«Entrevista a Sabri Saidam, ministro da Educação e Ensino Superior da Palestina», por João Paiva
João Paiva estuda Direito no Porto. Esteve na Palestina de 1 a 24 de Agosto de 2017, participando em dois campos de trabalho voluntário na universidade de Birzeit (perto de Ramallah) e na An-Najah University, em Nablus. No âmbito desses programas teve a oportunidade de conhecer várias cidades da Cisjordânia, interagir com muitos locais, discutir várias questões e receber palestras de políticos eminentes e professores universitários palestinianos. Conheceu e desenvolveu boas relações com muitos jovens palestinianos, diferentes de si apenas na língua e na religião, que lhe mostraram perspetivas profundamente evoluídas, equilibradas e justas daquilo que está a acontecer ao seu país e à identidade do seu povo. Durante a estada, conseguiu a oportunidade de entrevistar pessoalmente o atual Ministro da Educação da Autoridade Palestiniana, o Dr. Sabri Saidam, político eminente na atualidade palestiniana. A entrevista é de elevado interesse, não só para conhecer mais sobre o conflito vivido na região, mas também para conhecer melhor a posição da autoridade palestina.
Sabri Saidam, nascido em Damasco, Síria, em 1971, fez a sua formação universitária no Reino Unido, tendo finalizado um doutoramento em Engenharia Eletrónica pelo Imperial College of Science, Technology and Medicine e obtido um certificado em Desenvolvimento Humano pela Oxford University. Tornou-se, em 2005, o mais jovem ministro em funções desde o estabelecimento da Autoridade Palestiniana, enquanto Ministro das Telecomunicações e Tecnologias da Informação.
É desde 2015 Ministro da Educação e Ensino Superior. Foi responsável por projetos como o “e-Government”, a Rede Académica Nacional, a Iniciativa Palestiniana de Educação (PEI) e a galardoada Biblioteca Palestiniana Digital, para referir apenas alguns. Até recentemente foi membro da Comissão Palestiniana Anticorrupção. Em dezembro de 2016 foi eleito para o Comité Central do Fatah. (fonte: World Economic Forum)
A entrevista que se segue foi realizada ao próprio no dia 14 de agosto de 2017, nas instalações do Ministério da Educação e Ensino Superior da Palestina, na cidade de Ramallah.
O Programa do 13º Governo Palestiniano [liderado pelo Fatah e no poder na Cisjordânia desde 2009, depois do acordo de 2007 que atribuiu o governo da Faixa de Gaza ao Hamas] intitula-se "Palestina: o Fim da Ocupação e o Estabelecimento do Estado". Qual o papel da educação e do seu Ministério na prossecução destes objetivos?
Os Palestinianos consideram a educação a sua única arma para fazerem frente, numa perspetiva de futuro, aos desafios que lhes são apresentados. Não possuímos recursos naturais e estamos sob ocupação, o que limita drasticamente o horizonte de oportunidades que cada Palestiniano vê para a sua vida. A cultura tem sido desenvolvida entre o povo Palestiniano e a educação tornou-se um elemento perfeitamente alcançável e inquestionável para todos. Daí que atualmente nenhuma família Palestiniana ponha sequer em causa enviar as suas crianças para a escola - esta conquista está consumada, o que não acontece em alguns países de terceiro mundo. Acreditamos que a transmissão de conhecimento às pessoas é da maior importância para o desenvolvimento da nação, para o seu florescimento intelectual, para a preservação da esperança num futuro melhor e para o aumento da confiança no desenvolvimento e na empregabilidade. Já conquistámos o suficiente para dominarmos as atividades necessárias à erradicação da pobreza no país e ao sucesso face aos desafios políticos e económicos que se nos apresentam. A nossa decisão de investir no desenvolvimento e aperfeiçoamento do sistema educativo é baseada numa necessidade nacional, numa necessidade de libertação. Libertar as mentes é libertar a Palestina. E acreditar na coexistência e na capacidade dos Palestinianos em prosperar é muito importante. O nosso objetivo não é encher as escolas de alunos, mas providenciar-lhes as ferramentas humanas e técnicas necessárias para que acreditem que conseguem chegar a níveis iguais ou superiores de competência que os seus pares noutros países, que acreditem que conseguem competir nacional e internacionalmente, que acreditem que são capazes de fomentar um ciclo económico de crescimento na Palestina, que acreditem que conseguirão contribuir com as suas valências para a superação dos diversos desafios que põem em risco o todo da identidade Palestiniana.
