Intelectuais de 30 países denunciam a discriminação de apoiantes dos direitos palestinos em iniciativas culturais e académicas na Alemanha

377 académicos e artistas de mais de 30 países comprometeram-se a não caucionar a utilização de critérios de decisão de natureza política e, de um modo mais geral, a interferência política de instituições, autarquias e responsáveis públicos na Alemanha que visem silenciar os defensores dos direitos palestinos à luz do direito internacional.

Os signatários comprometem-se a não participar em júris, comissões de prémios ou consultas para recrutamento académico sempre que existam «indicações convincentes de que as suas decisões podem estar sujeitas a interferências ideológicas ou políticas ou a critérios de tomada de decisão de natureza política».

Entre os signatários contam-se muitas personalidades eminentes, incluindo os filósofos Judith Butler e Etienne Balibar, o premiado argumentista e produtor James Schamus, o Prémio Nobel da Química George P. Smith, o linguista e crítico social Noam Chomsky, o teórico de literatura e do pós-colonialismo Gayatri Chakravorty Spivak, o escritor Ahdaf Soueif, o antigo Secretário-Geral Adjunto das Nações Unidas Hans-Christof von Sponeck, o professor e historiador do Holocausto Amos Goldberg, a artista e escritora Molly Crabapple. O conceituado arquitecto Michael Sorkin assinou o compromisso antes de morrer, no final de Março, vitimado pelo Covid 19. Também Iolanda Évora, investigadora na Universidade de Lisboa, se associa a este compromisso.

O compromisso é uma resposta às muitas ocasiões em que artistas e académicos suspeitos de apoiarem o movimento não violento pelos direitos palestinos Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) foram sujeitos a interferências políticas repressivas e a campanhas de difamação.

Em Março, responsáveis públicos pressionaram a curadora do Festival trienal do Ruhr, em Bochum, para que retirasse o convite ao filósofo camaronês Achille Mbembe que deveria fazer o discurso inaugural do festival. Em Setembro do ano passado, a cidade de Dortmund tinha revertido a sua decisão de atribuir à escritora anglo-paquistanesa Kamila Shamsie o Prémio Nelly Sachs para a Literatura. Duas semanas depois, foi a vez de Aaachen anular a sua decisão de atribuir o prémio de arte da cidade ao artista libano-americano Walid Raad. Na mesma altura, o centro cultural municipal Gasteig de Munique informou a intérprete israelo-alemã Nirit Sommerfeld de que o seu concerto seria anulado se ela «abordasse certos temas».

Estes quatro incidentes, implicando quatro cidades alemãs e quatro formas de expressão diferentes, têm uma coisa em comum: em cada caso, o artista ou intelectual visado é um apoiante do movimento BDS.

Os signatários do compromisso declaram que «alterar a decisão do júri de um prémio ou retirar um convite por motivos ideológicos é uma interferência intolerável que não podemos aceitar, quanto mais não seja pela nossa não participação em júris sujeitos a tal interferência.»

Argumentam que tornar estas decisões dependentes de um compromisso de rejeição do BDS viola a liberdade académica e a liberdade de expressão e é «um escárnio do próprio sistema e do objectivo de atribuir prémios a indivíduos considerados líderes nos seus domínios.»

A preocupante tendência na Alemanha para silenciar as vozes críticas, especialmente as das pessoas de cor, tem sido notada com crescente indignação em todo o mundo. Centenas de escritores e de pessoas ligadas à cultura condenaram a retirada do prémio a Kamila Shamsie. Mais de uma centena de figuras públicas condenaram a decisão do Festival Open Source de Düsseldorf de retirra o convite ao rapper negro norte-americano Talib Kweli, no ano passado.

Em 2018, 75 figuras públicas condenaram a decisão da Trienal do Ruhr de retirar o convite ao grupo musical Young Fathers, e como resultado, vários artistas e grupos cancelaram a sua participação no festival, obrigando o festival a convidar novamente os Young Fathers.

No mês passado, dezenas de académicos judeus e israelitas, muitos dos quais especialistas em anti-semitismo, estudos judaicos, estudos sobre Israel ou estudos sobre o Holocausto, exortaram o Governo alemão a substituir Felix Klein, o Comissário Federal para o Anti-Semitismo, devido à sua «vergonhosa» difamação de Aquiles Mbembe e ao seu «papel fundamental na utilização do anti-semitismo como arma contra os críticos do governo israelita e contra os activistas que exercem a sua liberdade de expressão e de reunião para protestar contra as violações dos direitos fundamentais dos palestinos por parte de Israel».

Os signatários do compromisso declaram que «têm posições diferentes sobre o BDS, mas concordam com as 40 organizações judaicas e também com os três tribunais alemães - mais recentemente o Tribunal Administrativo de Colónia em Setembro de 2019 - que reafirmaram que o apoio ao BDS é um exercício legítimo do direito universalmente reconhecido à liberdade de expressão». Os signatários afirmam ainda que as falsas acusações lançadas por responsáveis alemães contra Shamsie, Mbembe e outros «destinam-se apenas a reduzir o âmbito das discussões ao anti-semitismo e aos seus impactes perniciosos» e «destinam-se a desviar a atenção de qualquer interesse crítico no tratamento dos palestinos em Israel-Palestina e a reduzi-lo ao silêncio ".

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