«A Naksa: como Israel ocupou a totalidade da Palestina em 1967», por Zena Tahhan
Artigo publicado pela Al-Jazeera em 4 de Junho de 2018
Há mais de 50 anos, o Estado de Israel chocou o mundo quando tomou os territórios palestinos remanescentes da Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Faixa de Gaza, bem como os Montes Golã sírios e a Península do Sinai egípcia, em apenas seis dias.
Numa guerra com o Egipto, a Jordânia e a Síria conhecida por Guerra de 1967 ou Guerra de Junho, Israel impôs o que veio a ser conhecido como «Naksa», o que significa revés ou derrota, aos exércitos dos países árabes vizinhos e aos palestinos, que perderam tudo o que restava da sua terra natal.
A Naksa foi uma continuação de um acontecimento central anterior que abriu caminho à guerra de 1967. Dezanove anos antes, em 1948, o Estado de Israel formou-se num processo violento que resultou na limpeza étnica da Palestina.
As forças sionistas, cumprindo a sua missão de criar um «Estado judaico», expulsaram cerca de 750 000 palestinos da sua terra natal, destruindo ao mesmo tempo as suas aldeias. Pouco depois de Israel declarar o seu Estado, unidades dos exércitos dos países árabes vizinhos vieram lutar pela nação palestina.
Quando a guerra de 1948 terminou, as forças israelitas controlavam aproximadamente 78% da Palestina histórica. Os restantes 22% caíram sob a administração do Egipto e da Jordânia.
Em 1967, Israel absorveu a totalidade da Palestina histórica, bem como territórios adicionais do Egipto e da Síria. No final da guerra, Israel tinha expulsado mais 300 000 palestinos das suas casas, incluindo 130 000 que tinham sido desalojados em 1948, e conquistou um território três vezes e meia maior do que o seu.
Por que eclodiu a guerra?
A narrativa da guerra é altamente polarizada, como é comum em muitos acontecimentos do conflito árabe-israelita. No entanto, há uma série de acontecimentos que indiscutivelmente levaram à eclosão da guerra.
Em primeiro lugar, houve frequentes confrontos nas linhas de armistício israelo-síria e israelo-jordana após a guerra de 1948. Milhares de refugiados palestinos tentaram atravessar a fronteira à procura de parentes, procurando voltar às suas casas e recuperar os seus bens perdidos.
Entre 1949 e 1956, estima-se que as forças israelitas tenham matado entre 2000 e 5000 pessoas que tentaram atravessar.
Em 1953, Israel cometeu o mais conhecido massacre de represália na Cisjordânia, contra a aldeia de Qibya, onde 45 casas foram destruídas por explosão e pelo menos 69 palestinos foram mortos.
Alguns anos depois, em 1956, teve lugar a Crise do Suez. Israel, juntamente com a França e a Grã-Bretanha, invadiram o Egipto na esperança de derrubar o presidente Gamal Abdel Nasser, depois de este ter nacionalizado a Companhia do Canal de Suez. A companhia era uma empresa franco-britânica que controlava e operava a estratégica via aquática.
Os três países foram forçados a retirar, e durante a década seguinte uma força de paz das Nações Unidas esteve estacionada ao longo da fronteira egípcia-israelita.
Em meados dos anos 1950 e nos anos 1960 assistiu-se à ascensão do movimento dos Fedayin — grupos palestinos de resistência armada que tentaram montar ataques contra Israel.
Um ano antes da guerra, Israel invadiu a aldeia de As Samu', na Cisjordânia, na maior operação militar desde a Crise do Suez de 1956, depois de o grupo palestino Fatah ter matado vários soldados israelitas. Em consequência, as forças israelitas cercaram os aldeões e fizeram explodir dezenas de casas. No ataque foram mortas cerca de 18 pessoas e feridas mais de 100.
As tensões entre a Síria e Israel também estavam a crescer devido a divergências acerca do uso da água do rio Jordão e das culturas israelitas ao longo da fronteira, o que desempenhou um papel importante no caminho para a guerra.
Em 13 de Maio de 1967, a União Soviética avisou erradamente o Egipto de que Israel estava a agrupar as suas tropas para invadir a Síria. Ao abrigo de um tratado de defesa egípcio-sírio assinado em 1955, os dois países eram obrigados a proteger-se mutuamente em caso de ataque a qualquer deles.
O Egipto ordenou então a retirada das tropas da ONU do Sinai e estacionou aí tropas suas. Poucos dias depois, Nasser bloqueou a navegação israelita no Mar Vermelho.
No final de Maio, o Egipto e a Jordânia assinaram um pacto de defesa mútua que de facto colocava o exército jordano sob o comando do Egipto. O Iraque seguiu o exemplo pouco depois.
Na madrugada de 5 de Junho, Israel lançou um ataque de surpresa contra as bases aéreas do Egipto e destruiu a força aérea egípcia enquanto ainda estava no solo, acto que deu início à guerra.
Os motivos por trás da guerra são um ponto de discórdia entre vários historiadores e analistas.