E quais são os principais problemas e dificuldades que se opõem ao cumprimento dessa missão?
A ocupação divide e isola problematicamente o território Palestiniano. Ela é o principal grande desafio. A falta de continuidade geográfica é um enorme entrave para a Autoridade Palestiniana na prossecução do seu objetivo de fornecer uma educação a todos os Palestinianos, de forma justa, igual e universal. Temos comunidades de beduínos Palestinianos a viverem em áreas C [áreas, dentro da Cisjordânia, exclusivamente administradas e controladas por autoridades israelitas, tal como estipulado no Acordo de Oslo II de 1995] e algumas delas foram mesmo excluídas pelo muro que serpenteia através do território da Palestina [erguido por Israel, desde 2002, na Cisjordânia, ao longo de parte da fronteira com a Palestina]. Esse mesmo muro que duplicou o espaço delimitado pela linha verde [traçada como limite territorial do Estado de Israel no Armistício Israelo-Árabe de 1949] e que, por isso, implica um muito maior esforço da nossa parte para dirigir escolas que se encontram além dele. Temos também a Faixa de Gaza, totalmente fechada pelo embargo e sob controlo militar, onde o acesso até a livros é difícil, já para não falar de materiais de construção essenciais para a reabilitação de escolas. Refira-se ainda o problema de Jerusalém, onde Israel exige que as escolas árabes desistam do currículo Palestiniano e, em troca de financiamento Israelita, lecionem o currículo de Israel. Assim se vê o mosaico de problemas que enfrentamos. E, para além deles, outro desafio fundamental se impõe: devido à multiplicidade de mentalidades que encontramos nas diferentes comunidades da Palestina, é necessário que quem possui responsabilidades políticas mude diariamente de perspetiva ao lidar com diferentes situações que surgem, adotando sempre um estado de espírito conducente à resolução dos conflitos e nunca desprezando o contexto em que eles surgem.
Desde quando é que esse controlo e pressão Israelitas sobre o currículo se tornaram um problema em Jerusalém?
Desde 1967 [ano em que se deu a apelidada Guerra dos Seis Dias e a consequente anexação Israelita da Cisjordânia] que Israel pressiona e força a nossa atividade no campo da educação, ao ponto de, atualmente, a Autoridade Palestiniana e este Ministério controlarem apenas 14% da educação em Jerusalém. E esses 14% significam que dirigimos 46 escolas, onde aplicamos o currículo e sistema de ensino Palestinianos. Os Israelitas proíbem-nos de nos expandirmos e de reabilitarmos as nossas escolas. Não possuimos sequer capacidade para construir paredes ou adquirir sacos de cimento, exceto se houver autorização. Neste momento Israel explora esse poder sobre nós propondo a autorização de assistência às escolas em troca da nossa desistência do currículo Palestiniano e aplicação do sistema escolar Israelita. Oferecem-se até para financiar a reabilitação, em troca da obediência a certas imposições. Esta situação coloca-nos o enorme desafio de obtermos fundos para apoiar escolas especialmente carenciadas, de forma a que elas não encerrem e continuem a aplicar o sistema de ensino Palestiniano.
Qual é a verba orçamental anualmente atribuída ao Ministério da Educação pelo Governo e qual a sua opinião sobre esse valor quando comparado com o espetro geral de despesas públicas da Autoridade Palestiniana?
