MPPM reclama fim da agressão ao povo palestino e respeito pelos seus direitos inalienáveis
A Direcção Nacional do MPPM, reunida para analisar a situação na Palestina e no Médio Oriente, condena a agressão genocida de Israel contra o povo palestino e a escalada belicista na região, exige o respeito pelo direito internacional, apela a um cessar-fogo imediato e saúda a resistência do povo palestino e todas as forças que o apoiam na sua luta pela concretização dos seus direitos inalienáveis.
1. A barbárie que Israel desencadeou sobre Gaza e sobre toda a Palestina há mais de 100 dias fica na História como um crime maior. Os bombardeamentos e operações militares israelitas na Faixa de Gaza já provocaram cerca de 100 000 vítimas - entre mortos, feridos e desaparecidos – aproximadamente 5% da população desse martirizado e sitiado território. A grande maioria das vítimas são crianças e mulheres. Mais de 10 mil crianças já foram mortas. Bairros inteiros foram arrasados e dois milhões de pessoas, cerca de 85% da população, estão sem abrigo - deslocadas e sem casas às quais possam regressar.
Hospitais, ambulâncias, escolas, centros de acolhimento de refugiados e jornalistas são directamente alvo de ataques militares israelitas. Centena e meia de funcionários das agências humanitárias da ONU foram mortos, o maior número em qualquer conflito. Israel impede a ajuda humanitária de circular livremente e a fome generalizada e as doenças contagiosas são uma realidade cada vez mais premente, que se está a tornar numa catástrofe propositada.
Entretanto, na sombra dos terríveis acontecimentos em Gaza, os militares e colonos israelitas impõem, na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, um reino de terror, com assassinatos, detenções em massa, deslocações forçadas e a destruição de equipamentos de saúde e outras infra-estruturas físicas.
Em toda a Palestina, a matança tem de ser travada, e travada já. O cessar-fogo permanente e o livre acesso da ajuda humanitária são as exigências imediatas e inadiáveis. Têm de ser acompanhados pela reconstrução de Gaza e pelo fim do intolerável cerco que lhe é imposto há já 17 anos.
2. A catástrofe do povo palestino é o resultado de acções intencionais. O objectivo israelita é a sua expulsão de todo o território histórico da Palestina, completando assim a limpeza étnica dos palestinos que acompanhou a criação do Estado de Israel em 1948.
São públicas as declarações nesse sentido, com linguagem abertamente racista, de numerosos dirigentes israelitas, incluindo o Primeiro-Ministro, o Presidente da República e o Ministro da Defesa. O Ministro da Agricultura gaba-se da «Nakba de Gaza». O Ministro do Património defende o uso de uma bomba nuclear em Gaza. Esta é a linguagem dos dirigentes da auto-proclamada «única democracia do Médio Oriente».
Não há pretexto, nem desculpa para esta linguagem genocida. O MPPM saúda o Governo sul-africano pela sua decisão de instar o Tribunal Internacional de Justiça da Haia a pronunciar-se sobre a violação por Israel da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, de 1948. Saúda igualmente as "medidas provisórias" decretadas pelo TIJ, que reconhece o risco de prática do crime de genocídio, sendo indispensável um cessar-fogo imediato para permitir a aplicação dessas medidas.
Israel e os seus aliados ignoram as deliberações do TIJ – ainda que vinculativas – da mesma forma que ignoraram o seu parecer jurídico de 2004 sobre a ilegalidade da construção do Muro do Apartheid e que ignoram todas as normas de direito internacional e as inúmeras resoluções que, ao longo de muitas décadas, o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral da ONU aprovaram sobre a questão palestina.
Israel tem de ser obrigado a respeitar a legalidade internacional e responsabilizado pelos seus crimes, pela sua permanente e sistemática violação do direito internacional, do direito internacional humanitário e das resoluções da ONU sobre a questão palestina. É uma exigência incontornável que tem de ter consequências nas relações de cada Estado com Israel.
