«A Nakba — de 1948 até hoje», por Ben White

«The Nakba — From 1948 to Today» é um artigo escrito por Ben White especialmente para a Palestine Solidarity Campaign, e publicado na página daquela organização em 29 de Abril de 2016.
 
O que é a Nakba?
A Nakba («catástrofe» em árabe) refere-se à limpeza étnica dos palestinos e à destruição de comunidades palestinas que ocorreram com a criação do Estado de Israel em 1948.
Cerca de 85% a 90% dos palestinos que viviam no que se tornou Israel foram expulsos (cerca de 700 a 800 mil) [1]. Quatro em cada cinco cidades e aldeias palestinas foram destruídas ou repovoadas por israelitas judeus [2]. Em cidades como Haifa e Acre, os bairros palestinos foram esvaziados e repovoados.
A expulsão de palestinos já estava bastante adiantada aquando da declaração unilateral de independência de Israel. Entre 30 de Março e 15 de Maio, cerca de 200 aldeias palestinas foram, nas palavras do historiador israelita Ilan Pappe, «ocupadas e os seus habitantes expulsos» [3]. Assim, antes mesmo do início da guerra «israelo-árabe», cerca da metade do total final de refugiados palestinos já tinham perdido as suas casas [4].
A limpeza étnica não só começou antes de Maio de 1948, mas também continuou por algum tempo depois; a expulsão de palestinos de al-Majdal para a Faixa de Gaza, por exemplo, só foi concluída no final de 1950 [5]. Esvaziada dos seus habitantes palestinos, Al-Majdal tornou-se a cidade portuária israelita de Ashkelon.
Por que é que os palestinos deixaram as suas casas?
A principal razão para a evacuação de centenas de aldeias palestinas entre 1947 e 1948 foi uma combinação de força e medo, algo há muito sustentado por historiadores palestinos [6]. O trabalho de historiadores israelitas, como Benny Morris, forneceu mais provas; de acordo com Morris, das cerca de 400 aldeias palestinas destruídas que ele examinou, «o abandono seguindo ordens árabes» foi o factor decisivo na evacuação da população em apenas seis ocasiões [7].
Os massacres pelas forças sionistas — houve pelo menos duas dúzias — desempenharam um papel fundamental no fomento do terror entre os palestinos [8]. Deir Yassin, onde 100 a 120 habitantes foram mortos em 9 de Abril de 1948, é a atrocidade mais famosa, mas houve muitas outras: em al-Dawamiya, em Outubro de 1948, mais de 100 habitantes — homens. mulheres e crianças — foram mortos [9].
Em muitas cidades e aldeias, os palestinos foram expulsos com armas apontadas, como em Lydda e Ramla. Depois de centenas de pessoas terem sido mortas na conquista das cidades, estima-se que 50.000 habitantes foram obrigados a marchar para a Cisjordânia [10]. Em muitas outras aldeias, as colunas de refugiados foram atacadas com morteiros «para os apressar no caminho» [11].
Por que é que os palestinos não voltaram para as suas casas depois do fim da guerra?
Os refugiados palestinos foram impedidos de voltar para casa pela violência e pela legislação. Já em Junho de 1948, David Ben-Gurion — o primeiro primeiro-ministro de Israel — disse ao seu gabinete que «nenhum refugiado árabe deveria ser admitido de volta» [12]. Ele foi fiel à sua palavra.
Os palestinos que tentaram retornar foram apelidados de "infiltrados" pelas autoridades israelitas e vistos como uma ameaça à segurança. Até 1956, cerca de 5000 refugiados palestinos que tentaram voltar para casa haviam sido mortos pelas forças israelitas; a maioria morreu ao tentar voltar para casa, aceder às suas colheitas ou bens perdidos, ou procurar entes queridos [13].
Entretanto, o governo israelita aprovou rapidamente uma legislação para se apropriar das propriedades e terras dos palestinos expulsos e também para os privar da cidadania a que teriam direito como residentes do novo Estado [14].
Por que é que isso é descrito como «limpeza étnica»?
