«Edward Saïd - Académico, Ensaísta e Defensor da Causa Palestina», por Júlio de Magalhães

Nascido em Jerusalém (que então se encontrava sob mandato britânico) em 1 de Novembro de 1935, Edward Saïd, filho de palestinianos cristãos protestantes, morreu em Nova Iorque a 25 de Setembro de 2003, vítima de leucemia, após uma carreira notável de professor nas mais prestigiadas universidades norte-americanas, de ensaísta brilhante e de activista político em defesa da Causa Palestiniana.
Devido à actividade comercial do pai, viveu os primeiros anos da sua vida entre o Cairo e Jerusalém, tendo a família emigrado para o Egipto com a independência do Estado de Israel em 1948. No Egipto frequentou várias escolas, nomeadamente o Victoria College (El-Nasr) de Alexandria, o estabelecimento privilegiado do ensino de inglês naquela cidade, onde teve colegas de vários países do mundo árabe, muitos dos quais se viriam a distinguir mais tarde na política, nas letras e nas artes, como o rei Hussein da Jordânia ou actor Omar Sharif. Por ser um estudante turbulento, foi expulso daquela escola e os pais enviaram-no para os Estados Unidos, para um colégio interno (o Mount Hermon School) no Massachusetts, onde se tornou um dos melhores alunos.
Em 1957 obteve o Bachelor of Arts, na Universidade de Princeton, e em 1960 o grau de Master of Arts e em 1964 o grau de Ph.D (Doctor of Philosophy) pela Universidade de Harvard (em Cambridge). Em 1963 tornara-se professor da Universidade de Columbia (em Nova Iorque), onde ensinou Inglês e Literatura Comparada. Leccionou também em Harvard, na Universidade John Hopkins (em Baltimore) e na Universidade Yale (em New Haven, no Connecticut). Foi membro da American Academy of Arts and Sciences, da American Academy of Arts and Letters, da Royal Society of Literature e da American Philosophical Society. Colaborou regularmente em diversos jornais como The Nation, The Guardian, Le Monde Diplomatique, The London Review of Books, Al-Ahram e Al-Hayat. Concedeu numerosas entrevistas ao longo da sua vida, muitas das quais em conjunto com o seu colega e amigo e activista político Noam Chomsky.
Foi também, durante muitos anos, crítico musical, e em 1999 fundou, com outro amigo seu, o famoso pianista e maestro argentino Daniel Barenboim (que possui também as nacionalidades israelita, por ser judeu, palestiniana e espanhola) a West-Eastern Divan Orchestra, com sede em Sevilha e que reúne jovens músicos árabes e judeus. Deve dizer-se que Barenboim, figura mundialmente conhecida, é um defensor dos direitos dos palestinianos, o que lhe tem valido fortes críticas em Israel, nomeadamente quando, ao receber no Knesset, na presença do Presidente do Estado e da Ministra da Educação, o Prémio Wolf, em 2004, citou a Declaração de Independência de Israel de 1948, para denunciar a política sionista. Já em 2001 Barenboim provocara uma tempestade em Israel ao dirigir no Festival de Jerusalém, tocada pela Berlin Staatskapelle e como extra-programa, uma obra de Wagner, dado que o compositor fora proscrito pelos israelitas desde 1938 (data da Noite de Cristal), devido às suas alegadas convicções anti-semitas.
A obra de Edward Saïd é vasta e de importância capital, quer para os estudos de literatura quer para os estudos árabes, quer sobre a Questão Palestiniana. Escreveu também um livro de memórias, Out of Place (1999), traduzido em francês com o título À contre-voie.