3. Os crimes de Israel apenas são possíveis graças à impunidade de que goza, graças ao apoio incondicional que recebe, em primeiro lugar dos Estados Unidos da América, mas também do Reino Unido e das principais potências da União Europeia. Este apoio indefectível ficou patente de forma chocante durante estas semanas de violência genocida.
Patente nos sistemáticos vetos dos EUA à mera exigência pelo Conselho de Segurança da ONU de um cessar-fogo humanitário.
Patente nas proibições e perseguições em numerosos países da UE à manifestação de solidariedade com o povo e a causa palestina.
Patente no apoio militar dos EUA e seus aliados a Israel, alimentando directamente a chacina.
Patente nas declarações dos EUA e de grandes potências europeias contra a iniciativa da África do Sul junto do TIJ.
Patente na persistente recusa em tomar medidas efectivas para travar os crimes de Israel.
Patente no fazer de contas que não se ouvem as declarações abertamente racistas e genocidas do governo fascizante de Israel.
E patente também na criminosa decisão de vários países de cortar o financiamento à UNRWA, a agência da ONU para os refugiados palestinos que assegura parte importante do trabalho humanitário no terreno e da qual depende hoje quase toda a população de Gaza. Este ataque à UNRWA, para mais no contexto de catástrofe que se vive nos territórios palestinos ocupados, é não apenas um novo castigo colectivo sobre todo um povo, como é um acto de aberta cumplicidade com o genocídio e a tentativa de limpeza étnica que Israel está a levar a cabo, por parte dos EUA, Alemanha, Itália, Reino Unido, Holanda, Finlândia e outros países que anunciaram a cessação do financiamento.
Estas posições dos EUA e seus aliados europeus contrastam de forma flagrante com a exigência de cessar-fogo e a generalizada condenação de Israel pela esmagadora maioria dos países do mundo, que ficou patente nas recentes votações na Assembleia Geral da ONU.
Não estamos perante impotência, mas perante cumplicidade. É chocante, e revelador, o contraste com a vaga de sanções, bloqueios, pressões que estas mesmas potências aplicaram e aplicam de forma generalizada noutros contextos, para já não falar nas muitas agressões e guerras que promoveram alegando pretextos “humanitários” e de “responsabilidade de proteger”.
É urgente pôr fim ao apoio aberto ou encoberto dos Estados Unidos da América, Reino Unido e União Europeia a Israel e aos seus crimes. É inadiável o respeito pelos inalienáveis direitos nacionais do povo palestino da parte dos eternos padrinhos de Israel. É urgente acabar com a sistemática violação ou utilização selectiva das normas do direito internacional e da Carta da ONU, tão chocante no caso da Palestina. É urgente pôr fim ao ataque em curso contra a ONU e as suas instituições, por parte destes países.
4. Israel e os seus apoiantes procuram alargar a guerra a todo o Médio Oriente, região do planeta já tão duramente castigada por décadas de agressões ilegais dos EUA e seus aliados da NATO e da região.
Sucedem-se os ataques militares israelitas contra a Síria e o Líbano e as ameaças explícitas de abrir novas frentes de guerra contra esses países e contra o Irão. Bandos terroristas que pareciam destruídos, como o ISIS, ressurgem misteriosamente e reclamam actos terroristas que provocaram largas dezenas de mortos no Irão.
Os EUA e Reino Unido desencadearam ilegais operações militares com bombardeamentos sobre o Iémen, cujo povo já sofreu os efeitos devastadores de uma guerra de muitos anos, conduzida com o apoio dessas mesmas potências.
Iniciativas como a operação naval dos EUA no Mar Vermelho, não apenas são incapazes de alcançar os objectivos proclamados, como iludem a questão de fundo: a de que os ataques a navios no Mar Vermelho são consequência directa da chacina israelita em Gaza e da conivência com essa chacina, pelo que o cessar-fogo imediato em Gaza é, além duma exigência incontornável em si mesma, o passo necessário para lhes pôr fim. Estamos perante o risco iminente de uma generalização da guerra a toda a Ásia Ocidental e Norte de África, com efeitos imprevisíveis, mas seguramente devastadores.
