Israel recusa-se a entregar os corpos de palestinos que morreram na prisão

As autoridades de ocupação israelitas continuam a recusar-se a libertar os corpos de onze palestinos que morreram nas prisões de Israel, sendo o mais antigo o de Anis Doula, cujo corpo está retido desde 1980, e o mais recente o de Khader Adnan, que faleceu em 2 de Maio de 2023, após uma greve de fome de 86 dias em protesto contra a sua detenção arbitrária — informa a Addameer.

De acordo com a Campanha Nacional para a Recuperação dos Corpos dos Mártires, o número de mortos palestinos cujos corpos estão em sepulturas numeradas atingiu 252, enquanto 142 outros corpos estão mantidos em frigoríficos desde 2015, incluindo 14 corpos de crianças e cinco corpos de mulheres.

A retenção dos corpos de palestinos mortos na prisão, pela polícia ou pelo exército, insere-se na política de punição colectiva exercida pelas autoridades de ocupação israelitas contra o povo palestino. A ocupação mantém os corpos em frigoríficos e sepulturas numeradas sem a mínima consideração por quaisquer normas humanitárias, impedindo as famílias de fazer as cerimónias fúnebres.

Os corpos como moeda de troca

Em 14 de Dezembro de 2017, o Supremo Tribunal de proibiu a continuação da retenção dos corpos dos mortos palestinos com base no direito internacional. No entanto, em 9 de Setembro de 2019, o Supremo Tribunal, por maioria de 4 juízes contra 3, reverteu a sua decisão anterior baseando-se na Lei de Emergência de Israel, que permite ao governador militar enterrar os corpos dos presos ou mantê-los retidos com o objectivo de os utilizar como moeda de troca em quaisquer futuras negociações que possam ser feitas com os Palestinos.

O artigo 130.o da Quarta Convenção de Genebra estabelece que os detidos que falecerem durante a detenção devem ser «enterrados honrosamente, se possível segundo os ritos da religião a que pertenciam, e que as suas sepulturas sejam respeitadas, convenientemente conservadas e assinaladas de modo a poderem ser sempre identificadas.»

O artigo 34.o do Primeiro Protocolo Adicional às Convenções de Genebra estabelece que «os restos mortais das pessoas que morreram devido a causas ligadas a uma ocupação ou aquando de uma detenção resultante de uma ocupação […] devem ser respeitados e as sepulturas de todas essas pessoas devem ser respeitadas, conservadas e assinaladas como previsto no artigo 130.o da Quarta Convenção».

Israel ratificou a Quarta Convenção de Genebra em 1951.

Uma herança colonial agravada

Durante o Mandato Britânico, vigorou o Regulamento de Emergência 133(3), que estabelecia que «o corpo de qualquer pessoa que tenha sido executada na Prisão Central de Acre ou na Prisão Central de Jerusalém será enterrado no cemitério da comunidade a que essa pessoa pertence».

O Estado de Israel, juntamente com muita da legislação colonial britânica, adoptou o Regulamento 133(3) mas foi-lhe introduzindo sucessivas alterações: começou por dar aos comandantes militares controlo total sobre o local onde um corpo é enterrado, alargou a definição de quem está sujeito a detenção post-mortem pelos militares (de «soldado inimigo» para a caracterização lata de «terrorista») e também de quando é que o Estado tem o direito de apreender corpos (de «tempos de guerra» para «guerra eterna contra o terrorismo»).

O Regulamento permite impor restrições aos funerais quando um corpo é devolvido a uma família, com o pretexto de que os funerais são uma «ameaça à ordem pública». As famílias cujos corpos lhes são devolvidos têm de respeitar as regras dos militares que podem impor, por exemplo, que os funerais se realizem a meio da noite e só com os parentes próximos.

«A pessoa em questão aparentemente já não está viva»

Uma família do campo de refugiados de Aqabat Jabr, nos arredores de Jericó, foi informada de que o seu filho, Tayer Aweidat, tinha sido morto e chorou a morte do seu ente querido, de que se desconhecia o local de sepultura. Uma família vizinha, foi informada de que o seu filho, Alaa Aweidat, tinha sido ferido e capturado e agora estava internado num hospital de Israel. Quando a mãe, Nawal, chegou ao Hospital Hadassah, em Jerusalém, para visitar o filho, depois de um mês a tentar obter uma autorização, ficou estarrecida ao ver que o ferido que não era o seu filho, era o filho dos seus vizinhos, que tinha sido dado como morto.

O episódio macabro é relatado por Gideon Levy em artigo de opinião publicado no Haaretz em 2 de Abril de 2023.

Em resposta aos pedidos de esclarecimento da família de Alaa Aweidat, a advogada Matanya Rosin, adjunta no Gabinete do Ministério Público, departamento do Supremo Tribunal de Justiça, respondeu: «A pessoa em questão aparentemente já não está viva e o seu corpo está conservado no Centro Nacional de Medicina Legal. … Isto encerra a nossa participação».

Desde então a família, com a ajuda do Hamoked, Centro de Defesa do Indivíduo, tem tentado obter uma autorização de entrada para visitar o falecido mas, até à altura em que o artigo foi escrito, sem êxito.

Os «Cemitérios de Números»

Os «Cemitérios dos Números» de Israel são cemitérios militares em que são usadas tabuletas com números em vez de nomes para identificar as campas de palestinos mortos durante alegados ataques a israelitas ou enquanto estavam detidos. Cada número refere-se a um ficheiro sobre os palestinos mortos que é guardado pelos serviços de segurança israelitas.

Numa região em que se atribui uma importância cultural e religiosa excepcional ao enterro dos seus mortos, as famílias fazem todos os esforços para recuperar os seus corpos. Para isso, enfrentam longas batalhas legais que, na melhor das hipóteses, terminam com uma entrega a meio da noite, na condição de os funerais serem silenciosos e não contarem com mais do que algumas dezenas de pessoas.

Mas outros corpos nunca são devolvidos. De acordo com informações divulgadas por organizações de direitos humanos que apoiam as famílias das vítimas, pelo menos 45 palestinos estão desaparecidos desses cemitérios - muitos deles retidos desde o rescaldo da ocupação israelita de Jerusalém Oriental, da Cisjordânia e de Gaza em 1967.

Ler também

Três anos depois Israel entrega à família o corpo de um palestino morto pelo seu exército


Fontes: Addameer, Haaretz, Middle East Eye, Al-Monitor


Na imagem: Palestinos em Gaza protestam contra os infames Cemitérios de Números de Israel (Foto: Mahmoud Ajjour, The Palestine Chronicle)
 

Print Friendly, PDF & Email
Share