Entre os numerosos livros, incluindo colectâneas de textos e volumes de entrevistas, destacam-se:
- 1966 – Joseph Conrad and the Fiction of Autobiography
- 1973 – The Arabs Today: Alternatives for Tomorrow (com Fuad Suleiman)
- 1975 – Beginnings: Intention and Method
- 1978 – Orientalism
- 1979 – The Question of Palestine
- 1981 – Covering Islam – How the Media and the Experts Determine How we See the Rest of the World
- 1983 - The World the Text and the Critic
- 1986 – After the Last Sky: Palestine Lives
- 1988 – Blaming the Victims: Spurious Scholarship and the Palestinian Question
- 1988 – Nationalism, Colonialism and Literature: Yeats and Decolonization
- 1991 – Musical Elaborations
- 1993 – Culture and Imperialism
- 1994 – The Politics of Dispossession: The Struggle for Palestinian Self-Determination, 1969-1994
- 1995 – Peace and Its Discontents: Essays on Palestine in the Middle East Peace Process
- 1999 – Out of Place: A Memoir
- 2000 – The End of the Peace Process: Oslo and After
- 2000 – Reflections on Exile and Other Essays
- 2001 – Power, Politics and Culture (entrevistas)
- 2002 – Parallels and Paradoxes: Explorations in Music and Society (com Daniel Barenboim)
- 2003 – Culture and Resistance (entrevistas)
- 2003 – Freud and the Non-European
- 2004 – From Oslo to Iraq and the Roadmap (póstumo)
- 2006 – On Late Style: Music and Literature Against the Grain (póstumo)
Da vasta e diversificada bibliografia de Edward Saïd, Orientalism permanece o livro mais polémico. Sempre o Oriente exerceu um fascínio sobre o Mundo Ocidental, mas é especialmente a partir da expedição de Bonaparte ao Egipto, em 1798, que o interesse dos europeus pelo Médio Oriente e pelo Mundo Árabo-Islâmico se converte numa verdadeira paixão. Nascia, assim a disciplina do Orientalismo, que não cessou de ganhar adeptos até aos dias de hoje. Os séculos XIX e XX assistem a uma verdadeira romagem de intelectuais e artistas para o Norte de África e para o Médio Oriente, que imortalizam em textos e pinturas, que constituem importante acervo da cultura ocidental, as paisagens e os costumes dessas terras então consideradas exóticas. Para se ter uma ideia da importância da influência do Mundo Árabe, Turco e Persa (muito mais do que da Índia, da China ou do Japão) deve consultar-se a magnífica obra ilustrada de Gérard–Georges Lemaire, L’Univers des Orientalistes.
Ora é contra esta visão ocidental dos Árabes e da sua cultura que se ergue Edward Saïd, considerando-a uma imagem deformada e romântica. Argumenta Saïd que os europeus construíram uma tradição baseada em percepções falsas e em preconceitos colonialistas e que distorceram a verdadeira realidade do Mundo Árabe, apresentando-o como terra de prazeres, de luxo (para os ricos), de sensualidade e também de petróleo (mas isso é um capítulo mais recente), enfim, como terra das mil e uma noites, cujos contos (alguns) são ensinados desde muito cedo às crianças europeias. Mais afirma Saïd que esta imagem, tida como autêntica, justificou e permitiu o colonialismo britânico e francês e depois o imperialismo americano. Também o académico critica acerbamente as elites árabes que interiorizaram as ideias orientalistas do Ocidente sobre a cultura árabe, o que não causa espanto, pois essas elites foram educadas até há pouco tempo quase exclusivamente ou no estrangeiro ou nas suas terras mas em colégios e universidades de curriculum ocidental.
É compreensível, e era esperado, que Orientalism desencadeasse uma imensa controvérsia nas sociedades ocidentais, nomeadamente nos Estados Unidos, logo tendo surgido argumentos a favor e contra Saïd. Travaram-se numerosas polémicas, sendo a mais célebre a que Saïd manteve com o islamólogo judeu norte-americano Bernard Lewis, que contestou as acusações formuladas por aquele de racismo e colonialismo por parte dos europeus e americanos.
Uma leitura atenta e isenta (tanto quanto possível) da questão levar-nos-á a concluir que há muita verdade nas teses de Edward Saïd mas que o Orientalismo, enquanto disciplina, também não é mera ficção produzida pela imaginação ocidental, antes está alicerçado em muitas experiências vividas não só pelos escritores, pintores, cientistas e militares como por tantos outros homens (e mulheres) comuns que percorreram e percorrem o Mundo do Islão. E é alimentado, nos dias de hoje, por uma multidão frenética de turistas, que procura encontrar nas suas digressões uma parcela, ainda que ínfima, de um paraíso perdido que lhes foi narrado, na infância ou na idade adulta, seja ele das ruínas, das roupas, do sexo, da comida, da paisagem, mesmo da religião. 
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