Memória da Expulsão, Mapa para o Retorno: «Mapping my Return: A Palestinian Memoir», de Salman Abu Sitta
No seu livro Mapping My Return: A Palestinian Memoir [Cartografando o meu Regresso: Uma Memória Palestina] (American University in Cairo Press, Junho de 2016), Salman Abu Sitta, hoje com 78 anos, relata a sua história de expulsão — um eco das histórias de sete milhões de refugiados palestinos — e contextualiza a ocupação israelita da Palestina no quadro da colonização sistemática e da limpeza étnica que, começando em 1947, continuou até ao dia de hoje.
Abu Sitta é engenheiro de profissão, mas também historiador, cartógrafo, ex-membro do Conselho Nacional Palestino (parlamento palestino no exílio), fundador e presidente da Palestinian Land Society (Sociedade Palestina da Terra). Deve-se-lhe a obra pioneira Atlas of Palestine 1948.
Abu Sitta, que se tornou refugiado com 10 anos de idade, descreve a vida na quinta da sua família, do início do século XVIII, a sua casa conhecida por Ma’in Abu Sitta («a fonte de Abu Sitta»): os prados e os montes, um mar de trigo de 600 hectares. É uma terra generosa que alimenta bem a gente e os seus rebanhos, os camelos, os cavalos, as vacas, dos bois, as ovelhas e as cabras.
As memórias de Abu Sitta evocam a linhagem ilustre da sua família, os Tarabin, «a maior, mais rica e mais forte tribo da Palestina do sul». A resistência aos invasores estrangeiros caracteriza a família. O pai e o tio participam no nascente movimento nacional palestino.
Abu Sitta assinala o impacto decisivo da chegada do colonialismo europeu. As maquinações imperiais para controlar a Palestina culminam no acordo Sykes-Picot e na Declaração Balfour, que abriram as comportas a uma torrente de imigrantes judeus.
A partida dos ingleses após a Segunda Guerra Mundial, assinala Abu Sitta, deixa os palestinos, pobremente armados, à mercê de milícias judias terroristas bem armadas, Haganah, Irgun e Stern. O resultado foram massacres como os de Burayr, Tantura e Deir Yassin e a limpeza étnica de 670 aldeias palestinas: a Nakba («catástrofe», em árabe, palavra que designa a expulsão dos palestinos das suas terras em 1948).
A família de Abu Sitta perdeu a sua casa e vastas extensões de terra na véspera da fundação de Israel, em 14 e 15 de Maio de 1948. Bandos sionistas em 24 veículos blindados atacaram a propriedade. Os homens ficaram para trás para lutar, enquanto as mulheres e as crianças, incluindo Abu Sitta, então com 10 anos, fugiram para um abrigo próximo. À primeira luz do dia Abu Sitta viu o fumo que subia da escola, que seu pai construíra em 1920. O fumo elevava-se também da sua casa e de outras casas, «anunciando a destruição da nossa paisagem».
Abu Sitta e a família tornaram-se refugiados em Khan Yunis, Gaza. Ao partir para o Cairo, onde iria prosseguir os estudos, foi assaltado pela ansiedade de conhecer aqueles inimigos sem rosto que o tinham expulsado e queimado a sua casa.
As memórias de Abu Sitta, tal como outras autobiografias palestinas, caracteriza-se pela ligação à terra, à identidade e à memória de antes da Nakba. Mas este livro revela também a missão da sua vida – compreender tudo sobre o desapossamento e a destruição palestinas, aprender como «reconstruir» a Palestina. Dedicou quase 50 anos de vida para obter as respostas, desenvolvendo um colossal trabalho de investigação que finalmente o conduziu à identidade do inimigo sem rosto que tinha destruído a sua casa.
Mas a sua busca de conhecimento e documentação produziu sobretudo o Atlas da Palestina 1948, obra pioneira e fundamental, que reúne centenas de artigos, discursos, mapas, documentos, imagens aéreas da Palestina histórica, ocupada e actual, relatos de participantes, testemunhos das atrocidades sionistas contra aldeias e cidades palestinas e a paisagem original de 500 aldeias destruídas.
Mapping My Return explica como e porquê isto aconteceu. É a resposta de Abu Sitta aos esforços de Israel para apagar a Palestina e para impor aos palestinos «uma amnésia artificial», para os tornar um povo sem memória.
Só em 1995 Abu Sitta, acompanhado da filha, pôde finalmente visitar a Palestina ocupada, pela primeira vez desde que fora forçado ao exílio 47 anos antes. Quando o táxi se aproximava de al-Ma'in, então com uma paisagem alterada, semeada de colonatos israelitas, Abu Sitta disse ao motorista exactamente para onde devia ir. O motorista perguntou-lhe se já lá tinha estado. «Nunca daqui saí», respondeu Abu Sitta. «Estou aqui todos os dias.»
Sábado, 24 Setembro, 2016 - 00:00