Tem havido um enorme descontentamento na sociedade relativamente ao baixo nível de investimento na educação. Assumi o cargo de Ministro da Educação no dia 1 de agosto de 2015 e, à data, a verba disponível representava cerca de 16% do total de despesas governamentais. No ano passado, esse número subiu para os 20% e este ano ronda os 27%. Mas isto não é obra exclusivamente minha: é fruto, em primeiro lugar, da ação de toda a sociedade, que pressiona o aumento do orçamento para a educação, e, em segundo lugar, da introdução de diferentes desenvolvimentos no sistema de ensino, que levaram ao aumento da atenção do Governo e, consequentemente, do financiamento. Os novos livros - conformados já com o novo currículo introduzido este ano -, o novo sistema de ensino secundário, a introdução de formação técnica generalizada a todas escolas, a introdução de equipamento tecnológico e outras iniciativas que temos acolhido aumentaram a necessidade de um maior volume de financiamento.
No que toca a tarefa de formar jovens palestinianos, quão difícil é ensinar e promover realidades como os direitos humanos idealmente universalizados, os valores humanitários, o direito internacional, a rapazes e raparigas que não as vivem nem reconhecem nas suas vidas?
É muito difícil. É muito difícil falar de igualdade, por exemplo, ou falar de direitos humanos tão básicos e fundamentais como a liberdade de circulação. É difícil ensinar aos jovens conceitos que eles não praticam, que eles não têm a hipótese nem capacidade de experienciar. E isso leva a ressentimentos, ódios, desejos de vingança. Como costumo dizer, todos nós refletimos, na nossa atitude e nas nossas ações, o ambiente que nos rodeia. Pegando naquilo que disse anteriormente sobre a existência de diferentes comunidades dentro da mesma sociedade, dispersas e isoladas devido à ocupação, essa divisão em cantões cria constantemente desafios de nova índole que exigem diferentes meios para se resolverem. Enquanto Ministro da Educação, sinto um imenso respeito pelo trabalho do conselho de assessores do Ministério, porque aqueles que o compõem se veem regularmente na posição de estar, num dia, a resolver questões sensíveis em Jenine e, no dia seguinte, terem de lidar com problemas igualmente sensíveis em Hebron: duas comunidades completamente diferentes, com aspirações e níveis de abertura ou conservadorismo contrastantes.
Isso leva-nos a uma outra pergunta: quão difícil se torna a tarefa de lecionar um currículo e praticar um sistema educativo que promovam o desenvolvimento social e cultural numa sociedade marcadamente tradicionalista como a Palestiniana?
O que se torna muito favorável neste aspeto é o facto de os Palestinianos serem conhecidos no mundo árabe pela sua excelência no campo da educação. Até países estrangeiros requisitam por diversas vezes as competências dos professores Palestinianos, especialmente no Golfo. O Kuwait, por exemplo, decidiu este ano acabar de recorrer a professores de outras nacionalidades e contratou professores Palestinianos. Este é o reflexo da confiança investida nos nossos profissionais. Se nos sentarmos com Palestinianos para discutir a educação, eles expressarão o seu descontentamento com os métodos tradicionais de ensino, com a memorização, com a forma como os exames foram montados com o único propósito de produzirem um diploma e não necessariamente para levarem os examinandos à aquisição de conhecimentos. Quando assumi funções, fi-lo tendo assente que deveríamos assumir como ponto de partida uma atitude de completa abertura e franqueza para com a sociedade, acabando com a jactância sobre as nossas políticas, acabando com as mentiras dirigidas a nós mesmos sobre a qualidade do nosso sistema de ensino. E isto exigiu muita diplomacia. Mas, mais uma vez, o ponto a que chegámos é fruto do trabalho de muita gente, incluindo os esforços de uma comissão chamada "Comissão para a Reforma", que declarou muito objetivamente que o caminho é a mudança. Dois anos passados desde 2015, eu diria que as pessoas aceitam a mudança enquanto conceito abstrato, mas quando chega a altura de a aplicar as coisas tornam-se mais difíceis. Por vezes penso para comigo se deveria ter feito o que fiz ou se, pelo contrário, me deveria ter portado como um ministro tradicional, sentado à secretária, ignorando o que se passa. Para quê mudar? Apenas para sair de mãos escaldadas? A mudança é o fator mais difícil. Outrora fui Ministro das Telecomunicações e introduzi o "e-Government". Não imaginam o nível de resistência que tive de enfrentar. Mas não sou herói nenhum. Não digo estas coisas para me gabar. Estou a ser realista. A sociedade quer mudança, nas iniciativas sociais de debate e reflexão as pessoas pedem a mudança, mas quando ela chega é difícil de a pôr em prática. Mas eu penso que à medida que os resultados vão surgindo a atitude das pessoas altera-se. Por exemplo, antes desta reunião, estive a ouvir um testemunho de Gaza e, para dizer a verdade, quase me comovi de alegria por saber que um número considerável de alunos do primeiro ano consegue já ler e escrever, o que não acontecia durante a vigência do antigo currículo. De certa forma estas notícias criam uma sensação de conforto, a qual, no entanto, nunca é suficiente nem totalmente satisfatória.
