Milhares voltam à rua em Lisboa pela Palestina
Nesta terça-feira 17 de Junho, em que no Parlamento se discutia o programa do governo – omisso em compromissos com a Palestina –, milhares de pessoas voltaram a manifestar-se em Lisboa num grande desfile que teve início no Largo de Camões e culminou numa concentração frente à Assembleia da República.
O apelo lançado por CGTP-IN, CPPC, MPPM e Projecto Ruído, a que aderiram muitas outras organizações e colectivos, reclamava o fim do genocídio e o reconhecimento do Estado da Palestina por Portugal.
Frente à Assembleia da República, com apresentação de Isabel Medina, André Levy leu uma mensagem de Mahmoud Issa Abu Marcel, palestino que esteve 27 anos preso nas cadeias de Israel, dirigida a esta manifestação.
Seguiram-se intervenções de Isabel Camarinha (CPPC), Mariana Metelo (Projecto Ruído), Carlos Almeida (MPPM) e Tiago Oliveira (CGTP-IN).
Foi então posta a votação uma moção que foi aprovada por unanimidade e aclamação.
Texto da intervenção de Carlos Almeida
Ali dentro, começou hoje a ser discutido o programa do novo governo. Vale a pena ler o que nele se diz sobre o que diariamente acontece na Palestina:
«Manter a defesa do cessar-fogo incondicional e permanente, e promover a solução de dois Estados, enquanto via indispensável à construção de uma paz justa e duradoura para o conflito israelo-palestiniano» (p. 44).
Quem escreve estas palavras, hoje, 17 de Junho de 2025, perdeu todo o sentido da decência, isso é certo. Mas talvez ache que governa um país de idiotas. Ou pense que, papagueando fórmulas passadas a que o tempo retirou substância, disfarça a sua cobardia. Escolha quem possa a opção menos má.
Não é possível falar em cessar-fogo porque não é de guerra que se trata, mas de genocídio, um crime monstruoso, pela primeira vez televisionado e transmitido em directo, executado com uma perversidade raramente observada, não certamente no nosso tempo de vida.
Não há solução de dois Estados sem a sanção sobre Israel que, há mais de setenta e sete anos, impõe, à vista do mundo, a solução de um único Estado, mas de apartheid e segregação.
E se de conflito podemos falar, ele só pode ser de Israel contra o direito internacional e a Carta das Nações Unidas, do sionismo contra a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Por isso aqui estamos, para afirmar que este governo, este programa político não nos representa, que ele é contrário à Constituição da República e que lhe daremos combate com todas as nossas forças.
Exigir o fim do genocídio e reconhecer o Estado da Palestina é o limiar político mínimo a que estão obrigados todos os governos do mundo, a começar pelo português, se não quiserem que o seu nome figure para sempre na lista dos responsáveis pela carnificina em curso.
Mesmo assim, além de tardio, isso será insuficiente. Reconhecer o Estado da Palestina tem de implicar o fim de toda a cooperação com o Estado de Israel e uma acção determinada no sentido da suspensão do acordo de associação com a União Europeia.
Há dias, a imprensa tornou público o que há muito denunciamos: o uso de fundos da União Europeia para o financiamento das empresas, universidades, centros de investigação e serviços militares que compõem a máquina de guerra de Israel.
É bom que nos recordemos disso quando nos falarem sobre a necessidade de gastar os nossos impostos na compra de mais armas. Sobretudo agora que, ao genocídio em Gaza, às prisões em massa, à limpeza étnica na Margem Ocidental, à ocupação do Líbano e da Síria, Israel soma a agressão ao Irão.
Que ninguém se iluda: aquilo a que assistimos é uma campanha para destruir aquele país, como já antes aconteceu no Iraque, na Líbia e na Síria, e impor ali um regime fantoche, servil aos interesses de Israel, dos EUA e das potências europeias, uma operação como aquela, orquestrada pela CIA e os serviços secretos britânicos que, em 1953, depôs Mohammad Mossadegh, o primeiro-ministro do Irão de então. Mesmo que isso implique arrastar o mundo para uma confrontação generalizada.
Hoje, os tambores da guerra rufam um pouco por toda a parte; a todas as horas, os que antes rasgavam as vestes pelo direito internacional, defendem agora que, no mundo como na vida a que nos querem sujeitar, manda quem pode, obedece quem deve.
Multiplicam-se em malabarismos sobre uma figura peculiar na lei internacional que acabam de inventar: o direito que assiste ao agressor para se defender daqueles que por ele são agredidos; desfiam o cardápio de preconceitos orientalistas sobre os quais escreveu Edward Said; expõem sem nenhum pudor a islamofobia, o racismo e a xenofobia, o mesmo ódio que destilam contra os imigrantes e as pessoas racializadas.
Isto tem um nome: fascismo. Escreveram-no Albert Einstein e Hanna Arendt entre outros, numa carta que publicaram, em Dezembro de 1948, a propósito da visita aos EUA de Menachem Begin, carrasco de Deir Yassin e um dos pais espirituais de Netanyahu. Setenta e sete anos volvidos, ele está de volta.
Quero, por isso, terminar, com o apelo que nos deixou há dias, um militar de Abril, o general Pezarat Correia, na manifestação junto ao Teatro A Barraca: RESISTÊNCIA!
— Contra o genocídio, RESISTÊNCIA!
— Contra a guerra, RESISTÊNCIA!
— Pela Palestina, RESISTÊNCIA!
Texto da moção aprovada
Manifestando-nos frente à Assembleia da República, em Lisboa, no dia em que se debate o programa do governo, denunciamos e condenamos o genocídio do povo palestiniano perpetrado por Israel, assim como as suas acções agressivas contra outros povos no Médio Oriente, e exigimos que o governo português:
— Condene e aja pelo fim dos massacres e do genocídio por parte de Israel contra o povo palestiniano;
— Se empenhe na obtenção de um cessar-fogo real, imediato e permanente e na entrada sem restrições nem condicionamentos de toda a ajuda humanitária necessária, sob a coordenação das Nações Unidas, de toda a ajuda humanitária necessária à população palestiniana na Faixa de Gaza;
— Reconheça imediatamente o Estado da Palestina, conforme o direito internacional, nomeadamente as inúmeras resoluções da ONU;
— Aja com vista ao fim da ocupação dos territórios palestinianos ilegalmente ocupados por Israel, bem como ao fim da ilegal ocupação israelita de territórios do Líbano e da Síria;
— Condene firmemente os ataques israelitas contra o Irão e a consequente escalada da guerra na região, e reclame o fim da agressão de Israel contra o Líbano e a Síria;
— Suspenda toda a cooperação militar entre Portugal e Israel;
— Empenhe esforços pela suspensão imediata do acordo de Associação UE / Israel