MPPM alerta para a extrema gravidade da situação no Médio Oriente
1. Vivemos hoje um momento particularmente grave, em que após décadas de promessas incumpridas pela comunidade internacional e da violação permanente da legalidade internacional e das resoluções da ONU sobre a questão palestina, podemos estar à beira duma nova catástrofe - uma nova Nakba - do Povo Palestino. Estamos confrontados com uma estratégia concertada entre os governos dos EUA e de Israel, para destruir toda e qualquer hipótese de criar um Estado Palestino independente em território histórico da Palestina.
2. Desde há décadas que é política oficial dos EUA inviabilizar qualquer processo real conducente à criação dum verdadeiro Estado soberano da Palestina, em território palestino, como proclamam sete décadas de resoluções da ONU. Tal facto tornou-se particularmente claro no último quarto de século, quando os EUA afirmaram a sua hegemonia planetária de forma aberta, e está patente no balanço dos 25 anos da assinatura dos Acordos de Oslo, em 13 de Setembro de 1993. Foram pesadas as concessões impostas ao lado palestino, no âmbito dum processo que marginalizou as estruturas da ONU, concessões aceites a troco de promessas de negociações que conduzissem à criação dum Estado Palestino nos territórios ocupados em 1967. Mas apesar dessas grandes concessões, Israel respondeu, na prática, com a recusa de um Estado Palestino, criando factos consumados que o inviabilizam. Uma recusa simbolizada pelo cerco de muitos meses ao dirigente histórico do Povo Palestino e presidente eleito da Autoridade Palestina, Yasser Arafat, que terminou com a sua morte, em condições nunca explicadas, num hospital militar em Paris, em 2004.
3. A recusa de Israel de viabilizar a criação dum Estado Palestino é evidente na ilegal política de construção de colonatos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, onde vivem já cerca de 600 mil colonos israelitas – bem mais do triplo que em 1993 – política que viola numerosas resoluções da ONU, incluindo a Resolução 2334 do Conselho de Segurança da ONU, de Dezembro de 2016. É evidente no prosseguimento da construção do igualmente ilegal Muro do Apartheid, explicitamente condenado pelo Tribunal Internacional de Justiça da Haia. É evidente nas mil e uma formas de ocupação, discriminação, repressão e ataque sistemático contra o povo resistente da Palestina e contra os seus direitos nacionais, como o autêntico massacre em curso de indefesos e desarmados manifestantes palestinos por atiradores de elite do exército de Israel. É evidente nas múltiplas formas de limpeza étnica do território palestino, dramaticamente ilustrado nos dias que correm com a destruição da aldeia de Khan al-Ahmar. É evidente nas bárbaras guerras e ataques militares, como os desferidos em repetidas ocasiões, com destaque para 2008 e 2014, contra a Faixa de Gaza cercada, e em 2006 contra o Líbano. A chocante impunidade, ao longo de décadas, com que Israel desafia a legalidade internacional, testemunha a cumplicidade dos EUA e das grandes potências europeias com os sistemáticos crimes do Estado israelita.
4. A política da Administração estado-unidense e do seu Presidente, Donald Trump, e do governo de extrema-direita em Israel, está a configurar uma situação qualitativamente nova. O que está hoje em causa é a destruição da solução de dois Estados que, desde há décadas, é proclamada pela comunidade internacional. Em aberta violação das resoluções da ONU, o governo Trump reconheceu Jerusalém como capital de Israel, transferindo para essa cidade a Embaixada dos EUA; anunciou o corte total dos financiamentos dos EUA à UNRWA, a agência da ONU que assegura o funcionamento dos campos onde vivem milhões de refugiados palestinos que são parte inalienável da nação palestina; anunciou o corte de financiamento aos hospitais de Jerusalém Oriental; pressiona e ameaça sistematicamente a Autoridade Palestina, para que aceite cedências ainda maiores, incluindo o anúncio recente do encerramento da sua Embaixada, e de expulsão do embaixador palestino em Washington; e ameaçou o Tribunal Penal Internacional (que os EUA não reconhecem) com sanções e perseguições caso investigue os crimes de guerra dos EUA ou de Israel. Em simultâneo, o Parlamento de Israel aprovou a Lei da Nacionalidade que, afirmando o carácter judaico da «Terra de Israel», sem explicitar fronteiras, recusa explicitamente o direito de autodeterminação a qualquer outro povo. Tudo isto converge no objectivo de que, em todo o território histórico da Palestina, do Mediterrâneo ao rio Jordão, exista um único Estado, o Estado judaico de Israel.
