Há 60 anos, o massacre de 48 palestinos em Kafr Qássim

O dia 29 de Outubro 2016 marca o 60.º aniversário de um dos acontecimentos mais terríveis da história dos palestinos residentes dentro de Israel: o massacre de Kafr Qássim, no qual 48 mulheres, homens e crianças foram mortos a tiros por uma unidade militar israelita.
Na história do chamado «conflito israelo-palestino», com demasiada frequência é esquecida a população palestina que permaneceu dentro de Israel depois da expulsão maciça de palestinos (recordada pelo nome de «Nakba», castástrofe) levada a cabo antes e depois da proclamação, em 1948, do Estado de Israel. No longo período decorrido entre 1948 e 1966, os palestinos que permaneceram em Israel estiveram submetidos a um regime militar altamente restritivo, sendo considerados uma «ameaça de segurança» e obrigados a requerer autorização oficial para viajar para fora de determinadas zonas. Foi nessa atmosfera repressiva que ocorreu o massacre de Kafr Qássim.
Em 29 de Outubro de 1956, a crise do Suez estava prestes a culminar. Em conluio com franceses e britânicos, forças israelitas estavam a preparar-se para avançar para sul, invadindo o Sinai. O exército israelita temia também um conflito a leste, com a Jordânia.
O comandante israelita local, Issachar Shadmi, decidiu que o recolher obrigatório nocturno, que todos os dias era imposto nas aldeias palestinas a partir das 21h, nesse dia seria antecipado para as 17h. Mas a decisão foi tomada às 13h desse mesmo dia, quando muitos dos habitantes palestinos estavam nos campos e não poderiam, portanto, ter tido conhecimento da decisão.
Quando os soldados lhe perguntaram o que aconteceria às pessoas apanhadas na rua, Shadmi respondeu: «Allah Yarhamhu» («Deus tenha misericórdia dele»), o que normalmente se diz dos mortos. Os seus comandantes entenderam isto como uma ordem para executar quem quer que fosse apanhado na rua durante o recolher obrigatório.
Foram mortas 48 pessoas, que nem sequer sabiam que estavam a desobedecer fosse ao que fosse. Entre os que foram mortos à queima-roupa estavam 23 crianças. E o número de vítimas só não foi ainda maior porque os oficiais de duas das três unidades implicadas se recusaram a obedecer à ordem de atirar sobre todos os civis que desrespeitassem o recolher obrigatório.
Segundo o historiador israelita Tom Segev, a decisão de selar Kafr Qássim (situada em Israel, perto da Linha Verde que separava este país e a Margem Ocidental, então sob controlo da Jordânia) e várias outras aldeias fazia parte de um plano para expulsar os seus habitantes para a Jordânia a pretexto da guerra. Não por acaso, Kafr Qássim foi fechada por três lados, deixando aberta apenas uma saída para a Margem Ocidental.
O massacre só se tornou conhecido graças a deputados que utilizaram a sua imunidade para divulgarem o acontecimento no Knesset (parlamento israelita), apesar do silenciamento oficial. Nessa acção tiveram lugar de destaque Tewfiq Toubi e Meir Wilner, do Partido Comunista de Israel, Latif Dori, do partido sionista de esquerda Mapam, e o activista de esquerda Uri Avneri. Só seis semanas depois do massacre é que o primeiro-ministro israelita, David Ben-Gurion, o reconheceu.
Em Janeiro de 1957 teve início no tribunal militar um julgamento dos responsáveis, que durou nove meses. As autoridades lançaram as culpas do massacre sobre os soldados que o tinham cometido, pertencentes não às Forças de Defesa de Israel, mas sim à recém-formada «patrulha de fronteira». Dos 11 réus, oito foram condenados a penas longas; no espaço de um ano todos foram libertados.
O comandante, Issachar Shadmi, foi julgado separadamente e acabou por ser multado num centavo de uma Lira de Israel. Os palestinos de Israel recordam a sentença como Qirsh-Shadmi, ou «Centavo de Shadmi», o que dá bem a medida do valor que o Estado de Israel dá à vida dos palestinos, mesmo aqueles que formalmente são seus cidadãos.
Só em 2007 o então presidente de Israel, Shimon Peres, pediu desculpa pelo massacre, que continua a ocupar um lugar muito marginal na historiografia nacional de Israel, reflectindo a discriminação e opressão a que continuam submetidos os palestinos de Israel.
60 anos depois, Kafr Qássim continua a ser sinónimo de infâmia.
 
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