Não existe uma definição formal de limpeza étnica no direito internacional humanitário, e o termo surge originalmente associado à violência do início dos anos 1990 na antiga Jugoslávia [15]. Em 1994, um artigo no European Journal of International Law definiu o objectivo de longo prazo. de uma “política de limpeza étnica” como «a criação de condições de vida que impossibilitam o retorno da comunidade deslocada» [16].
A Nakba encaixa-se no nosso entendimento da limpeza étnica: o medo e a violência foram usados para esvaziar centenas de cidades e aldeias e os seus habitantes foram impedidos de retornar. Além disso, a intenção da liderança sionista pré-estatal, que se tornou o primeiro governo de Israel, era clara.
Como mostraram os estudos históricos, a ideia de «transferir toda ou parte dos árabes da Palestina para fora do Estado judaico em perspectiva era difundida entre os círculos dirigentes sionistas» muito antes da Nakba [17]. Em 1930, por exemplo, o então presidente do Fundo Nacional Judaico declarou: «Se lá houver outros habitantes, eles devem ser transferidos para qualquer outro lugar. Nós temos que tomar a terra.» [18].
Durante a Nakba, entretanto, uma ordem operacional comum instruiu as forças israelitas para «conquistar as aldeias, limpá-las dos seus habitantes (mulheres e crianças também deveriam ser expulsas)» e «queimar o maior número possível de casas» [19]. Quando perguntaram a Ben-Gurion o que fazer com os habitantes de Lydda e Ramla, a sua resposta foi curta: «Expulsem-nos.» [20].
Em 1900, a população da Palestina era de cerca de 4% de judeus e 96% de árabes e em 1947 os árabes palestinos ainda eram mais de dois terços da população [21]. Assim, como escreveu o jornalista e historiador israelita Tom Segev, «“desaparecer” os árabes estava no cerne do sonho sionista, e também era uma condição necessária para sua realização» [22].
As pessoas comemoram a Nakba na Palestina / Israel?
Os palestinos assinalam o Dia da Nakba em 15 de Maio, incluindo os palestinos na Cisjordânia Ocupada e na Faixa de Gaza. Muitos cidadãos palestinos de Israel, enquanto isso, assinalam a Nakba no “Dia da Independência” oficial do Estado, que muda todos os anos com base no calendário judaico.
Neste dia, os cidadãos palestinos, juntamente com vários israelitas judeus, marcham para o local de uma aldeia destruída. Isto não é apenas um acto de comemoração; 1 em cada 4 palestinos que vivem dentro das fronteiras de Israel anteriores a 1967 são os chamados "absentistas presentes", deslocados internamente na Nakba e até hoje, impedidos por lei de retornar às suas terras e propriedades [23].
Nos últimos anos, o governo israelita tem procurado sabotar a evocação da Nakba pela comunidade palestina, aprovando uma lei que «multa organizações que abertamente rejeitem Israel como um Estado judaico ou assinalem o Dia da Independência de Israel como um dia de luto» [24]. Em Janeiro de 2012, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou uma petição contra a lei, apesar de prejudicar a «liberdade de expressão» [25].
A Nakba é apenas «história antiga»?
Os refugiados palestinos continuam a exigir que seja respeitado o seu direito, internacionalmente reconhecido, de retorno e restituição. Hoje, há cerca de 5,2 milhões de refugiados registados na ONU (o número total de palestinos na diáspora é de 7,5 milhões), com 2 milhões vivendo na Cisjordânia e na Faixa de Gaza sob o regime militar israelita — e a poucos quilómetros das suas terras [26].
Os palestinos também se referem a uma «Nakba contínua», no sentido de que as políticas israelitas de deslocamento forçado e colonização continuaram e até se alargaram ao longo de décadas. Por exemplo, durante a conquista israelita da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, em 1967, cerca de 300.000 palestinos fugiram ou foram expulsos. Dos que deixaram a Cisjordânia, menos de 8% foram autorizados por Israel a retornar [27].
Exemplos contemporâneos incluem a expulsão de famílias palestinas por colonos israelitas em Jerusalém Oriental Ocupada, bem como a demolição de casas e o deslocamento de palestinos em várias áreas da Cisjordânia, incluindo o Vale do Jordão e as colinas do sul de Hebron.
