Genocídio Ambiental: o ecocídio é um crime de guerra

Compreensivelmente as reacções ao genocídio em Gaza centram-se na insuportável perda de vidas humanas mas a devastadora degradação ambiental — que pode configurar um crime de guerra — pode comprometer irremediavelmente a sustentabilidade do território.

Mais de dois terços da terras e recursos agrícolas de Gaza foram danificados em consequência de bombardeamentos ou vandalismo. Mais de metade dos poços agrícolas assim como quase metade das 7500 estufas, que são parte vital da infra-estrutura agrícola do território, foram inutilizados. A remoção de árvores, arbustos e culturas danifica gravemente o solo que era fértil, com culturas diversificadas e bem irrigado e que agora enfrenta uma desertificação a longo prazo.

Mais de 85% das instalações de água e saneamento de Gaza — estações de tratamento de águas residuais, estações de dessalinização, estações de bombagem, poços, tanques de água e condutas principais — estão total ou parcialmente inoperativas devido às acções militares ou a falta de energia causada pelo bloqueio â entrada de combustível. Só uma ínfima parte da população tem ainda acesso ao abastecimento público de água pelo que a maioria recorre a poços e outras fontes potencialmente insalubres. A decisão israelita de usar água do mar para inundar os cerca de 300 quilómetros de túneis subterrâneos que o Hamas escavou sob Gaza pode estar a contaminar as águas subterrâneas.

No Verão de 2023, pela primeira vez em muitos anos, foi possível nadar nas águas de Gaza sem a contaminação dos esgotos devido à recente construção de três estações de tratamento de efluentes. Os peixes voltaram e uma foca-monge do Mediterrâneo foi registada pela primeira vez ao largo de Gaza. Mas no início de 2024, alguns meses após o início da guerra, as estações estavam todas fora de serviço e agora todos os dias são despejados no mar 100.000 metros cúbicos de efluentes. Também a recolha e o tratamento de resíduos sólidos são virtualmente inexistentes, proliferando as lixeiras improvisadas.

O uso intensivo de armas explosivas em áreas urbanas gerou mais de 42 milhões de toneladas de detritos que podem estar contaminados com amianto, metais pesados e outros produtos químicos perigosos, munições não detonadas e resíduos biológicos. As munições não detonadas representam um risco imediato e de longo prazo, estimando a ONU que 5 a 10% das bombas não detonaram. Mesmo quando os engenhos explosivos não detonados forem removidos, estima-se que serão necessários 15 anos para remover todos os escombros

A Faixa de Gaza é um polo de biodiversidade onde se encontram animais selvagens da Europa, do Oriente Médio e da África. Possui mais de 250 espécies de aves e 100 espécies de mamíferos, desde gatos selvagens e lobos até mangustos e ratos-toupeiras. O Wadi Gaza, que divide o território ao meio, é uma importante paragem para aves aquáticas migratórias, incluindo garças, cegonhas, flamingos e aves de rapina, além de ser o habitat do beija-flor da Palestina, a ave nacional. Al-Mawasi é uma estreita faixa fértil de dunas de areia perto da fronteira com o Egipto pouco povoada e rica em vida selvagem onde foram registadas 135 espécies de aves, 14 espécies de mamíferos e 20 de répteis. Todos estes ecossistemas estão ameaçados devido aos ataques militares e às deslocações forçadas de populações.

Estima-se, certamente por defeito, que a actividade militar relacionada com os primeiros 120 dias de conflito em Gaza gerou mais de 600.000 toneladas de emissões de CO2 provenientes de bombardeamentos e voos de carga, uso de combustível e armas. A remoção dos escombros e subsequente reconstrução deverão gerar emissões de mais de 140.000 toneladas de CO2.

A escala e o impacte a longo prazo da destruição em Gaza levaram a apelos para que ela seja investigada como um potencial crime de guerra e classificada como ecocídio, que abrange danos causados ao ambiente por acções deliberadas ou negligentes. O Estatuto de Roma, que rege o Tribunal Penal Internacional (TPI), no artigo 8.º, considera crime de guerra «Lançar intencionalmente um ataque sabendo que tal ataque causará […] danos generalizados, de longo prazo e graves ao ambiente natural, que seriam claramente excessivos em relação à vantagem militar concreta e directa global prevista.» Também as Convenções de Genebra exigem que as partes beligerantes não utilizem métodos de guerra que causem «danos generalizados, de longo prazo e graves ao ambiente natural».


Fontes: 

Conflict and Environment Observatory — The environmental costs of the escalating Middle East crisis

Child Rights International Network — Briefing: Environmental degradation, climate change and genocide in Gaza

Yale Environment 360 — As War Halts, the Environmental Devastation in Gaza Runs Deep

The Guardian — ‘Ecocide in Gaza’: does scale of environmental destruction amount to a war crime?


Foto: Khan Younis em 19 de Julho de 2024 (Abed Rahim Khatib / Flash 90)

 

Segunda, 15 de Setembro de 2025 - 11:06