As mulheres palestinas nas prisões de Israel

Neste dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, em 2025, evocamos em especial as mulheres palestinas vítimas da repressão e da prisão política por parte do ocupante israelita, cuja coragem, determinação e resiliência estão bem traduzidas neste poema da grande poeta palestina Fadwa Tuqan (1917-1923) [1].

O DILÚVIO E A ÁRVORE

Quando a tempestade satânica chegou e se espalhou
No dia do dilúvio negro lançado
Sobre a boa terra verdejante
“Eles” contemplaram. 
Os céus ocidentais ressoaram com explicações de regozijo:
“A Árvore caiu!
O grande tronco está esmagado! O dilúvio deixou a Árvore sem vida!”

Caiu realmente a Árvore?
Nunca! Nem com os nossos rios vermelhos correndo para sempre,
Nem enquanto o vinho dos nossos membros despedaçados
Saciar nossas raízes sequiosas
Raízes árabes vivas
Penetrando profundamente na terra.

Quando a Árvore se erguer, os ramos
Vão florir verdes e viçosos ao sol
O riso da Árvore desfolhará
Debaixo do sol
E os pássaros voltarão
Sim, os pássaros voltarão com certeza
Voltarão.

Desde a criação do Estado de Israel, em 1948, a prisão política — forma especial de repressão que também pretende servir de dissuasão aos Palestinos que ainda não foram presos — tem sido uma ameaça constante para toda a população palestina sob ocupação. A administração colonial sobrepôs dois sistemas jurídicos, criando assim uma disparidade legal sobre uma base étnica: para um crime da mesma natureza e cometido no mesmo sítio, um palestino será julgado por um tribunal militar, enquanto um colono o será por um tribunal civil. Considerados como uma ameaça para o Estado, os Palestinos têm um estatuto de “detidos de segurança”, o que permite um regime de detenção administrativa, que por sua vez permite um enclausuramento ilimitado, sem acusação formal nem julgamento, e sem que os advogados dos presos tenham acesso aos processos. Pode durar seis meses, e ser renovada indefinidamente por um juiz militar [1}. 

Depois da troca de prisioneiros de 26 de Fevereiro último há cerca de 9500 presos, dos quais 21 são mulheres e 350 crianças [2]. São especialmente duras as condições de detenção das mulheres, sujeitas a formas de tortura psicológica e física (espancamentos, revistas corporais, violações, proibição de visitas, proibição de ver os filhos...), utilizadas como instrumentos de humilhação, intimidação, ou coacção.

Todas as famílias contam pelo menos um preso, às vezes vários, ou, como também acontece, quase todos. Que podem também ser crianças, ou menores. As mulheres e as crianças têm pago um pesado tributo. Muitas crianças nasceram nas masmorras do ocupante, ou nos hospitais a elas ligados; parturientes algemadas, tantas vezes. Mulheres idosas, com problemas de saúde, também não escapam. 

Ao longo dos anos, os presos começaram a organizar-se para defender os seus direitos, tanto nas prisões para homens como nas das mulheres. As mulheres detidas, muito menos numerosas que os homens (cerca de 3% nos anos 70, cerca de 1% a partir de 2010, devido também a trocas de presos com a potência ocupante), e concentradas numa ou duas prisões, participaram nos movimentos reivindicativos gerais, mantendo ao mesmo tempo lutas específicas, como a afirmação do estado de presas políticas (e não de delito comum). Muitas vezes bastante politizadas, vindas de meios sociais diversos, de diferentes movimentos políticos ou simplesmente mulheres, jovens ou não, participando em manifestações, as presas organizam-se para lançar programas educativos clandestinos, em várias áreas, destinados a detidas. Inovando e diversificando métodos, para contornar as restrições impostas pela administração penitenciária. 

Na última década, algumas das detidas tiveram um papel central no planeamento destes programas. É o caso de Khaleda Jarrar, da Universidade de Bir Zeit e dirigente da associação Addameer de apoio aos detidos palestinos de 1994 a 2006, e membro do Conselho Legislativo Palestino – o parlamento dos territórios palestinos administrados pela Autoridade Palestina. Detida seis vezes desde 1989, em certos períodos em isolamento, foi libertada no fim de Janeiro, no quadro de trocas de reféns. Khaleda Jarrar e outras presas continuam a luta: criando uma preparação do equivalente ao 12° ano, em colaboração com os ministérios de educação e dos assuntos prisionais palestinos; ou desenvolvendo formações em direito internacional e em trabalho social, reconhecidas pela Universidade Al-Quds de Ramallah. Apesar das inúmeras dificuldades, das tensões entre as presas, a prisão é um local de encontro e de coordenação entre os diferentes grupos da sociedade palestina, em particular entre as detidas. Local de encontro, de formação, de desenvolvimento de um espírito crítico, de uma resistência, em suma. 

Estão concentradas nas prisões, mas isoladas no exterior, devido à política do ordenamento colonial do território: check-points, os seus corredores metálicos para controlo da população palestina; os terrenos divididos pelo muro do apartheid, em que os palestinos vivem em pequenas ilhas separadas umas das outras por estradas para palestinos, entrecortadas por estradas reservadas aos israelitas. Paradoxo da colonização e do apartheid: a prisão acaba por favorecer o encontro e fomentar a discussão entre pessoas de profissões, de classes sociais, de locais diversos, entre militantes dos diferentes partidos

Apesar de as violações pelo ocupante continuarem durante o período do acordo de cessar-fogo (962 violações em 42 dias, segundo um relatório publicado pelo jornal Al-Ri-salah, divulgado pela ISM – International Solidarity Movement), apesar do genocídio que ainda não terminou, a resistência continua. «Sim, os pássaros voltarão com certeza». Será 18 de Setembro de 2025 o dia [4] em que «O riso da Árvore desfolhará debaixo do sol», como o esperava Fadwa Tuqan?


[1] Durante as primeiras semanas após a guerra de Junho de 1967, jornais estrangeiros e estações de rádio veicularam notícias que deixavam entrever a calamidade, como se o fim do povo palestino tivesse sido decidido por esse desastre. Dessa situação nasceu este poema. (Documentos MPPM n°5, A Poesia Palestina do Século XX, selecção e tradução de Júlio de Magalhães, Janeiro de 2010).

[2] Parte deste texto inspira-se num artigo de Asja Zaino e Hélène Servel, “Palestiniennes emprisonnées, une histoire de résistances”, publicado no Le Monde Diplomatique (edição francesa) Janeiro de 2025, páginas18-19.

[3] Dados de Addameer, Associação de apoio a presos políticos e de direitos humanos, 6 de Março de 2025).

[4] A 18 de Setembro de 2024, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma nova resolução sobre a questão palestina, com os votos favoráveis de 147 Estados, entre os quais grande parte dos países da União Europeia, incluindo Portugal. Nela se menciona explicitamente que Israel deve abandonar o Território Palestino Ocupado (TPO) no prazo de 12 meses. E que o povo palestino deve gozar do direito à autodeterminação, incluindo o direito a um Estado independente e soberano, em todo o TPO, sem quaisquer obstáculos por parte de Israel.


Imagem: «Quando a família é o único abrigo» por Malik Matar, pintora palestina de Gaza, nascida em 1999, que transpôs para atela a sua experiência traumática de quatro guerras.

Sábado, 08 de Março de 2025 - 19:52