decidiu o contrário, condenando, em Novembro de 2013, os activistas que participaram nestas duas acções. O Supremo Tribunal francês deliberou em Outubro de 2015, confirmando esta sentença. Considerou então que estes actos constituíam o delito de «provocação à discriminação, ódio ou violência contra uma pessoa ou grupo de pessoas devido à sua origem ou pertença a um determinado grupo étnico, nação, raça ou religião» (artigo 24º da Lei da Imprensa).
O Tribunal de Estrasburgo decidiu por unanimidade que a França violou o artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem sobre a liberdade de expressão. Salienta que este artigo «deixa pouca margem para restrições à liberdade de expressão no domínio do discurso político ou de assuntos de interesse geral. Pela sua própria natureza, o discurso político é frequentemente virulento e controverso. No entanto, é do interesse público, a menos que degenere num apelo à violência, ao ódio ou à intolerância.»
Na sua decisão, o TEDH salientou que «as acções e intenções criticadas aos requerentes diziam respeito a uma questão de interesse geral, a do respeito do Estado de Israel pelo direito internacional público e da situação dos direitos humanos nos territórios palestinos ocupados, e faziam parte de um debate contemporâneo, aberto em França e em toda a comunidade internacional.» E acrescentou que eles «se enquadram na expressão política e militante».
Os juízes de Estrasburgo citaram, a este respeito, o Relator Especial das Nações Unidas para a Liberdade de Religião ou de Crença. Por ocasião da Assembleia Geral da ONU em Setembro de 2019, ele tinha feito notar que «no direito internacional, os boicotes são considerados uma forma legítima de expressão política e que as manifestações não violentas de apoio aos boicotes são geralmente abrangidas pelo âmbito da liberdade de expressão legítima que deve ser protegida».
A Amnistia Internacional reagiu à decisão do tribunal de Estrasburgo com uma declaração do seu investigador para a França, Marco Perolini: «A decisão histórica de hoje estabelece um precedente significativo que deverá pôr termo à utilização abusiva das leis anti-discriminação para atingir activistas que lutam contra as violações dos direitos humanos perpetradas por Israel contra os palestinos. […] Desde 2010, as autoridades francesas deram instruções específicas ao ministério público para que utilizassem as leis anti-discriminação contra activistas do BDS, leis essas que não são utilizadas contra activistas que participam em campanhas de boicote semelhantes que visam outros países. Com esta decisão é agora claro que nenhum Estado deve ser isentado de críticas pacíficas por parte dos activistas.»
Em resposta à notícia, uma porta-voz do BDS, Rita Ahmed, afirmou que a decisão desfere «um grande golpe jurídico no regime do apartheid israelita e na campanha anti-BDS […] A pedido de Israel, os governos europeus, especialmente a França e a Alemanha, fomentaram um ambiente sinistro de intimidação e repressão para silenciar os activistas da solidariedade palestina».
O Governo israelita tem denunciado o movimento BDS como uma tentativa de minar a sua legitimidade e tem proibido a entrada a estrangeiros que apoiam os apelos.
Em Maio de 2019 o parlamento alemão adoptou uma resolução que classifica a campanha BDS como anti-semita. Leis que criminalizam ou restringem o activismo BDS já existem ou estão em discussão em vários países, incluindo Israel, os Estados Unidos e o Reino Unido.
Foto: Acção de do colectivo Palestine 68, no Carrefour de Illzach, em 24 Setembro 2010