Michelle Bachelet: A situação dos direitos humanos nos Territórios Palestinos Ocupados é "catastrófica”

A Alta-Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, afirmou ontem que «a situação dos direitos humanos nos Territórios Palestinos Ocupados (TPO) pode actualmente ser caracterizada como desastrosa, com graves violações dos direitos inalienáveis de mais de 4 milhões de pessoas».

«Isto também tem claramente um impacte prejudicial nas perspectivas de paz e desenvolvimento sustentável para Israel, bem como para a região circundante», prosseguiu.

Michelle Bachelet falou numa reunião organizada pelo Comité das Nações Unidas para o Exercício dos Direitos Inalienáveis do Povo Palestino, em Genebra, que tinha como ponto único de agenda a situação dos direitos humanos nos TPO.

«As causas profundas das violações que descrevi precisam de ser abordadas, para que os ciclos contínuos de violência possam ser interrompidos. Isto exige o empenho da comunidade internacional em assegurar a responsabilização, há muito esperada, por todas as violações dos direitos humanos e do direito humanitário nos TPO, por parte de quem quer que as tenha cometido», disse a concluir a sua intervenção.

«Como temos dito repetidamente, por mais longo que o caminho tenha sido, "sem fim" não pode ser uma descrição aceitável para qualquer situação em que os direitos humanos sejam violados e abusados. Só o fim da ocupação pode trazer uma paz duradoura, e estabelecer as condições em que os direitos humanos de todos possam ser plenamente respeitados.»

Situação em Gaza é preocupante

Referindo-se a Gaza, Michelle Bachelet disse que, em Maio deste ano, se registou a escalada mais significativa das hostilidades desde 2014, resultando na morte de 261 palestinos, incluindo 67 crianças. O Alto Comissariado para os Direitos Humanos determinou que 130 das pessoas mortas eram civis.

Na altura, o Conselho dos Direitos Humanos decidiu criar uma comissão de inquérito independente e internacional. O seu primeiro relatório deverá ser apresentado em Junho do próximo ano.

Para a Alta-Comissária, a população de Gaza também continua a sofrer devido a um bloqueio de 15 anos por terra, mar e ar implementado por Israel, com infra-estruturas vitais a desmoronarem-se e um sistema de esgotos em decomposição.

«Restrições de movimento e obstruções severas ao acesso das pessoas a bens e serviços essenciais, incluindo cuidados de saúde especializados, geram imenso sofrimento.»

Michelle Bachelet também referiu que os esforços de reconstrução e recuperação estão em curso, que a frágil cessação das hostilidades continua a manter-se, e que alguns bens têm sido gradualmente autorizados a entrar em Gaza.

As condições humanitárias, contudo, «continuam a ser profundamente preocupantes».

Liberdades cívicas atacadas

A 19 de Outubro, Israel designou seis organizações da sociedade civil palestina como «organizações terroristas» ao abrigo da Lei Anti-Terrorista de Israel de 2016.

A 7 de Novembro, foram também declaradas ilegais nos TPO ao abrigo do Regulamento de Emergência (Defesa) de 1945.

Segundo Michelle Bachelet, estas decisões «parecem ter-se baseado em razões vagas ou não substanciadas, incluindo reivindicações relacionadas com actividades legítimas e inteiramente pacíficas de direitos humanos».

Todas as seis organizações têm trabalhado com a comunidade internacional, incluindo a ONU, durante décadas.

«O meu Gabinete recebeu também relatórios credíveis de que o notório spyware 'Pegasus' foi instalado nos telemóveis de algum pessoal das seis organizações designadas», revelou a Alta-Comissária, para quem as acusações de ligações ao terrorismo são «extremamente graves», mas «sem provas substantivas adequadas, estas decisões parecem arbitrárias, e corroem ainda mais o espaço cívico e humanitário nos TPO».

«Podem, portanto, ser legitimamente vistas como um ataque aos defensores dos direitos humanos, aos direitos às liberdades de associação, opinião e expressão, e ao direito à participação pública», argumentou.

Desde Junho de 2021, o Gabinete da Alta-Comissária tem também documentado casos de agressões a jornalistas e defensores dos direitos humanos, bem como intimidação, violência e assédio com base no género, uso excessivo da força, detenções arbitrárias e censura. 

Assassinatos e ferimentos em palestinos

Michelle Bachelet disse ao Comité que as suas preocupações «continuam a aprofundar-se relativamente aos numerosos assassinatos e ferimentos» de palestinos pelas forças israelitas, bem como, cada vez mais, por colonos armados.

Ela declarou-se particularmente alarmada com os incidentes recorrentes de uso excessivo da força que levam à morte e ferimentos de crianças palestinas. Este ano, as forças israelitas mataram 16 crianças na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental.

Apelando a investigações e responsabilização, observou que «a impunidade crónica» tem sido repetidamente levantada em relatórios do Secretário-Geral e dela própria.

Disse que a violência relacionada com os colonos contra os palestinos se encontrava agora «em níveis alarmantemente elevados».

No ano passado, registaram-se 490 incidentes que resultaram em mortes, ferimentos e/ou danos materiais significativos, a maior incidência de violência dos colonos jamais registada pelas Nações Unidas. Actualmente, representa uma média de quase um incidente de violência dos colonos em cada dia.

As crianças são as mais afectadas

Para a Alta-Comissária, as crianças continuaram a sofrer um impacte desproporcionado devido aos ciclos recorrentes de escalada militar e de privação associada.

Relatórios dos parceiros da ONU indicam que 75% de todas as crianças em Gaza necessitam de apoio de saúde mental e psico-social, assim como de outros serviços.

Actualmente, 160 crianças palestinas estão detidas por Israel, algumas delas sem acusação, ao abrigo de regulamentos de detenção administrativa.

Ao abrigo do direito internacional, a detenção administrativa só é permitida em circunstâncias excepcionais. Para Michelle Bachelet, «não é este o caso actualmente nos TPO».

Concluiu dizendo que o seu Gabinete também continua a receber relatos «perturbadores» dos maus tratos infligidos a crianças durante a sua prisão, transferência, interrogatório e detenção pelas autoridades israelitas.

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