É preciso travar a escalada de guerra e impedir que a catástrofe do povo palestino se estenda a todo o Médio Oriente. É preciso pôr fim aos sistemáticos bombardeamentos e à presença ilegal de tropas de ocupação na Síria, Líbano, Iraque e outros países da região, bem como travar a lógica de confrontação em curso com o Irão.
5. A catástrofe que se abateu sobre o povo palestino desde Outubro de 2023 vem na sequência da catástrofe que esse povo vive desde 1948. É urgente que, juntamente com a imposição de um cessar-fogo permanente, do fim do cerco a Gaza e do início da sua reconstrução, seja rapidamente concretizado um real processo político para a concretização dos direitos nacionais do povo palestino.
Não é admissível que o direito do povo palestino a um Estado soberano e independente, reconhecido internacionalmente desde há 75 anos mas nunca concretizado, continue a ser protelado indefinidamente, ao mesmo tempo que Israel - que nunca aceitou realmente a solução de dois Estados constante das resoluções da ONU - continua com impunidade a alterar a realidade no terreno visando inviabilizar uma tal solução.
A má-fé negocial de Israel está patente na construção incessante de colonatos nos territórios ocupados, na construção do Muro do Apartheid no interior do território da Cisjordânia, nas perseguições à direcção do movimento nacional palestino que se seguiram aos Acordos de Oslo. A resposta dos EUA e UE a essa má-fé negocial foi de cumplicidade.
Se há algo que fica provado pelos acontecimentos destes meses é que não haverá paz no Médio Oriente sem o reconhecimento dos legítimos e inalienáveis direito do povo palestino a ter um Estado soberano e independente em território da Palestina.
Como disse o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, os acontecimentos de 7 de Outubro não se deram num vazio. Esses acontecimentos são antes o resultado dos crimes da ocupação israelita, acompanhados pela inexistência de qualquer perspectiva de solução política da questão palestina.
Os sete dias de cessar-fogo em Novembro, que foi acompanhado pela troca de detidos de ambas as partes, mostram que há alternativas reais à política de guerra e apontam o caminho que urge trilhar.
Três questões são decisivas para que um real processo político respeitador dos direitos nacionais do povo palestino possa ter êxito:
• que os representantes legítimos do povo palestino tenham um papel determinante em todo este processo não sendo admissível, nem a exclusão da parte palestina, nem a imposição externa de quem pode ou não representar o povo palestino nesse processo;
• que seja a ONU a assumir a condução, sendo hoje indiscutível que os EUA, com o seu apoio incondicional à violência genocida de Israel, perderam toda e qualquer legitimidade para pretender hegemonizar o processo;
• que seja assegurada a criação de um Estado palestino realmente soberano e independente nos territórios palestinos ocupados em 1967, com pleno controlo das suas fronteiras internacionalmente reconhecidas, dos seus recursos e das suas decisões políticas, garantindo o direito de regresso dos refugiados e Jerusalém Oriental como capital, nos termos das resoluções da ONU, como passo imprescindível para alcançar a paz.
6. O genocídio que está a ser cometido por Israel contra o povo palestino e os riscos de guerra generalizada no Médio Oriente exigem que nada fique igual a partir de agora. Todos os governos, todos os países, têm de assumir as consequências dos factos que vivemos. Não apenas em termos das suas relações com Israel, mas de forma mais geral.
Está à vista o resultado de décadas de ilegais guerras e agressões no Médio Oriente por parte de Israel, dos EUA, do Reino Unido, de potências da UE e NATO. Estão à vista os perigos a que conduz uma visão de que grandes potências – algumas das quais foram potências coloniais na região – teriam o “direito” de continuar a ditar ordens aos países e povos da região, menosprezando os seus direitos e interesses.
É uma evidência que os pretextos “humanitários” e “de protecção de populações” com que se pretendeu justificar guerras ilegais não passavam de uma farsa grotesca. Essas guerras e agressões tiveram sempre e exclusivamente intenções de dominação e controlo económico e político sobre a região. E é uma evidência que essa política conduziu ao desastre.