E qual a sua visão sobre o problema da "fuga de cérebros" na atualidade, com muitos jovens Palestinianos a procurarem sair do país na busca da continuação dos seus estudos e da valorização profissional?
Esse costumava ser um grande problema, mas, hoje em dia, com o surgimento da Internet e a transformação do mundo numa aldeia global, já não é uma realidade tão premente como no passado.
Os Palestinianos veem na proteção da sua identidade uma das mais determinantes formas de resistência à ocupação. O que tem o Ministro da Educação a dizer sobre a importância da cultura no movimento de resistência, sobre o papel da educação enquanto propulsor desse movimento e ainda sobre o possível conflito que poderá existir na necessidade de conciliar a missão de preservação da identidade palestiniana com a também vital adesão à globalização e seus benefícios?
Tudo se resume à identidade. Tudo se resume à preservação da identidade deste povo e à manutenção da sua existência nesta terra. Isso implica que qualquer obra ou documento de cariz pedagógico procure, no máximo possível da sua dimensão, enaltecer a importância da aquisição de conhecimento e da preservação da identidade. A atenção ao aspeto artístico - como o dabke, a nossa dança tradicional - e ao aspeto desportivo, por exemplo, é uma forma eficaz de preservação da identidade. Este ano conseguiremos, ao que tudo indica, estabelecer permanentemente a nossa primeira orquestra escolar nacional. Tenho a honra de dizer que todos os nossos instrumentos didáticos são focados na preservação da identidade e na promoção cultural.
Uma viagem ao longo da Cisjordânia revela-nos a existência de algumas infraestruturas educacionais de elevadíssimo nível. Mas assim como vemos os grandes e desenvolvidos campi de universidades, como em Birzeit [BZU, Universidade de Birzeit] e Nablus [An-Najah University], também notamos a total carência de infraestruturas fundamentais à vida e dignidade humanas, em locais como campos de refugiados, com escolas pobres e degradadas. A questão que lhe coloco centra-se nos fundos recebidos e geridos pela Autoridade Palestiniana: como são eles distribuídos equitativamente, quem são os seus principais doadores e quão seriamente deveremos considerar a possível existência de corrupção na distribuição e atribuição desses fundos a diferentes instituições, problema repetidamente apontado pela opinião pública?