5. A realidade palestina é inseparável da situação mais global dos povos do Médio Oriente, uma realidade dramática como se comprova hoje pela catástrofe humanitária em curso no Iémen, fruto da guerra lançada pela Arábia Saudita e pelos Emirados Árabes Unidos com o apoio de potências ocidentais, e que ameaça conduzir à fragmentação do país. Neste último quarto de século, a cumplicidade das grandes potências ocidentais com Israel foi acompanhada por numerosas guerras de agressão, ilegais ao abrigo do Direito Internacional e acompanhadas por intensas campanhas de desinformação e mentiras — de que as «armas de destruição em massa de Saddam Hussein» são exemplo emblemático, embora não único. Estas guerras tiveram como alvos no Médio Oriente e Norte de África países que, salvaguardadas as especificidades de cada caso e independentemente de insatisfações populares legítimas, tinham em comum um passado de afirmação da sua soberania e independência nacional face ao domínio por parte de potências estrangeiras, nomeadamente das antigas potências coloniais, e de apoio à causa do Povo Palestino. É o caso do Iraque, do Líbano, da Líbia, da Síria. É também o caso do Irão, hoje alvo aberto da dupla Trump-Netanyahu, e cujo acordo multilateral sobre o nuclear (o acordo «5+1») foi publicamente violado pelo governo de Trump, apesar das reiteradas garantias de cumprimento por parte do Irão dadas pela Agência Internacional de Energia Atómica. As anunciadas sanções dos EUA, não apenas contra o Irão, mas extensíveis a qualquer país ou empresa que tenha negócios com o Irão, significam que podemos estar perante uma escalada de gravíssimas proporções na situação do Médio Oriente. O reconhecimento público por Israel de que «nos últimos dois anos Israel concretizou acções militares no interior da própria Síria em mais de 200 ocasiões», exemplificado pelos bombardeamentos dos últimos dias que ameaçam arrastar a região e o planeta para conflagrações ainda mais graves, bem como o reconhecimento recente pelas forças armadas de Israel, noticiada na imprensa de Israel e dos EUA, de que Israel tem armado e financiado os chamados «rebeldes sírios», inseparáveis do fundamentalismo e terrorismo, são uma afirmação eloquente de que a guerra em curso na Síria não é um mero problema interno, mas resulta de planos e objectivos de ingerência, agressão e controlo do Médio Oriente e dos seus enormes recursos, em que Israel é um agente activo.
6. O MPPM considera que, perante a gravidade da situação que se vive, todos os amigos da causa palestina e dos povos do Médio Oriente, e todos quantos desejam um planeta onde se respeitem os princípios da Carta da ONU e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, têm o dever de erguer a sua voz. Está em curso uma tentativa para esmagar de vez os legítimos direitos e aspirações do Povo Palestino e, a prazo, a sua própria existência enquanto povo. Calar perante a gravidade do momento significa destruir a credibilidade da ONU e de quaisquer proclamações sobre o Direito Internacional. Importa, pois, elevar a voz da solidariedade com o Povo Palestino e da defesa da Paz, condenando o repetido tripúdio das resoluções da ONU por parte de Israel e dos EUA. Uma solidariedade que o MPPM considera fundamental reforçar, desde logo no nosso país.
7. O MPPM considera que o governo português tem de assumir as suas responsabilidades constitucionais, tomando uma posição clara e sem ambiguidades em defesa dos direitos do Povo Palestino e da Paz. Entre outras medidas, Portugal tem de exigir o fim imediato do massacre de manifestantes palestinos desarmados pelas forças armadas de Israel, e denunciar a brutalidade das medidas repressivas e de punição colectiva sobre a população palestina. Portugal tem de erguer a sua voz para exigir o fim das operações ilegais, ilegítimas e brutais de limpeza étnica da população palestina. Portugal tem de reconhecer sem mais delongas a Palestina como Estado independente – na sequência do apelo nesse sentido aprovado pela Assembleia da República – e retirar todas as conclusões em matéria das suas relações bilaterais com Israel. Portugal tem de pugnar pelo reconhecimento da Palestina como membro de pleno direito da ONU e, em coerência com essa decisão, construir uma política activa de cooperação e desenvolvimento com o Estado da Palestina. É urgente que Portugal tome um papel activo exigindo o regresso da questão palestina ao seio da ONU – de onde nunca deveria ter saído.
8. O MPPM considera ainda que Portugal deve pugnar, no âmbito da União Europeia, não apenas pelo reconhecimento da Palestina como membro de pleno direito da ONU mas também pela denúncia do Acordo de Associação entre a UE e Israel, em cujo preâmbulo se refere o respeito pelos direitos humanos e a democracia, e ao abrigo do qual Israel recebe milhões de euros dos fundos comunitários, nomeadamente no financiamento de projectos de cooperação científica usados, de facto, para fins militares e na repressão dos palestinos. O MPPM denuncia a cumplicidade da UE com Israel, limitando-se a complacentes e brandas repreensões, quando se impõem verdadeiras sanções a Israel pelas suas violações dos direitos humanos e do direito internacional, quando é indispensável a promoção activa de uma solução que respeite a legalidade internacional e os direitos do Povo Palestino, nomeadamente o direito a um Estado independente. Ao não assumir as suas responsabilidades, a posição da UE é objectivamente de seguidismo e subserviência relativamente à desastrosa política dos Estados Unidos, que põe em causa a solução de dois Estados que a própria UE publicamente defende.
9. O MPPM reafirma o seu apoio permanente à luta do Povo Palestino pelos seus inalienáveis direitos nacionais, pelo direito a uma pátria independente e viável, de acordo com as relevantes resoluções das Nações Unidas, tendo Jerusalém Oriental por capital, e por uma solução justa para a questão dos refugiados palestinos. O MPPM afirma ainda a sua solidariedade com todos os povos do martirizado Médio Oriente, que sofrem as consequências de décadas de agressão e guerra, e que são vítimas da cobiça de potências estrangeiras sobre os seus recursos. A causa do Povo Palestino é inseparável da causa da Paz no Médio Oriente.
Lisboa, 22 de Setembro de 2018
A Direcção Nacional do MPPM