É urgente uma nova política de relações internacionais, baseada nos princípios da Carta da ONU e no direito internacional, que recuse quaisquer formas de dominação colonial, neocolonial e imperialista, de hegemonia imposta pela força das armas ou pelas relações económicas desiguais e sem regras.
7. O MPPM sublinha que as posições dos órgãos de soberania portugueses nesta matéria contrastam com o que é exigido pela gravidade dos acontecimentos.
O Presidente da República destacou-se pelo lamentável “ralhete” público que dirigiu ao Embaixador da Palestina em Portugal.
O Governo, apesar da votação positiva na ONU às moções pedindo um cessar-fogo, tem-se abstido de condenar publicamente Israel, evitando usar neste caso a linguagem e tomar as medidas que tão facilmente utiliza noutros contextos. Não deu o passo de reconhecer formalmente o Estado da Palestina, que seria um sinal importante, já dado por quase 140 países. O Ministro dos Negócios Estrangeiros admite envolver Portugal numa operação militar da UE no Mar Vermelho.
A Assembleia da República, apesar de posições positivas em legislaturas anteriores, aprovou em fim de mandato uma moção que não condena Israel pelos seus crimes e em que se abstém de considerar que as resoluções da ONU são a base para uma solução de dois Estados, abrindo caminho para que sejam consideradas apenas como ponto de partida para novas exigências de concessões da parte palestina.
Perante a chacina cometida contra o povo palestino, e num momento em que o TIJ admite a possível existência de crime de genocídio em Gaza, o que se exige da parte dos órgãos de soberania portugueses é que rompam com qualquer conivência com Israel e sejam firmes no cumprimento do que a Constituição da República impõe em matéria de relações internacionais.
É necessária da parte dos órgãos de soberania portugueses uma clara condenação dos crimes de Israel, da cumplicidade evidente dos EUA e da cumplicidade, aberta ou encapotada, da União Europeia. O futuro governo português tem de reconhecer o Estado da Palestina e não pode, como tem acontecido até aqui, alimentar a escalada de guerra dos EUA, Reino Unido, UE e NATO na região, que apenas conduz ao abismo.
8. O MPPM reafirma a sua solidariedade de sempre para com a luta de libertação e a resistência do povo palestino, em defesa do seu direito a uma pátria soberana e independente, ao pleno respeito pelas suas aspirações e direitos nacionais, à vida.
O MPPM saúda as forças democráticas que, em condições dificílimas e sujeitas a permanente repressão, prosseguem no interior de Israel a luta contra a ocupação e o genocídio, e contra a repressão e as inúmeras leis discriminatórias que já levaram numerosas entidades a classificar Israel como um regime de apartheid.
O MPPM saúda o avassalador movimento popular que, em todo o mundo, enche ruas e praças em manifestações de solidariedade com a Palestina, muitas vezes desafiando proibições iníquas de governos tementes da força dos povos.
O MPPM saúda todas as pessoas que ao longo destes quase quatro meses desceram à rua de Norte a Sul de Portugal, de Braga a Faro, de Viseu ao Funchal, em muitas dezenas de iniciativas que reuniram muitos milhares de participantes.
O MPPM saúda também todas as associações e colectivos que, por múltiplas formas, ajudaram a engrossar o caudal de solidariedade com a causa palestina em Portugal, em particular os seus parceiros em muitas das iniciativas: a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional (CGTP-IN), o Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC), e o Projecto Ruído - Associação Juvenil.
Está nas mãos dos povos, está nas nossas mãos exigir que o imperioso fim do massacre contra Gaza e a Cisjordânia seja também o momento em que se abram condições para finalmente resolver a questão palestina, no respeito pelos direitos inalienáveis do seu povo.
31 de Janeiro de 2024
A Direcção Nacional do MPPM
Foto: Palestinos refugiam-se das bombas sobre Khan Younis no Sul de Gaza (Foto: AFP)