Diga-se desde já que a existência da ocupação força a discrepância de circunstâncias entre diferentes localidades. Algumas delas estão totalmente isoladas das outras e, nesses locais, a população não tem o contacto que seria desejável com modos mais abertos e tolerantes de viver a vida; outras localidades enfrentam as suas próprias dificuldades económicas. Mas quando se entra numa universidade, descobre-se uma nação de nações, uma população que representa toda a população da Palestina. E as diferenças que existem, dentro do país, de localidade para localidade, refletem-se nessa população universitária. Não me surpreende ver pessoas de diferentes grupos, vindas de diferentes localidades, representando diferentes pontos de vista e assumindo até diferentes impressões sobre a vida quotidiana. Algumas são liberais, outras extremamente religiosas, outras no meio-termo. O ambiente universitário promove a ilustração, a persistência na preservação da identidade Palestiniana e o diálogo enriquecedor entre diferentes perspetivas. Quem imaginaria que um jovem rapaz residente em Ramallah nunca teria visto Jerusalém nem obtivera autorização para lá ir? Como se explica a uma pessoa que uma localidade situada a apenas 20 minutos de distância é inalcançável? Ou até pessoas que nunca estiveram em Gaza? Por estas razões é que eu digo que existe um alto nível de disparidades que transporta consigo amargura e exigência de redobrados esforços. Por exemplo, em Gaza, no pós-guerra, eram necessários mais representantes e maior suporte do que aqueles que eram necessários na Cisjordânia. Por isso o que aparenta ser uma urgência numa localidade não é igualmente urgente noutra. Temos o exemplo das escolas mistas: podemos ir a comunidades totalmente conservadoras onde não seria expectável encontrar escolas mistas e, pelo contrário, encontrá-las; podemos, no entanto, ir a comunidades supostamente mais liberais e, por contraste, essas escolas não serem permitidas. A decisão sobre a sua existência é, em último plano, nossa, mas no fim do dia preferimos manter a ordem e a paz no seio dessas comunidades. A nossa intenção é fugirmos de radicalismos e ódio e, apesar de toda a dor, despromover qualquer tipo de violência ou agressão. Não procuramos eliminar Israel. Procuramos trazer paz, independência e desenvolvimento à Palestina. Há uma grande diferença. E isso é o que precisamos de promover. Somos bem sucedidos a fazê-lo? Penso que não. Todos os dias vemos o que acontece. É difícil pedir às pessoas que cooperem com políticas de contenção e autorrestrição quando Israel nos subjuga em todos os aspetos. Se formos a comunidades de beduínos que veem as suas escolas serem demolidas por bulldozers regularmente, veremos a disparidade de realidades que existe entre comunidades dentro da mesma sociedade.
Quem são os principais doadores internacionais para a educação?
Temos 5 grandes países que doam diretamente fundos monetários, mas outros que doam de diferentes formas. Os maiores e principais doadores internacionais para o Ministério da Educação são os EUA, através do USAID, em conjunto com a Alemanha. Mas existe um pacto, o Joint Financing Arrangement [JFA, fundado em 2010 e responsável pelo corrente investimento de 112 milhões de dólares em educação na Palestina, para o período de 2016 a 2019], celebrado entre países doadores, que estabelece um comité geral, para que todos os fundos se concentrem num pote e depois sejam canalizados de acordo com as prioridades impostas por cada país doador. Os principais doadores europeus são a Alemanha, a Bélgica, a Finlândia, a Irlanda e a Noruega [os cinco países que compõem o JFA]. Todos os fundos doados internacionalmente providenciam um total de 165 milhões de dólares anuais.
E o que representa esse montante quando comparado com a verba orçamental atribuída anualmente ao Ministério pelo Executivo?
É bastante substancial. A atual verba governamental dispensada ronda o bilião de dólares. 165 milhões de dólares é um montante muito importante para nós.
Pode dar-nos uma ideia do peso que atualmente assumem os setores público e privado no panorama geral das instituições de ensino na Palestina?
Temos cerca de 3000 escolas, 700 das quais são privadas. Por isso a grande maioria são escolas públicas.
E como definiria a política ou abordagem do Ministério à presença do setor privado na educação?
Nós licenciamos o setor privado e encorajamo-lo, porque não somos capazes de cobrir todas as necessidades ou cumprir a nossa missão sozinhos. Para além disso, encorajamos ainda as escolas privadas a promoverem uma educação inclusiva, especialmente para jovens com dificuldades motoras ou em particular estado de carência. Também estendemos a sua liberdade à possibilidade de ensinar aos alunos o nosso currículo enquanto base de formação para aprofundamento de outras valências em áreas como a matemática, a ciência e as línguas. Permitimos a elevação do nível de exigência e conteúdo aos livros e orientações que lhes providenciamos. O Ministério licencia as instituições privadas e controla a sua observância da nova Lei Palestiniana da Educação, aprovada em abril.
Voltemos um pouco atrás, à questão da corrupção a que brevemente aludimos, uma vez que constitui um assunto dominante na opinião pública. E acrescente-se ainda que a distribuição de fundos recebidos do exterior é uma das tarefas governamentais sob as quais mais pende este julgamento popular, sendo a educação precisamente uma das áreas em que as disparidades de recursos são mais visíveis e acessíveis à população comum. Como comenta estes factos?
