MPPM condena a continuada acção genocida de Israel na Palestina e insta o governo português a respeitar o direito internacional
No décimo aniversário do Dia Internacional da Comemoração e da Dignidade das Vítimas do Crime de Genocídio e da Prevenção deste Crime [1], o Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente (MPPM) condena a continuada acção genocida de Israel na Palestina e insta o governo português a respeitar o direito internacional cessando a sua conivência neste crime, por acção e por omissão.
Israel está a praticar, continuadamente, actos de genocídio a que a declaração de cessar-fogo na Faixa de Gaza não pôs termo. Para isso, Israel beneficia da cumplicidade activa e passiva da maioria dos Estados “ocidentais”. Mas o direito internacional estabelece não só a obrigação de prevenir o genocídio como pune a cumplicidade nos mesmos termos da prática do crime.
Israel está a cometer um crime de genocídio
Reputadas organizações internacionais, palestinas e mesmo israelitas de defesa dos direitos humanos conduziram aprofundadas investigações que culminaram em relatórios que têm vindo a ser publicados, todos eles confirmando a prática do crime de genocídio [2] por Israel, nomeadamente: Amnistia Internacional, Médicos Sem Fronteiras, Human Rights Watch, Palestinian Center for Human Rights, B’Tselem – The Israeli Information Center for Human Rights in the Occupied Territories, PHRI - Physicians for Human Rights (Israel) e International Association of Genocide Scholars.
Também vários relatores especiais e peritos independentes das Nações Unidas, incluindo a relatora especial Francesca Albanese, se têm pronunciado no mesmo sentido e, mais recentemente, a Comissão de Inquérito Independente da ONU concluiu num relatório que «o Estado de Israel é responsável por não ter impedido o genocídio, pela prática de genocídio e por não ter punido o genocídio contra os palestinos na Faixa de Gaza».
No processo movido pela África do Sul contra Israel pela prática do crime de genocídio, o Tribunal Internacional de Justiça considerou que havia um risco plausível de genocídio e decretou, em 26 de Janeiro de 2024, medidas provisórias a serem adoptadas por Israel. O tribunal recordou que «as suas decisões sobre medidas provisórias nos termos do artigo 41.º do Estatuto têm efeito vinculativo e, por conseguinte, criam obrigações jurídicas internacionais para qualquer parte a quem as medidas provisórias se destinem». Em 28 de Março e 24 de Maio de 2024 o tribunal confirmou e ampliou as medidas provisórias anteriores.
Em suma: nenhuma entidade, nacional ou supranacional, pode alegar ignorância de que Israel está a praticar um genocídio.
A declaração de cessar-fogo não parou o genocídio
A declaração de cessar-fogo na Faixa de Gaza em 10 de Outubro de 2025 tem servido de pretexto aos governos “ocidentais” para renormalizar as suas relações com Israel — relações que, em boa verdade, nunca tinham sido seriamente afectadas.
No entanto, as acções genocidas de Israel não cessaram. Entre 10 de Outubro e 2 de Dezembro, diz a Al Jazeera, registaram-se 591 violações do cessar-fogo por parte de Israel, causando 360 mortos e 922 feridos palestinos, além do habitual cortejo de destruição de casas e infra-estruturas. Segundo a BBC, desde o cessar-fogo Israel destruiu 1500 edifícios na área que continua a ocupar na Faixa de Gaza.
Continuam também os entraves à entrada de ajuda humanitária: segundo fonte das Nações Unidas, devido às restrições de circulação impostas por Israel, só uma fracção dos camiões de ajuda humanitária programados para entrar em Gaza chegou ao seu destino.
O genocídio continua e só não vê quem não quer.
Israel está a destruir o presente, o futuro e o passado da Palestina
Os números registados até à data são já de si angustiantes: mais de 70.000 mortos, sendo mais de 20.000 crianças, e 180.000 feridos; mais de dois terços das terras e recursos agrícolas destruídos; mais de 85% das instalações de água e saneamento total ou parcialmente inoperativos; a biodiversidade da Faixa de Gaza seriamente afectada; 42 milhões de toneladas de detritos contaminados e entre 5 e 10% de explosivos que não detonaram.
Mas enquanto os “planos de paz” apontam à reconstrução do edificado, nada permitirá reconstruir a educação de toda uma geração perdida pelo assassinato de estudantes, professores e outro pessoal de educação e a destruição de inúmeras infra-estruturas escolares, como nada permitirá evitar as sequelas das vítimas de desnutrição, dos portadores de doenças crónicas, da falta de cuidados de saúde reprodutiva, materna, neonatal e infantil, das vítimas de epidemias doenças infecciosas — consequências dos ataques especificamente dirigidos ao sistema de saúde — hospitais, clínicas, ambulâncias, médicos e paramédicos.
O assassinato selectivo de jornalistas e outros profissionais da comunicação visou criar uma barreira de silêncio sobre os crimes cometidos em Gaza. Morreram mais jornalistas na presente guerra de Israel contra Gaza do que em todas as guerras desde a guerra civil americana até à guerra no Afeganistão, incluindo as duas guerras mundiais.
Mas não é só o presente e o futuro da Palestina que estão na mira do genocídio israelita. O Estado de Israel tem procurado apagar a identidade nacional do povo palestino recorrendo à manipulação, pilhagem ou destruição do seu património cultural, tendo como alvo não só o património material —edifícios históricos e religiosos, sítios arqueológicos, museus e bibliotecas, edifícios culturais e académicos, centros de documentação —, mas também o património imaterial — os costumes, a cultura e os artefactos.
