Há 75 anos, Deir Yassin prenunciou a limpeza étnica da Palestina.
No ano do 75º aniversário da Nakba, não podemos deixar apagar a memória de que o Estado de Israel foi erigido sobre os cadáveres de 15 000 crianças, mulheres e homens palestinos, sobre os escombros de meio milhar de vilas e aldeias apagadas do mapa, sobre a ocupação das casas e campos de 750 000 palestinos forçados ao exílio pelo terror sionista.
Deir Yassin era uma pacata aldeia árabe, com cerca de 750 habitantes, empoleirada numa colina a ocidente de Jerusalém. Ficava fora da área que o Plano de Partilha das Nações Unidas, aprovado em 29 de Novembro de 1947, destinava ao futuro Estado judaico, e os seus habitantes até tinham estabelecido um pacto de não-agressão com a milícia sionista Haganah. Mas Deir Yassin tinha a fatalidade de se situar na estrada entre Telavive e Jerusalém.
Antecipando o fim do mandato britânico, marcado para 15 de Maio de 1948, a direcção sionista tinha desde há muito decidido efectuar uma limpeza étnica dos palestinos, com o objectivo de consolidar e expandir a área que lhe era atribuída. Nesse sentido, em 10 de Março aprovou o Plano Dalet, um plano de operações militares em que uma das primeiras concretizações foi a Operação Nachson, destinada a «limpar» a estrada entre Telavive e Jerusalém. E Deir Yassin estava no caminho.
O massacre
Na madrugada de 9 de Abril de 1948, duas milícias sionistas — o Irgun e o Bando Stern — assaltaram Deir Yassin massacrando mais de uma centena de habitantes. Outra milícia sionista, a Haganah, apoiou o ataque com fogo de morteiro e ajudando à eliminação dos corpos.
Ao invadirem a aldeia, os soldados varreram as casas com tiros de metralhadora, matando muitos dos habitantes. Os restantes foram então reunidos e assassinados a sangue-frio. Ao meio-dia, tinham já sido sistematicamente assassinadas mais de 100 pessoas, metade delas mulheres e crianças.
Algumas das vítimas foram mutiladas e violadas antes de serem assassinadas. Famílias inteiras foram mortas. Vinte e cinco homens da aldeia foram levados a desfilar por Jerusalém em camiões e depois executados numa pedreira próxima.
De acordo com um relatório de 1948 apresentado pela delegação britânica às Nações Unidas, o assassinato de «cerca de 250 árabes, homens, mulheres e crianças, ocorreu em circunstâncias de grande selvajaria. […] Mulheres e crianças foram despidas, alinhadas, fotografadas, e depois abatidas por disparos de armas automáticas e os sobreviventes narraram bestialidades ainda mais incríveis», disse o relatório. «Aqueles que foram feitos prisioneiros foram tratados com uma brutalidade degradante».
O historiador israelita Benny Morris disse que as milícias «saquearam sem escrúpulos, roubaram dinheiro e jóias aos sobreviventes e queimaram os corpos. Até ocorreram desmembramento e violações».
O número de mortos é contestado, mas varia entre 100 e 250. Um representante da Cruz Vermelha que entrou em Deir Yassin a 11 de Abril relatou ter visto os corpos de cerca de 150 pessoas amontoadas numa caverna, enquanto outros cerca de 50 estavam amontoadas noutro local.
O destacado intelectual judeu Martin Buber escreveu na altura que tais eventos tinham sido «infames». «Em Deir Yassin centenas de homens, mulheres e crianças inocentes foram massacrados», disse ele. «Que a aldeia permaneça por enquanto desabitada, e que a sua desolação seja um símbolo terrível e trágico de guerra, e um aviso ao nosso povo de que nenhuma necessidade militar prática poderá alguma vez justificar tais actos de assassinato».
Mas o apelo de Buber e de outros intelectuais israelitas não foi atendido. Um ano após o massacre e a expulsão dos seus residentes palestinos, foi construído nas terras de Deir Yassin o povoado judaico de Givat Shaul Bet. Em 1951, foi construído o Centro de Saúde Mental Kfar Shaul dentro da própria aldeia utilizando alguns edifícios abandonados. Em 1980, as ruínas remanescentes foram arrasadas para instalar novos bairros para judeus ortodoxos. No início dos anos 80, o cemitério de Deir Yassin foi destruído para dar lugar a uma nova estrada para Givat Shaul Bet.
As consequências
O massacre de Deir Yassin é um dos acontecimentos mais significativos da história palestina do século XX, não só devido à sua dimensão e brutalidade, mas sobretudo por ser o prenúncio do despovoamento e destruição programada de centenas de cidades, vilas e aldeias árabes e do êxodo de três quartos de milhão de Palestinos.
Há mais de duas dezenas de massacres documentados de civis palestinos perpetrados por forças sionistas que abriam caminho à força para transformar a Palestina num Estado judaico. Deir Yassin não foi o que teve maior número de vítimas, mas a notícia do massacre desencadeou uma fuga em massa de Palestinos que temiam pelas suas vidas.
De facto, os dirigentes judeus não só não ocultaram o crime como orgulhosamente anunciaram um grande número de vítimas, de modo a semear o terror e fazer de Deir Yassin uma advertência a todos os palestinos de que um destino semelhante os esperava se eles se recusassem a abandonar os seus lares e fugir.
Na altura do massacre de Deir Yassin, o Hagana, o Irgun e o Bando Stern eram dirigidos, respectivamente, por David Ben-Gurion, Menachem Begin e Yitzhak Shamir. Ben Gurion foi o primeiro primeiro-ministro do Estado de Isarel. Os outros também viriam a ser primeiros-ministros de Israel. Nenhum foi responsabilizado e punido por aquele acto hediondo.