A Autoridade Palestiniana tem um passado infeliz no que diz respeito ao seu estabelecimento e à aplicação da ajuda internacional, que, de uma forma ou de outra, foi constantemente vista como diretamente orientada para certas entidades, do modo que a relação entre a sociedade, a Autoridade Palestiniana e a comunidade de doadores não tenha sido sempre a melhor. A questão da corrupção tem sido repetidamente identificada pela opinião pública como um dos principais entraves ao desenvolvimento da Palestina. Mas até no Reino Unido, por exemplo, quando se afere a opinião pública sobre a governação, a corrupção surge sempre como um dos problemas mais levantados. Existe, contudo, uma grande diferença entre corrupção substancial e baseada em factos e a ilusão de corrupção. Eu diria que existe corrupção. Eu diria que, a existir corrupção dentro do meu Ministério, gostaria muito de a combater. Tenho a noção de que tem havido bons desenvolvimentos neste aspeto, mas teremos nós chegado um nível de integridade satisfatório, quando comparado com o geral dos outros países? Julgo que não. Temos de nos concentrar mais nisso. Mas também devemos ter em conta fatores como o seguinte: este ano estamos prestes a colocar 1600 novos professores nos nossos quadros; o número de professores que concorreu às vagas é de 40450; aqueles que fizeram o exame de aprovação foram 40000. Por isso, ao selecionarmos 1600 professores de entre estes números, qual se espera que seja a reação daqueles que não foram escolhidos? Dirão "Sim, o Ministro é um santo e o processo foi totalmente transparente"? É recorrente recebermos muito negativismo vindo daqueles que não obtiveram o que desejavam e o recurso à desculpa da corrupção tornou-se a norma. Aconselho vivamente a olharem para os números e identifcarem o que acontece fruto de real corrupção e onde, pelo contrário, a bandeira da corrupção terá sido levantada meramente com o intuito político de distrair a Autoridade Palestiniana da sua principal função de desenvolvimento do país e eliminação da ocupação.
Gostaria agora de ouvir, diretamente de um membro do Governo, a posição oficial do Executivo sobre alguns pontos essenciais. Qual a verdadeira influência da pressão Israelita sobre a tarefa geral de definir e aplicar políticas governamentais por parte da Autoridade Palestiniana?
Eles exercem pressão sobre o que está sob nosso controlo e decidem livremente em grande parte daquilo que não está ao nosso alcance controlar. A sua ação de sabotagem é sobejamente notada. Por exemplo: Israel pressiona-nos fortemente no processo de edificação do nosso currículo. Eles procuram um currículo que sirva e legitime a permanência da ocupação, enquanto que nós edificamo-lo no sentido de fomentar a libertação e a independência. Daí existir uma grande discrepância. E até em coisas que nós controlamos eles conseguem interferir. Em altura de exames, quando os professores se encontram nos centros de exames e os estudantes prestes a realizarem as suas provas, se autoridades Israelitas entram nas instalações e começam uma série de interrogatórios a professores, supervisores, estudantes e outras pessoas envolvidas, a qualidade de prestação dos alunos acaba por ser gravemente afetada. Este é o tipo de realidades que existem no seio de uma ocupação militar que se mantém há décadas. O que melhor ilustra a resistência Palestiniana face a essas ocorrências é o facto de o povo se ter tornado acostumado a este status quo, vivendo as suas vidas normalmente, independentemente das interferências externas. Se passarem uma noite em Ramallah, ouvirão festas de casamentos a acontecerem num lado da cidade e, ao mesmo tempo, no outro lado da cidade, debates e marchas de protesto contra a ocupação.
Qual é a solução que o seu Governo oficialmente advoga para a conclusão da luta dos Palestinianos pelo estabelecimento de um Estado, tendo em conta o debate que se realiza na sociedade entre apoiantes de uma solução de um estado único e apoiantes de uma solução de dois estados independentes?