Também a profanação de cemitérios, a anonimização dos mortos e a retenção de cadáveres se inserem numa política de Israel de agressão aos valores culturais da sociedade palestina.
As obrigações dos Estados
O artigo I da Convenção sobre o Genocídio estabelece que as Partes Contratantes confirmam que o genocídio, seja cometido em tempo de paz seja em tempo de guerra, é um crime nos termos do direito internacional, que se comprometem a prevenir e punir.
O artigo III estabelece que são puníveis não só a prática do genocídio como a conspiração, o incitamento e a tentativa de cometer genocídio e a cumplicidade com o genocídio.
E o artigo IV determina que as pessoas que cometerem genocídio ou qualquer dos outros actos enumerados no artigo III serão punidas, sejam elas governantes constitucionalmente responsáveis, funcionários públicos ou particulares.
Israel assinou a Convenção em Agosto de 1949 e ratificou-a em Março de 1950; Portugal aderiu à Convenção em Fevereiro de 1989 e a Palestina aderiu em Abril de 2014.
O Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) determinou que a obrigação de prevenção é de «devida diligência», o que significa que os Estados devem tomar todas as medidas razoáveis ao seu dispor para impedir o genocídio assim que tomam conhecimento de um risco.
Risco de acusação de cumplicidade no genocídio
Têm sido divulgados — e causam preocupação — eventos que são susceptíveis de ser considerados actos de cumplicidade com o genocídio de Israel na Palestina e, por isso, colocar o nosso país sob alçada dos tribunais internacionais.
Entre 23 e 24 de Abril passado, fizeram escala na Base das Lajes, nos Açores, três caças furtivos F-35 que os Estados Unidos venderam a Israel, havendo a suspeita de que outros trânsitos terão ocorrido anteriormente.
Como o MPPM oportunamente alertou, o navio Holger G, com pavilhão português, está a navegar no Atlântico Sul em rota para Haifa, Israel, onde deverá chegar no final do ano, com um carregamento de 440 toneladas de material militar, incluindo 175 toneladas de projécteis de 155 mm, com destino às empresas israelitas Elbit Systems e IMI – Israel Military Industries.
Em Agosto de 2025 o Comité de Solidariedade com a Palestina denunciou que a Força Aérea Portuguesa continuava a fazer negócios com a empresa de armamento israelita Elbit.
Em Agosto de 2024 denunciámos que o navio Kathrin (IMO 9570620, MMSI 255806285), com pavilhão português, transportava material militar com destino a Israel. Só depois de muita pressão da opinião pública portuguesa é que o governo cancelou o registo português.
Tem sido referido que a permissividade portuguesa no que que respeita à entrada de cidadãos israelitas estará a permitir acolher no nosso país responsáveis por crimes de guerra praticados na Faixa de Gaza.
O MPPM sempre activo e solidário com o povo palestino
Não obstante a repressão exercida em alguns países, o movimento de solidariedade com a Palestina tem crescido e é responsável por alguns sucessos na luta contra o genocídio israelita. O MPPM insere-se nesse movimento e manterá firme a sua solidariedade com o povo palestino até que sejam realizados todos os seus direitos nacionais.
No Dia Internacional da Comemoração e da Dignidade das Vítimas do Crime de Genocídio e da Prevenção deste Crime o MPPM:
Condena veementemente o genocídio praticado por Israel sobre o povo palestino na Faixa de Gaza, mas também na Cisjordânia, em Jerusalém Oriental e nos territórios ocupados em 1948 e que hoje constituem o Estado de Israel;
Exige que o governo, no respeito pelo direito internacional e pelas convenções e pactos que Portugal subscreveu, cesse todos os actos que possam constituir cumplicidade com o genocídio e, ao invés, tudo faça para o prevenir e levar os seus responsáveis perante a justiça;
Apela a todas as pessoas individuais e colectivas sensíveis às questões da paz, dos direitos humanos e dos direitos dos povos para que não poupem esforços na solidariedade com a causa palestina e na condenação do genocídio, do apartheid e da ocupação colonial de Israel na Palestina.
9 de Dezembro de 2025
A Direcção Nacional do MPPM
[1] O Dia Internacional da Comemoração e da Dignidade das Vítimas do Crime de Genocídio e da Prevenção deste Crime celebra-se anualmente a 9 de Dezembro e foi instituído em 2015 pela Assembleia Geral da ONU, assinalando a adopção da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio pela mesma Assembleia Geral em 9 de Dezembro de 1948, com o objectivo de sensibilizar para a Convenção e para o seu papel no combate e prevenção do crime de genocídio, e para comemorar e honrar as suas vítimas.
[2] A definição legal de genocídio está consagrada no Artigo II da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio das Nações Unidas, adoptada em 1948, e posteriormente incluída no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (Artigo 6.º).
De acordo com estes instrumentos legais, entende-se por genocídio qualquer dos seguintes actos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:
(a) Matar membros do grupo;
(b) Causar danos físicos ou mentais graves a membros do grupo;
(c) Infligir deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar a sua destruição física, total ou parcial;
(d) Impor medidas destinadas a impedir os nascimentos no grupo;
(e) Transferir à força crianças do grupo para outro grupo.
O elemento crucial que distingue o genocídio de outros crimes contra a humanidade é a "intenção especial" (dolus specialis) de aniquilar o grupo-alvo na sua identidade colectiva. Os perpetradores do genocídio podem ser punidos, independentemente de serem governantes, funcionários públicos ou particulares.