Genocídio Cultural: tentando apagar a memória de um povo

A guerra de genocídio que Israel está a impor em Gaza, para além do seu insuportável custo em vidas humanas, está também a provocar um ataque sistemático e deliberado ao património cultural palestino, um dos muitos crimes de guerra que a África do Sul alega contra Israel no processo que apresentou no Tribunal Internacional de Justiça.

Desde a sua fundação, mas com especial agressividade desde Outubro de 2023, o Estado de Israel tem procurado apagar a identidade nacional do povo palestino recorrendo à manipulação, pilhagem ou destruição do seu património cultural tendo como alvo não só o património material —edifícios históricos e religiosos, sítios arqueológicos, museus e bibliotecas, edifícios culturais e académicos, centros de documentação —, mas também o património imaterial — os costumes, a cultura e os artefactos. 

Num relatório actualizado a 18 de Agosto de 2025, com base exclusivamente em imagens de satélite, a UNESCO verificou danos em 110 locais desde 7 de Outubro de 2023 – 13 locais religiosos, 77 edifícios de interesse histórico e/ou artístico, 3 depósitos de bens culturais móveis, 9 monumentos, 1 museu e 7 sítios arqueológicos.

No entanto a Al Jazeera, conjugando dados de várias fontes no terreno, contabiliza em quase duas centenas o número de locais de importância histórica destruídos ou danificados em ataques aéreos israelitas nos primeiros 100 dias da guerra, os mais devastadores.

Hammam al-Samra era o único balneário em Gaza ainda em actividade. Uma placa assinalava que tinha sido restaurado em 1320. Foi totalmente destruído em Dezembro de 2023. Igual destino teve a fonte pública Rifa’iyya que datava de 1568.

A Grande Mesquita de Omar, na cidade de Gaza, foi construída no século vii sobre as ruínas de uma antiga igreja construída em 406, que por sua vez fora construída sobre as fundações de um templo pagão. Os cruzados converteram-na na Catedral de São João Baptista mas Saladino devolveu-lhe o seu uso como mesquita. Podia acolher até 5000 fiéis. Só o minarete sobreviveu ao ataque aéreo que a arrasou em Dezembro de 2023. O mesmo ataque também destruiu a Biblioteca aberta em 1277 e que chegou a acolher 20.000 livros e manuscritos raros.

Entre os outros locais de culto destruídos ou seriamente danificados contam-se a Mesquita Othman bin Qashqar (1220), a Mesquita Sayed al-Hashim (século xii), a Mesquita Katib al-Waliya (1334), a Mesquita Zafardamri (1360), a Mesquita sufi Ahmadiyyah Zawiya (1336) e a Mesquita Qashqar, todas na Cidade de Gaza. 

A Igreja Bizantina de Jabalia (444), no Norte de Gaza, foi destruída, e a Igreja de São Porfírio (425), a terceira mais antiga do mundo, na Cidade de Gaza, foi muito danificada.

A Madrassa Al-Kamiliyya, construída em 1237, era a única existente na Cidade de Gaza. Foi totalmente destruída.

O Museu Qasr al-Basha (Palácio do Paxá) estava instalado num edifício do século xiii e acolhia uma importante uma colecção de artefactos de diferentes períodos da história de Gaza. Foi atingido por ataques aéreos israelitas em Dezembro de 2023 que provocaram extensa destruição. Outro museu que se perdeu foi o Dar al-Saqqa, também na Cidade de Gaza, que estava instalado numa moradia cons0truída em 1661.

Alguns museus eram de construção moderna mas albergavam colecções valiosas que se perderam irremediavelmente: Museu Al Qarara, em Khan Younis; Museu de Rafah; Museu Mathaf al-Funduq, no Norte de Gaza; Museu Deir al-Balah, na cidade de Gaza. Também algumas importantes colecções privadas, como a Jawdat al-Khudari e ‘Aqqad, foram aniquiladas.

Muitos sítios arqueológicos somaram aos efeitos do tempo a destruição das bombas israelitas.

O Mosteiro de São Hilário, em Deir el-Balah, foi edificado cerca do ano 340, durante o domínio romano. Um terramoto danificou-o em 614 e o local ficou abandonado até que arqueólogos palestinos iniciaram escavações no final da década de 1990. A UNESCO adicionou-o à sua lista provisória de Património Mundial em 2012. Os bombardeamentos israelitas destruíram-no.

Outro sítio antigo incluído na lista provisória do Património Mundial da UNESCO em 2012 foi Anthedon, o primeiro porto marítimo conhecido do enclave. Localizado no Norte de Gaza, foi habitado de 800 a.C. a 1100 d.C., tendo sido uma cidade independente durante o período helenístico. Ruínas de templos romanos e pisos de mosaico e outros vestígios do final da Idade do Ferro e dos períodos persa, helenístico, romano e bizantino tinham sido revelados. Agora são escombros provocados pelos bombardeamentos israelitas.

Outros importantes sítios arqueológicos foram bombardeados pelas forças israelitas: a necrópole romana de Ard-al-Moharbeen, onde foram encontrados pelo menos 134 túmulos datados de 200 a.C. a 200 d.C. com esqueletos ainda intactos; a cidade fortificada de Tell el-Ajjul, estabelecida cerca de 2000 a 1800 a.C.; o caravançarai de Khan Younis, construído em 1387; o cemitério de Deir el-Balah, remontando à Idade do Bronze (1550-1200 a.C.); Tall al-Sakan, onde foram descobertos achados da Idade do Bronze; o cemitério de Jabaliya, onde foram encontrados centenas de túmulos dos períodos romano e bizantino.


Foto: Museu Qasr al Basha (Palácio do Paxá) destruído em Dezembro de 2023 

Terça, 09 de Setembro de 2025 - 20:07