«Israel na ONU: Fundamento para Expulsão», por António Bernardo Colaço
A. Em Relatório à 44ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos, datado de 15 de Julho de 2020, o seu autor Michael Lynk – relator especial da ONU sobre a situação de direitos humanos no território palestino ocupado militarmente por Israel desde 1967 define como ilegal a punição colectiva que vitima o povo palestino, perpetrada pelo Governo de Israel.
O autor do Relatório entende que o enquadramento em causa, além de violar o sentido de Justiça e o alcance do Estado de Direito, atenta contra os direitos humanos e o direito internacional, traduzido materialmente «numa economia colapsada, numa infraestrutura devastada, um serviço social que mal funciona» e edificação de colonatos em terra alheia.
Depreende-se daquele escrito que alguns gestos do Hamas, porventura criticáveis, não podem de forma alguma justificar a carga violenta de colonatos nem abranger a globalidade da população palestina.
No plano interno, o próprio Tribunal Supremo de Israel, por decisão de 9 de Junho de 2020 (tirada sob votação de 8 a favor e 1 contra), deliberou revogar a Lei de 2017 que permitia a legalização retroactiva de construções de colonatos israelitas na Cisjordânia.
O aresto, fazendo apelo aos valores de dignidade humana e da liberdade condenou «os actos ilícitos perpetrados por uma população específica (sic. colonos israelitas), enquanto prejudica os direitos de outra (sic. cidadãos palestinos)», caracterizando o contexto territorial na actualidade como sendo o de uma ocupação militar.
B. O Relatório é fulminante na crítica à atitude do Governo de Israel, que ao longo do tempo, pratica, além do mais, uma política de contínuo desrespeito, para não referir o desprezo que vota pelas Resoluções do Conselho de Segurança da ONU, e culmina num veemente apelo para que Israel cumpra a sua obrigação para com a ONU em geral e o povo palestino em especial.
As Recomendações feitas no Relatório são expressão inequívoca de boa vontade e porventura o reflexo de uma ténue esperança de que o governo de Israel ainda se proponha respeitar a sua conformidade com a de um Estado Democrático.
É, todavia, uma expectativa algo quimérica, já que Benny Gantz, Presidente do partido de coligação no Governo, em declarações de 29 de Junho de 2020, fez já saber que o processo de anexação será prosseguido após o controlo da pandemia – ou seja, anexação, haja o que houver, num manifesto desafio aos valores preconizados na decisão do Supremo de Israel.
C. Israel ingressou na ONU, como seu 59º membro, em 11 de Maio de 1949. Era, pois, expectável que cumprisse com o ditame que dimana desta organização, nomeadamente da sua Carta, cujo conteúdo integral aqui se dá por reproduzido.
Mas, em questão que ora importa considerar, nunca será demasiado referir aos normativos conjugados dos artigos 6º e do nº 2 do 18º, os quais prevêem a expulsão de um membro que persiste em desrespeitar as Resoluções da organização a que pertence, com particular destaque quando as mesmas lhe dizem directamente respeito.
De igual jeito urge aludir ao preceito decorrente do artigo 25º da Carta, onde se consagram não só o compromisso como a obrigação de cada membro em respeitar e acatar as deliberações do Conselho de Segurança, dado o seu alcance vinculativo.
O instituto de expulsão é, porém, de natureza drástica, aplicável in extremis quando inexiste qualquer indicador em como o destinatário irá assumir um comportamento contrário à conduta criticada, pondo em causa todos os valores da Carta, nomeadamente o de paz e segurança dos povos, do recurso ao diálogo construtivo, da convivência pacífica, do humanismo e da democracia.
São precisamente estes os valores que tem vindo a ser secundarizados pelo Estado Israelita e de que nos dão conta o não cumprimento consciente e voluntário das inúmeras Resoluções do Conselho de Segurança da ONU, na actualidade.
O argumento histórico apresentado para justificar as graduais ocupações por via de colonatos assume foros de autêntica insustentabilidade, por gerar, no mínimo, uma usurpação de território, em função do que há a registar presentemente, uma população palestina de refugiados para cima de 5 milhões (dados de UNWRA).
E é isto e só isto que está em causa.
D. Na actual fase de evolução da sociedade mundial – naturalmente abrangendo a israelita e a palestina – e a inerente mentalidade, a forma reconhecidamente agressiva com que o povo palestino é tratado, não está pautado por cânones e princípios por que a Carta das Nações Unidas se rege.
Nesse contexto, o não cumprimento sistemático das Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas por parte de um seu membro, enquanto destinatário directo destas, assume a dimensão de uma agravante qualificada.
Decorridos mais de 70 anos sobre a Resolução nº 242 da ONU em 22 de Novembro de 1967, parece ter chegado o momento para esta superior Instância assumir o seu papel regulador na busca de paz e prosperidade dos povos, sob pena de uma passividade sua nesta altura, ser confundida com um excesso de tolerância ou de uma forma airosa assegurar a impunidade do Estado remisso.
Nesta base, uma Resolução onde seja considerada a possibilidade de expulsão ou uma mera ameaça neste sentido, terá a segura virtualidade de transmitir o profundo repúdio da comunidade internacional contra as atrocidades que vem sendo cometidas, o de libertar também o povo israelita das peias de insegurança em que também vive, tudo culminando na exigência por uma política mais conforme com os princípios de uma coexistência pacífica entre os povos.
E. O instituto de expulsão enquanto medida punitiva terminal, dada a sua natureza radical, deve contemplar no plano jurídico internacional – o chamado Direito das Nações – uma graduação desde *aviso da possibilidade da sua aplicação, passando por *ameaça e finalmente *efectividade.
Temos para nós que tanto o Estado Israelita, como o seu povo, não estão interessados que Israel, com o multifacetado potencial de que dispõe, passe à categoria de um rogue -state.
Fazemos votos para que o bom senso reine, para que à míngua de um Estado israelo/palestino, a regra de boa vizinhança pela solução de dois Estados retome o seu lugar, e que a paz e a felicidade cheguem definitivamente ao povo palestino e ao povo israelita como uma realidade perene, por uma existência que merece ser vivida já no sec. XXI
O Dr. António Bernardo Colaço é Juiz-Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça – jubilado
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