Israel utiliza a violência sexual e reprodutiva como arma de guerra, denuncia Comissão Independente de Inquérito
Israel tem utilizado cada vez mais violência sexual, reprodutiva e outras formas de violência baseada no género contra os Palestinos como parte de um esforço mais amplo para minar o seu direito à autodeterminação e realizou actos genocidas através da destruição sistemática de instalações de cuidados de saúde sexual e reprodutiva, de acordo com um novo relatório publicado no dia 13 de Março pela Comissão Internacional Independente de Inquérito das Nações Unidas sobre o Território Palestino Ocupado, incluindo Jerusalém Oriental, e Israel.
O relatório documenta uma ampla gama de violações perpetradas contra mulheres, homens, meninas e meninos palestinos em todo o Território Palestino Ocupado, desde 7 de Outubro de 2023, que constitui um elemento importante nos maus-tratos aos Palestinos e faz parte da ocupação ilegal e perseguição dos Palestinos como um grupo.
«As provas recolhidas pela Comissão revelam um aumento deplorável da violência sexual e baseada no género», afirmou Navi Pillay, presidente da Comissão. «Não há como escapar à conclusão de que Israel tem utilizado a violência sexual e de género contra os Palestinos para os aterrorizar e perpetuar um sistema de opressão que mina o seu direito à autodeterminação.»
A publicação do relatório foi acompanhada de dois dias de audições públicas realizadas em Genebra, em 11 e 12 de Março, durante os quais a Comissão ouviu as vítimas e testemunhas de violência sexual e reprodutiva e o pessoal médico que as assistiu, bem como representantes da sociedade civil, académicos, advogados e peritos médicos.
O relatório concluiu que a violência sexual e baseada no género — que tem vindo a aumentar em frequência e gravidade — está a ser perpetrada em todo o Território Palestino Ocupado como uma estratégia de guerra de Israel para dominar e destruir o povo palestino.
Formas específicas de violência sexual e baseada no género — como o desnudamento e a nudez forçados em público, o assédio sexual, incluindo ameaças de violação, bem como a agressão sexual — fazem parte dos procedimentos operacionais habituais das forças de segurança israelitas em relação aos palestinos.
Outras formas de violência sexual e baseada no género, incluindo a violação e a violência contra os órgãos genitais, foram cometidas sob ordens explícitas ou com o encorajamento implícito dos principais dirigentes civis e militares de Israel, segundo o relatório.
Existe também um clima de impunidade em relação aos crimes sexuais e de género cometidos por colonos israelitas na Cisjordânia, com o objectivo de incutir medo na comunidade palestina e de a expulsar.
«As declarações e acções desculpabilizantes dos dirigentes israelitas e a falta de eficácia demonstrada pelo sistema de justiça militar para julgar os casos e condenar os autores enviam uma mensagem clara aos membros das forças de segurança israelitas de que podem continuar a cometer tais actos sem receio de serem responsabilizados», afirmou Pillay. «Neste contexto, a responsabilização através do Tribunal Penal Internacional e dos tribunais nacionais, através do seu direito interno ou do exercício da jurisdição universal, é essencial para que o Estado de direito seja respeitado e para que seja feita justiça às vítimas.»
A Comissão constatou que as forças israelitas destruíram sistematicamente instalações de cuidados de saúde sexual e reprodutiva em toda a Faixa de Gaza. Simultaneamente, impuseram um cerco e impediram a assistência humanitária, incluindo o fornecimento da medicação e do equipamento necessários para garantir gravidezes seguras, partos e cuidados pós-parto e neonatais. Estes actos violam os direitos reprodutivos e a autonomia das mulheres e das raparigas, bem como o seu direito à vida, à saúde, à constituição de família, à dignidade humana, à integridade física e mental, a não serem sujeitas a tortura ou a outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, à autodeterminação e ao princípio da não discriminação.
Mulheres e raparigas morreram de complicações relacionadas com a gravidez e o parto devido às condições impostas pelas autoridades israelitas, que negaram o acesso a cuidados de saúde reprodutiva — actos que constituem o crime de extermínio contra a humanidade.
A Comissão constatou que as autoridades israelitas destruíram parcialmente a capacidade reprodutiva dos Palestinos em Gaza, através da destruição sistemática dos cuidados de saúde sexual e reprodutiva, o que equivale a duas categorias de actos genocidas previstos no Estatuto de Roma e na Convenção sobre o Genocídio, incluindo a imposição deliberada de condições de vida calculadas para provocar a destruição física dos Palestinos e a imposição de medidas destinadas a impedir os nascimentos.
«O ataque a instalações de cuidados de saúde reprodutiva, nomeadamente através de ataques directos a maternidades e à principal clínica de fertilidade in vitro de Gaza, combinado com a utilização da fome como método de guerra, teve impacte em todos os aspectos da reprodução», afirmou Navi Pillay. «Estas violações não só causaram graves danos físicos e mentais imediatos e sofrimento às mulheres e raparigas, mas também efeitos irreversíveis a longo prazo na saúde mental e nas perspectivas de reprodução e fertilidade dos Palestinos como um grupo.»
A Comissão constatou uma proporção crescente de mortes de mulheres em Gaza, que ocorreram a uma escala sem precedentes, em resultado de uma estratégia israelita que visa deliberadamente edifícios residenciais e utiliza explosivos pesados em zonas densamente povoadas. A Comissão também documentou casos em que mulheres e raparigas de todas as idades, incluindo pacientes de maternidade, foram visadas — actos que constituem o crime contra a humanidade de homicídio e o crime de guerra de homicídio voluntário.
Este artigo reproduz a nota de imprensa divulgada pelo Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH) em 13 de Março de 2025 a propósito da apresentação, na 58ª sessão do CDH, do relatório da Comissão Internacional Independente de Inquérito das Nações Unidas sobre o Território Palestino Ocupado.
O Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas mandatou a Comissão, em 27 de Maio de 2021, para «investigar, no Território Palestino Ocupado, incluindo Jerusalém Oriental, e em Israel, todas as alegadas violações do direito internacional humanitário e todas as alegadas violações e abusos do direito internacional em matéria de direitos humanos até 13 de Abril de 2021 e desde essa data». A Resolução A/HRC/RES/S-30/1 solicitou ainda à Comissão de Inquérito que «investigasse todas as causas profundas subjacentes às tensões recorrentes, à instabilidade e ao prolongamento do conflito, incluindo a discriminação e a repressão sistemáticas baseadas na identidade nacional, étnica, racial ou religiosa». A Comissão de Inquérito foi mandatada para apresentar relatórios anuais ao Conselho dos Direitos Humanos e à Assembleia Geral a partir de Junho de 2022 e Setembro de 2022, respectivamente.
Navanethem “Navi” Pillay, nascida em 23 de Setembro de 1941, é uma jurista sul-africana que foi Alta-Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos de 2008 a 2014. Sul-africana de origem indiana tamil, Pillay foi a primeira mulher não branca a ser juíza do Supremo Tribunal da África do Sul. Actualmente, é juíza ad hoc do Tribunal Internacional de Justiça no processo Gâmbia contra Myanmar. Além disso, é presidente da Comissão Internacional Independente de Inquérito das Nações Unidas sobre o Território Palestino Ocupado, presidente da Comissão Internacional contra a Pena de Morte em Madrid, presidente do Conselho Consultivo da Academia Internacional dos Princípios de Nuremberga e presidente do Inquérito Quase-Judicial sobre a Detenção na República Popular Democrática da Coreia.