Alguns acreditavam que Israel tinha «questões pendentes» por não ter tomado a totalidade da Palestina histórica na guerra de 1948. Em vésperas do ataque de 1967, o ministro israelita Yigal Allon escreveu: «Numa nova guerra, devemos evitar o erro histórico da Guerra da Independência [1948] … e não devemos cessar os combates até alcançarmos a vitória total, a realização territorial da Terra de Israel.»
Como se desenrolou a guerra?
O ataque israelita às bases aéreas do Egipto no Sinai e no Suez terá inutilizado pelo menos 90% da força aérea egípcia e ditado o curso da guerra. Forças terrestres israelitas invadiram a Faixa de Gaza e a Península do Sinai no mesmo dia.
Israel também atacou os aeródromos sírios na noite de 5 de Junho. No dia seguinte houve combates entre a Jordânia e Israel pelo controlo da Jerusalém Oriental, que estava na posse dos jordanos.
Ao alvorecer de 7 de Junho, o comandante militar, Moshe Dayan, ordenou que as tropas israelitas tomassem o controlo da Cidade Velha de Jerusalém. Por entre apelos da ONU para um cessar-fogo nesse mesmo dia, os diplomatas israelitas em Nova Iorque e em Washington terão tentado ganhar o apoio dos EUA para atrasar um cessar-fogo, a fim de dar a Israel mais tempo para «terminar o trabalho».
A meio do dia 7 de Junho, as forças israelitas já haviam conquistado a Cidade Velha ao exército jordano.
As principais cidades da Cisjordânia — Nablus, Belém, Hebron e Jericó — caíram nas mãos do exército israelita um dia depois. Israel também bombardeou as pontes Abdullah e Hussein sobre o rio Jordão, que ligavam a Cisjordânia à Jordânia.
Depois de tomarem a Cidade Velha, as forças israelitas demoliram todo o Bairro Marroquino, que tinha 770 anos, para ampliar o acesso àquilo a que os judeus chamam Muro Ocidental (que os muçulmanos conhecem pelo nome de Muro al-Buraq). Este local tem um significado religioso tanto para judeus como para muçulmanos.
Aproximadamente 100 famílias palestinas que viviam no bairro receberam ordens para evacuar as suas casas e o bairro foi bombardeado e completamente demolido. O espaço foi usado por Israel para construir a «Praça do Muro Ocidental», uma área que dava aos judeus acesso directo ao Muro.
Durante toda a guerra e sob as ordens de Yitzhak Rabin — que mais tarde veio a ser primeiro-ministro de Israel —, as forças israelitas efectuaram a limpeza étnica de várias aldeias palestinas, que foram destruídas, expulsando cerca de 10 000 palestinos. Entre as aldeias mais conhecidas contam-se Imwas, Beit Nuba e Yalu.
Nas cidades palestinas de Qalqilya e Tulkarem, na Cisjordânia, o exército israelita destruiu sistematicamente as casas palestinas. Só de Qalqilya foram expulsos cerca de 12 000 palestinos, como «punição», escreveu Dayan nas suas memórias.
A ofensiva de Israel nos Montes Golã sírios começou em 9 de Junho, e no dia seguinte o Golã já tinha sido tomado, colocando Israel a uma distância chocante de Damasco, a capital síria.
Em 9 de Junho foi assinado um cessar-fogo entre o Egipto e Israel, e em 11 de Junho entre a Síria e Israel, terminando de facto a guerra com uma trégua sob mediação da ONU.
A esmagadora maioria dos palestinos recém-desalojados buscou refúgio na Jordânia. Muitos passaram para a Jordânia atravessando o rio, e fizeram-no a pé, com muito poucos pertences.
Que impacte teve a guerra sobre os palestinos, os israelitas e o mundo árabe?
A guerra foi um ponto de viragem para toda a região. Para os palestinos e para o resto do mundo árabe, constituiu um golpe na sua psique e na sua confiança nos governos árabes.
Em seis dias, Israel colocou mais de um milhão de palestinos sob o seu controlo directo na Cisjordânia, em Jerusalém Oriental e na Faixa de Gaza. A guerra de 1967 transformou Israel no país com a maior população palestina.
O choque da perda e da derrota precipitou uma atmosfera revolucionária entre os palestinos, que durante as décadas de 1970 e 1980 impulsionou o surgimento de movimentos de resistência armada que prometiam retomar a Palestina pela força.
Para os israelitas, a captura do território pelo seu governo durante a guerra levou a uma sensação de euforia. Milhares de judeus, até laicos, afluíram ao Muro e, lavados em lágrimas, rezaram para agradecer o que criam ser um milagre divino.
A crença de que o desfecho de 1967 tinha sido um milagre reforçou nos sionistas religiosos e messiânicos a convicção de base religiosa de que tinham direito à totalidade da Terra Santa.
A guerra desencadeou o movimento dos colonos; uma jovem geração de sionistas messiânicos decidiu construir casas na Cisjordânia e em Gaza, território que é ocupado e não faz parte do Estado de Israel.