Notas:
[1] Charles D. Smith, ‘Palestine and the Arab-Israeli Conflict’, Bedford/St Martin’s, 2004; Rosemary Sayigh, ‘The Palestinians: From Peasants to Revolutionaries’, Zed Books, 2007.
[2] Hussein Abu Hussein & Fiona McKay, ‘Access Denied’, Zed Books, 2003.
[3] Ilan Pappe, ‘The Ethnic Cleansing of Palestine’, Oneworld Publications, 2007.
[4] Rashid Khalidi, ‘The Palestinians and 1948: the underlying causes of failure’, in ‘The War for Palestine’, Cambridge University Press, 2007.
[5] Benny Morris, ‘The Birth of the Palestinian Refugee Problem Revisited’, Cambridge University Press, 2004.
[6] Walid Khalidi, ‘Plan Dalet: Master Plan for the Conquest of Palestine’, Journal of Palestine Studies, Vol. 18, No. 1, Autumn, 1988, pp. 4-33.
[7] Morris, ‘The Birth of the Palestinian Refugee Problem Revisited’, 2004.
[8] ‘Survival of the fittest’, Ha’aretz, January 8, 2004, http://www.haaretz.com/survival-of-the-fittest-1.61345.
[9] ‘The Poem That Exposed Israeli War Crimes in 1948’, Ha’aretz, March 18, 2016, http://www.haaretz.com/israel-news/.premium-1.709439.
[10] Pappe, 2007; Morris, ‘The Birth of the Palestinian Refugee Problem Revisited’, 2004.
[11] Morris, ‘The Birth of the Palestinian Refugee Problem Revisited’, 2004.
[12] Mark A. Tessler, ‘A History of the Israeli-Palestinian Conflict’, Indiana University Press, 1994.
[13] Benny Morris, ‘Israel’s Border Wars, 1949-1956’, Oxford University Press, 1993; Avi Shlaim, ‘The Iron Wall’, W.W.Norton, 2000.
[14] Victor Kattan, ‘The Nationality of Denationalised Palestinians’, Nordic Journal of International Law, Vol. 74, 2005.
[15] International Committee of the Red Cross, https://www.icrc.org/customary-ihl/eng/docs/v2_rul_rule129_sectionc.
[16] Ethnic Cleansing – an Attempt at Methodology, Drazan Petrovic, European Journal of International Law, Issue Vol. 5 (1994) No. 1.
[17] Benny Morris, ‘Revisiting the Palestinian exodus of 1948’, in ‘The War for Palestine: Rewriting the History of 1948’, Cambridge University Press, 2008.
[18] Nur Masalha, ‘Expulsion of the Palestinians: The Concept of “Transfer” in Zionist Political Thought, 1882-1948’, Institute of Palestine Studies, 1992.
[19] Morris, ‘The Birth of the Palestinian Refugee Problem Revisited’, 2004.
[20] Alexander B. Downes, ‘Targeting Civilians in War’, Cornell University Press, 2008.
[21] Ben White, ‘Israeli Apartheid: A Beginner’s Guide’ (Second Edition), Pluto Press, 2014.
[22] Tom Segev, ‘One Palestine, Complete: Jews and Arabs Under the British Mandate’, Abacus, 2001.
[23] ‘High Court Rejects the Right of Ikrit Refugees to Return Home’, Ha’aretz, June 27, 2003, http://www.haaretz.com/high-court-rejects-the-right-of-ikrit-refugees-to....
[24] ‘High Court Rejects Petition Against Israel’s Controversial ‘Nakba Law’, Ha’aretz, January 5, 2012, http://www.haaretz.com/israel-news/high-court-rejects-petition-against-i....
[25] Adalah press release, January 5, 2012, http://www.adalah.org/en/content/view/7188.
[26] ‘Where we work’, UNRWA, www.unrwa.org; ‘Bureau: Majority of Palestinians live in diaspora’, Ma’an News Agency, May 13, 2015, https://www.maannews.com/Content.aspx?id=765378.
[27] White, 2013.
 

Os artigos assinados publicados nesta secção, ainda que, obrigatoriamente, alinhados com os princípios e objectivos do MPPM, não exprimem necessariamente as posições oficiais do Movimento sobre as matérias abordadas, responsabilizando apenas os respectivos autores.
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