Eu penso que grande parte das pessoas não tem noção das características que um estado único teria se surgisse como resolução deste conflito. Por essa razão, os apoiantes dessa via de pensamento são incapazes de desenvolver uma opinião sólida sobre o assunto. Israel não reconhece sequer direitos a árabes Palestinianos que vivem dentro do estado Israelita. Poderá alguém com o mínimo laivo de sanidade acreditar que Israel alguma vez permitiria a sua absorção num único estado maioritariamente Palestiniano? Penso que este debate é um exercício intelectual bastante bom, mas a posição eficiente a adotar é o estabelecimento de dois estados, assim como o determinam as resoluções das Nações Unidas.
Qual a sua leitura da atual abordagem ao conflito por parte da comunidade internacional?
Para dizer a verdade, a causa Palestiniana não tem sido vista como prioridade nos últimos anos e por isso tivemos que procurar formas de trazer a nossa luta à superfície. A Primavera Árabe, por exemplo, produz relatos e desenvolvimentos bem mais sensacionais.
Mas reconhece alguma viragem na visão geral do conflito pela comunidade internacional?
Sim, bastante. As prioridades alteraram-se completamente, o que desimpede o caminho de Israel para a construção de mais colonatos e controlos de passagem. A vida não é fácil, mas parte do desafio é sermos capazes de continuar a viver o nosso dia-a-dia normal.
Que atitude gostaria que a comunidade internacional adotasse daqui para a frente?
Em termos de orientação política, gostaríamos de ver uma simples tentativa de garantir ao povo Palestiniano aquilo que é suposto ser garantido a qualquer ser humano. Gostaríamos de preservar as nossas escolas e preservar a nossa identidade. Gostaríamos de continuar a luta pela afirmação da ideia de que não procuramos aniquilar Israel, mas sim plantar a paz e construir o Estado Palestiniano, ver os nossos direitos reconhecidos e não perseguir ou matar quem quer que seja. Julgamos ser totalmente inaceitável a caricatura dos Palestinianos como nada mais que bombistas suicidas. Muitas nações lutaram, ao longo da história, contra os seus inimigos e até resoluções das Nações Unidas reconhecem o direito de um povo oprimido de lutar contra o seu opressor.
Enquanto Ministro da Educação, governante palestiniano e, podemos dizê-lo, líder institucional da juventude da Palestina, quais as suas reais previsões para o futuro deste país e qual a sua mensagem para aqueles que lidera?
Eu diria que o líder da juventude não pode nunca desesperar. Vivemos um jogo de quem morde com mais força, no qual Israel quer que sejamos os primeiros a gritar. É importante mantermo-nos firmes, é importante acreditarmos no poder da juventude, reconhecermos a capacidade das crianças e dos jovens nas escolas e acreditarmos no nosso sistema de ensino, para que o possamos fortalecer. O que acontecerá no futuro ninguém sabe. O meu maior desafio é manter os Palestinianos unidos e alcançar um maior reconhecimento internacional para as nossas escolas. Ganhámos o prémio de melhor professor do mundo, ganhámos o prémio de melhor escola do mundo árabe. Reconhecimentos como estes enchem os corações e mentes do povo Palestiniano com motivação e confiança. A minha mensagem para todos os seus leitores é que é importante mantermo-nos firmes.
Vê a juventude com vontade de prosseguir esta luta que herdou?
Absolutamente. Vejo-os com mais vontade do que nós. E mais preparados para a fazer. O que aconteceu recentemente em Jerusalém deu-nos muita esperança. Ficou clara a mensagem de que os Palestinianos conseguem lutar sem recorrer a quaisquer armas, apenas através da manifestação pacífica de força, com cristãos a juntarem-se a muçulmanos em oração. Foi uma situação muito irónica que deu à sociedade Palestiniana uma grande injeção de confiança.
Os artigos assinados publicados nesta secção, ainda que, obrigatoriamente, alinhados com os princípios e objectivos do MPPM, não exprimem necessariamente as posições oficiais do Movimento sobre as matérias abordadas, responsabilizando apenas os respectivos autores.
Quinta, 2 Novembro, 2017 - 00:00