Mais importante, a guerra pôs a nu a questão da natureza colonial do movimento sionista. Em vez de trocar terra por paz, de acordo com a Resolução 242 da ONU, que no final da guerra de 1967 pediu a Israel que abandonasse os territórios em troca de paz com os seus vizinhos, Israel começou a encorajar cidadãos seus a mudarem-se para os territórios que ocupava e a apoiá-los quando o faziam.
O Estado judaico tinha sido criado em 1948 e a sua soberania tinha sido reconhecida pela maioria dos países do mundo. Mas assim que as armas se calaram em 1967, Israel, em violação directa do direito internacional, começou a construir colonatos ilegais para cidadãos seus em terras que não são suas.
Logo um ano após a guerra de 1967, havia seis colonatos israelitas construídos nos Montes Golã sírios. Em 1973 Israel já tinha criado 17 colonatos na Cisjordânia e sete na Faixa de Gaza. Em 1977, já cerca de 11 000 israelitas viviam na Cisjordânia, na Faixa de Gaza, nos Montes Golã e na Península do Sinai.
«A ocupação da Cisjordânia e de Gaza lembrou ao mundo os aspectos coloniais de Israel», declarou à Al Jazeera o professor Munir Nuseibah, da Faculdade de Direito da Universidade Al-Quds.
Palestina: cinquenta anos de ocupação militar, roubo de terras e colonialismo de povoamento
Apesar da guerra entre os países árabes e Israel, quem mais perdeu foram os palestinos, que estão a assinalar 51 anos de ocupação militar israelita. Esta ocupação é a mais longa da história moderna.
Entre 25 e 27 de Junho Israel anexou ilegalmente Jerusalém Oriental e várias partes da Cisjordânia, declarando-as parte do Estado de Israel, acto nunca reconhecido pela comunidade internacional.
Os demais territórios palestinos ocupados da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, em que vivem cerca de 5,1 milhões de palestinos, permanecem sob controlo militar de Israel, a pretexto de razões de segurança. As suas vidas têm sido pautadas por centenas de checkpoints (postos de controlo) militares, um sistema de passes obedecendo a um código de cores e um Muro de Separação que dividiu famílias.
É difícil sobrestimar o efeito devastador da ocupação militar dos territórios palestinos.
A ONG estado-unidense Human Rights Watch listou pelo menos cinco categorias de «grandes violações do direito internacional dos direitos humanos e do direito humanitário» que caracterizam a ocupação, num relatório divulgado no ano passado. As violações são homicídios ilegais, detenção abusiva, bloqueio da Faixa de Gaza e restrições ao movimento dos palestinos, o desenvolvimento dos colonatos e políticas discriminatórias que prejudicam os palestinos.
«Seja uma criança presa por um tribunal militar ou injustificavelmente baleada, seja uma casa demolida por falta de uma licença inatingível, sejam checkpoints onde apenas os colonos são autorizados a passar, poucos palestinos escaparam a sérias violações de direitos durante estes 50 anos de ocupação», diz no relatório Sarah Leah Whitson, directora para o Médio Oriente da Human Rights Watch. «Israel mantém hoje um sistema consolidado de discriminação institucionalizada contra os palestinos no território ocupado — repressão que vai muito para além de qualquer lógica de segurança.»
Desde 1967 que Israel avança de forma constante e ilegal com a construção de casas e a transferência de cidadãos judeus para a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, em terras palestinas roubadas. Actualmente, pelo menos 600 000 israelitas vivem em colonatos só para judeus espalhados pela Cisjordânia e Jerusalém Oriental.
Os colonatos, que são acompanhados por estradas e infra-estruturas construídas especialmente para os colonos, controlam pelo menos 40% da superfície da Cisjordânia. Deste modo, Israel criou uma realidade de apartheid nos territórios palestinos, realidade em que israelitas e palestinos vivem sob um sistema que privilegia os judeus em detrimento dos não judeus.
«Ao criar dois sistemas separados para israelitas e palestinos, as autoridades israelitas também violam a proibição da discriminação pelo direito internacional», afirma-se num relatório divulgado no domingo passado [2 de Junho] pelo instituto de pesquisas European Council on Foreign Relations, com sede em Londres. «Em suma, a prolongada ocupação israelita cria uma situação de graves violações dos direitos humanos e condições de vida insuportáveis, nas quais comunidades e indivíduos não vêem outra opção que não seja mudarem-se.»
Nur Arafeh, analista do grupo de estudos palestino Al-Shabaka, disse à Al Jazeera que pensa ser baixa a probabilidade de Israel pôr fim à sua ocupação: «Não vejo qualquer probabilidade de Israel se retirar dos territórios ocupados e pôr fim ao seu empreendimento de colonização de povoamento enquanto gozar de uma cultura de impunidade e nunca for responsabilizado pela comunidade internacional pela sua violação do direito internacional e dos direitos humanos, e enquanto o custo da sua ocupação for menor do que o preço de lhe pôr fim.»
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Segunda, 2 Julho, 2018 - 00:00